Casa do Divino
A Casa do Divino é uma propriedade particular leiga de culto ao Divino Espírito Santo, existente na área central de Ponta Grossa, na Rua Santos Dumont nº 524, desde 1882.
O culto ao Divino Espírito Santo na forma de festas, novenas, orações, bingos, músicas, bailados, precatórios, promessas, partilha de alimentos e barracas com comidas e bebidas teve origem a partir de uma promessa feita pela Rainha D. Isabel de Aragão, no século XIII, diante de uma crise que Portugal passava. A rainha pagou “a promessa no dia de Pentecostes de 1296 na Igreja do Espírito Santo na Vila de Alenquer, ritual que passou a realizar-se todos os anos, na mesma data incorporando-se no calendário das comemorações do Pentecostes com suas insígnias e rituais” (CORRÊA, 2012, p. 52). No Brasil, a devoção foi introduzida, inicialmente, no litoral dos atuais estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul por imigrantes açorianos por volta do século XVIII e “[…] gradativamente foi se propagando por todo território nacional ganhando características singulares […]” (ROCHA, 2012, p. 13) e nominações específicas.
Com essas características festivas e populares, o culto ao Divino Espírito Santo já era registrado em Ponta Grossa desde a metade do século XIX. Também, no final do século XIX, espalhou-se a notícia em Ponta Grossa de uma senhora curada milagrosamente por ação do Divino. Em outubro de 1882, D. Maria Selvarina Julio Xavier encontrou, em um olho d’água, uma imagem do Espírito Santo, ou seja, uma pomba de asas abertas. Segundo matéria publicada no jornal Diário dos Campos (1979), D. Maria sofria de problemas mentais e falta de memória, tanto que, ao encontrar a imagem, ela estava perdida, andando sem destino, rumo à cidade de Castro, sem, inclusive, saber o motivo de sua saída de casa. Segundo o relato publicado no jornal, ao deparar-se com o objeto, rezou e sentiu-se curada, recobrando a memória e voltando para casa. A notícia de sua cura espalhou-se e, a partir de então, passou a ser conhecida na cidade como ‘Nhá Maria do Divino’.
Na sequência de seu retorno para casa, Nhá Maria começou a recolher e ganhar quadros de diferentes santos. Do acúmulo desses objetos, construiu, em uma das salas da frente de sua casa, um altar, que, posteriormente, recebeu um ostensório onde fica exposta, até hoje, a imagem do Divino (DIÁRIO DOS CAMPOS, 1979, p. 6-A).
Após a criação do altar com a imagem do Divino, amigos e familiares começaram a frequentar o local, onde eram realizadas novenas, orações particulares, procissões na rua com as bandeiras até as residências próximas, culminando com a festa em honra ao Divino Espírito Santo no domingo de Pentecostes (50 dias após a Páscoa). Com a morte de Nhá Maria, em maio de 1921, a casa passou para o seu sobrinho, Luiz Joaquim Ribeiro e esposa, Zeferina Ribeiro, que se tornou a responsável pela manutenção do culto religioso realizado (IDEM).
A transmissão da responsabilidade pela manutenção do local de culto para outra pessoa representa o interesse na continuidade, ou seja, a preocupação com a preservação de uma dada memória, que, naquele momento, já não era mais individual – somente de Nhá Maria –, mas coletiva – de muitos devotos que frequentavam o lugar, possibilitando a identificação deles com as práticas devocionais que ali ocorriam.
Após mais de trinta anos à frente da Casa do Divino, Zeferina Ribeiro Chaves faleceu em novembro de 1957. A partir de então, a sua filha Edy Ribeiro Chaves tornou-se a responsável pelo local de culto. Por 39 anos consecutivos, Edy abriu a porta da residência de sua família, permitindo que diferentes pessoas, muitas delas desconhecidas, entrassem na sala principal, local em que estava o altar com a imagem encontrada por Nhá Maria em 1882. Até que, em 1996, já com 70 anos e com problemas de saúde, fechou essa entrada, suspendendo as atividades religiosas da Casa do Divino.
Não tendo filhos, Edy contou com a ajuda de seu sobrinho Antônio Edu Chaves e da esposa dele, Lídia Hoffmann Chaves, para cuidar do local de devoção. O casal mudou-se para a casa e a reabriu aos devotos. Em 1999, após o falecimento de Edy, Lídia assumiu efetivamente a responsabilidade pelas atividades religiosas da Casa do Divino, retomando a realização anual da Festa do Divino, a partir de 2002, e a realização semanal das novenas.
A Casa, no transcurso dos anos, deixou de ser apenas um local de culto e passou a ser reconhecida oficialmente como um patrimônio cultural de Ponta Grossa, tendo sido tombada em 2004. De acordo com o parecer dos conselheiros do COMPAC, a Casa do Divino possui “[…] valor arquitetônico, histórico e referencial como lugar de memória, e como patrimônio cultural intangível […] [porque é um] local de devoção de fé popular da comunidade, que faz parte da religiosidade e do imaginário ponta-grossense” (CONSELHO, 2004, p. 48).
REFERÊNCIAS
CONSELHO Municipal de Patrimônio Cultural. Processo nº 02/2004, Tombamento do imóvel Casa do Divino. Inscrição nº 41 no Livro do Tombo Definitivo. Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, 2004. Acervo: Fundação Municipal de Cultura.
CORRÊA, Luiz Nilton. Festa do Divino Espírito Santo: dos Açores ao Brasil, um estudo comparativo. Tese (Doutorado em Antropologia de Ibero-América). Universidade de Salamanca. Salamanca, 2012, 272 p. Disponível em: http://www.youscribe.com/BookReader/Index/1792731?documentId=1770910 Acesso em: 23.ago.2015.
DIÁRIO DOS CAMPOS. Redação. Divino de Ponta Grossa vai completar 100 anos. Ponta Grossa, Diário dos Campos, p. 6-A, 28 jan. 1979. Acervo: Casa da Memória Paraná.
ROCHA, Vanderley de P. Fé, cultura e tradição: as celebrações em honra ao Divino Espírito Santo na cidade de Ponta Grossa 1882-2011. Ponta Grossa: Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, 2012.
Autora: Elizabeth Johansen
Professora Adjunta do Departamento de História UEPG
Ano: 2019
Revisão: 2020