Escravidão nos Campos Gerais
Sabe-se muito da escravidão no Brasil e pouco sobre ela em nossa região. Começamos então com uma ideia básica: a escravidão existiu nos Campos Gerais e a mão de obra escrava foi fundamental para o desenvolvimento econômico da região. O número de senhores de escravarias dos Campos Gerais era maior que o da própria Curitiba. Aqui o percentual de cativos chegava a 20% enquanto em Curitiba e no litoral paranaense chegava a 12,4% e 18,5%, isso nas primeiras décadas do século XIX.
As atividades que os escravos realizavam em nosso território eram diversas: serviços domésticos, na agricultura, na pecuária e até mesmo em atividades especializadas como alfaiate, domador, roceiro, entre outras. A posse de escravos, o comércio, principalmente de animais, juntamente com as propriedades de terra consolidaram as grandes fortunas da elite escravista do século XIX.
Outro elemento fundamental para a escravidão surgir e se manter por tantos anos foi a atividade tropeira. No Paraná, era mais comum as tropas serem de mulas e os viajantes partiam do Sul em direção ao Norte. Essa atividade era muito lucrativa e poucos tropeiros repetiam essa viagem mais de uma vez, visto a dificuldade da travessia e também pelo valor econômico que eles obtinham somente com uma viagem. Ela já era suficiente para enriquecer o tropeiro.
Muitas das fazendas escravistas que aqui existiam possuíam a característica absenteísta, isto quer dizer que, a maioria dos seus donos eram comerciantes paulistas que deixavam a organização e administração da fazenda nas mãos dos escravos. Uma fazenda conhecida em nossa região com esta característica é a Fazenda Capão Alto, localizada na cidade de Castro. Os escravos que ali residiam realizavam eleições semanais para escolher o administrador que comandaria a fazenda.
A fazenda Capão Alto tinha muito destaque na época e podemos perceber isso por dois fatores. O primeiro era a passagem dos tropeiros. Eles utilizavam a rota para transportar animais até Sorocaba, passavam pelo rio Iapó e quando este enchia, eles paravam na fazenda e acampavam por ali até que o rio voltasse ao normal. O segundo fator importante era a igreja presente neste local. A capela construída de barro, datada de 300 anos, é a construção mais antiga do interior do Paraná.
Isso demostra que em nossa região a escravidão tomava formas e possuia características diferentes de se desenvolver, comparado a todo território brasileiro, porém, nem por isso devemos achar que a escravidão no sul do país se deu de forma branda, ou mais amena. Por 94 anos os escravos da Fazenda Capão Alto estavam em condição de “liberdade”, continuavam sendo escravos, porém escravos sem donos. Os Campos Gerais deram essa “liberdade” disfarçada de controle para que não houvesse revoltas, o que permitiu a escravidão por tantos anos. Isso transmite tranquilidade e mansidão, como se essa situação apagasse todos crimes e castigos cometidos e como se desaparecesse a condição de escravos.
A escravidão que aqui ocorreu foi tão cruel e sanguinária como qualquer outra. Quando falamos de submissão e maus tratos à vida humana não podemos fazer comparações, ela sempre vai ser repudiada, seja qual for a maneira que ela aconteça.
Mas como era a posição das pessoas que estavam em uma condição imposta de escravos? Elas aceitavam de bom grado essa condição? Podemos ver claramente que houve muita luta e resistência desse povo contra a escravidão. Os escravos usavam várias estratégias a fim de escapar e faziam isso por meio de “brechas”, para então almejarem a tão sonhada liberdade. Enquanto o sonho da carta de alforria estava longe de se realizar, os escravizados usavam a subordinação, a fuga, a revolta e a rebelião para conquistar a liberdade.
Damásia era uma escrava, que para conseguir sua liberdade, fugiu de sua senhora na noite do dia 12 para o dia 13 de abril de 1850, acompanhada de seu filho João. Tomou os caminhos que levaram para dentro do mato em sentido ao Rio Iapó, nos Campos Gerais. A sua fuga que durou três dias chegou ao fim quando seu filho sofreu uma picada de cobra que o deixou debilitado. A mãe, com medo de perder seu filho, tenta retornar o mais rápido possível para a casa de sua ex senhora. Ao longo do caminho infelizmente o pequeno João não resistiu. Ignácia Maria, a senhora, logo convocou as autoridades locais, que declaram Damásia como suspeita de assassinato de seu próprio filho. Em tribunal, durante o julgamento, o Juiz Municipal declarou-a inocente sobre a morte de seu filho por possuir “sentimentos de humanidade”, encerrando assim o caso.
Damásia foi uma das tantas escravas que sofreram os males da escravidão. Colocada em uma situação tão triste, a pobre mãe ainda sofreu ao ser acusada de assassina de seu próprio filho. Inocentada por “sofrer sentimentos de humanidade”, Damásia é colocada em condição de animal, condição de algo que não é ser humano.
Os escravos não eram vistos como seres humanos, eram vistos e tratados como animais que às vezes por um milagre divino, tinham sentimentos humanos. É tão triste e repudiante pensar que centenas de milhares de escravos foram tratados desta maneira, onde o único desejo era a liberdade, algo que toda pessoa tem direito.
Damásia foi um exemplo do que acontecia aos escravos que tentavam fugir. Tantos outros foram chicoteados, esmurrados, presos em algemas ou até mesmo mortos por simplesmente quererem algo simples e fundamental para a vida humana: a liberdade.
REFERÊNCIAS
BANDEIREIRA, Miriani Cruz Oliveira. Terra, trabalho e escravo: fortunas escravistas nos Campos Gerais Paranaense (1826-1850). ANPUH, Encontro Estadual de História, Rio Grande do Sul, 2014.
BANDEIRA, Miriani Cruz Oliveira. Caminhos e (des)caminhos em busca de liberdade: Damásia e Benedita nos registros judiciais da vila de Castro, na segunda metade do século XIX. ANPUH – Brasil, 30º Simpósio Nacional de História, Recife, 2019.
Autora: Maria Fernanda Voinarovicz
Acadêmica do 3° ano do curso de Licenciatura em História, UEPG.
Ano: 2023