Indígenas Coroados na narrativa de Saint-Hilaire
Auguste de Saint-Hilaire fez parte da comitiva de cientistas europeus que viajaram para o Brasil com o intuito de descrever e documentar as suas características naturais. No ano de 1816 o botânico francês chegou ao Brasil, onde ficou até 1822 (MIRANDA, 2009, p. 622). Em 1820, empreendeu jornada pelo interior da região Sul, viagem cujo trajeto passou pelos Campos Gerais do Paraná. Em seu relato, quando descreveu sua estadia nas fazendas Fortaleza e Jaguariaíba, comentou acerca de uma população nativa que habitava nas proximidades daquelas fazendas: os índios Coroados.
Segundo Saint-Hilaire, estes povos indígenas eram conhecidos como Coroados porque costumavam “fazer no alto da cabeça uma pequena tonsura, que em português tem o nome de coroa” (SAINT-HILAIRE, 1995, p. 46). Comentou o botânico que, em relação aos outros povos indígenas da região, os Coroados dos Campos Gerais “em seu estado selvagem” eram “superiores em inteligência, engenhosidade e previdência a muitas outras populações indígenas, e talvez o sejam também em beleza física” (IDEM, p. 61).
Quanto às moradias dos Coroados, informou que eles construíam “suas casas com paus cruzados, à maneira dos Brasileiros – Portugueses” e as cobriam com “folhas de bambu ou de palmeira; mas não rebocam as paredes com barro, e fazem as casas extremamente compridas, de maneira que várias famílias podem morar numa mesma moradia”. Sobre alimentação, registrou que cultivavam “feijão e o milho” (SAINT-HILAIRE, 1995, p. 46).
Interessante observar que, quando se referiu aos Coroados da região da Fazenda Fortaleza (próxima ao atual município de Tibagi), demonstrou seu conhecimento da existência de outras tribos de Coroados, em outras localidades brasileiras. O francês anotou:
Quanto aos Coroados dos Campos Gerais, é bem provável, […] que eles e os indígenas do mesmo nome que habitavam as terras próximas de Guarapuava formassem uma só nação, e que, em consequência, eles nada tenham em comum com os Coroados do Rio Bonito nem com os do Presídio de S. João Batista (IDEM, p. 47).
Os Coroados comumente entravam em conflito com os homens brancos, havendo confusões entre os grupos, roubos de gado e até mesmo mortes em ambos os lados. Saint-Hilaire registrou que autoridades enviavam pólvora e chumbo para os fazendeiros e seus escravos se defenderem dos Coroados, sendo que os cativos da região de Tibagi, por exemplo, nunca iam para as plantações sem levarem consigo armas de fogo.
Quando o viajante esteve na fazenda Jaguariaíba ouviu a descrição de um soldado sobre como era feita a ‘caçada’ aos indígenas da região:
Procuravam com cuidado os rastros dos índios e quando os descobriam seguiam até que se chegasse a sua morada, caindo sobre eles de surpresa. Os homens empreendiam fuga sem se defender, tão logo ouviam os tiros de fuzil, e os atacantes se apoderam das mulheres e das crianças” (SAINT-HILAIRE, 1995, p. 46) .
O etnocentrismo de Saint-Hilaire ao se referir aos Coroados é evidente em toda sua narrativa. Comumente os chamou de “selvagens” e de “bárbaros”. Por outro lado, em determinados momentos, reconheceu a engenhosidade desse grupo indígena em produzir “arcos e flechas, machadinhas de pedra, vasilhas de barro, cestos [e] colares feitos de dentes de macacos” (IDEM, p. 60-61). Inclusive registrou o naturalista que, por sua “beleza física”, os Coroados deveriam ser estimulados a se casarem com os “paulistas pobres” (SAINT-HILAIRE, 1995, p. 61).
REFERÊNCIAS
MIRANDA, Luiz Francisco Albuquerque de. O deserto dos mestiços: o sertão e seus habitantes nos relatos de viagem do início do século XIX. História, 2009, vol.28, n.2, p.621-644.
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à Comarca de Curitiba. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1995.
Autoria: Bruno Link
Acadêmico 4º ano do curso de Bacharelado em História – UEPG
Ano: 2021