Núcleo 31 de Março em Ponta Grossa

Núcleo 31 de Março em Ponta Grossa

  No dia 31 de março de 1964 a nação brasileira entra em um trágico capítulo da sua história: a ditadura militar. Foram longos anos de repressão e censura contra o povo, e a mesma só teria fim no dia 15 de março de 1985, momento marcado pela redemocratização brasileira. Ponta Grossa assim como qualquer outra cidade do país foi impactada pela ditadura, mas sem dúvidas teve uma forte manipulação por parte dos militares.

Três anos após o golpe, o jornal ponta-grossense Diário dos Campos publica a notícia: “Nação comemora o IIIº aniversário da revolução” e também “PG recebe hoje casas da COHAB” anunciando a entrega das 1000 casas do núcleo em 31 de Março de 1967. A cerimônia de lançamento do núcleo se deu a partir da entrega de três casas a cidadãos pertencentes à Força Expedicionária Brasileira, com presença do governador Paulo Pimentel e outras autoridades do governo durante a ditadura.

Em março de 1965, um grupo de militantes da Força Armada de Libertação Nacional (FALN) foi cercado por militares na estrada entre Capanema e Cascavel e logo entraram em conflito. Com a troca de tiros, o Sargento Carlos Argemiro Camargo, natural de Ponta Grossa, foi baleado e faleceu. Na inauguração do bairro em 1967, todas as ruas receberam nomes de minérios, com exceção da principal rua do Núcleo: a Rua Sargento Argemiro Camargo, homenagem ao falecido sargento morto em combate, que anos depois deixou de ser a principal rua do bairro com o crescimento do mesmo. Assim como o nome da rua, o nome do núcleo também leva uma auto-homenagem à ditadura, sendo 31 de março o dia do golpe militar brasileiro.

A influência do regime militar sobre os jornais locais da época pode ser sentida pela temática, angulação e teor das manchetes, matérias, editoriais e artigos. Vários generais se posicionaram sobre o golpe nos jornais da época e a grande maioria, senão todos, tinham um discurso que a “revolução democrática”, como preferiam chamar, seria um apelo da sociedade que pedia um basta para a situação do Brasil da década de 60, assim, ignorando a voz e realidade daqueles que eram contra e resistiram a ela.

O núcleo 31 de março foi importante para modificar o formato da cidade. Pela primeira vez uma região periférica apresentou níveis de povoamento equivalentes ao do centro, o que era algo raro, já que na década de 1960, Ponta Grossa não tinha uma população tão grande. Ele também foi importante para o crescimento da cidade, já que a inauguração de 1000 casas trouxe várias famílias de outros lugares para a região. A estrutura das casas era pequena e próxima umas das outras e as ruas eram estreitas, como podemos perceber até os dias de hoje. Por esse motivo, o núcleo ganhou até uma “lenda urbana”, que fez o 31 de Março ficar conhecido como “Redenção”, nome de uma novela de época, mais especificamente de 1966 a 1968, cujo a principal personagem seria a fofoqueira Dona Maroca. A região ficou famosa por ser propícia ao “diz-que-diz-que”, pois quando alguém falava algo, não era difícil que o vizinho escutasse com a proximidade das casas.

Muitos anos depois do fim da ditadura, o movimento idealizado por Thiago Divardim e Ben-Hur Demeneck e intitulado como “31 pelo 15” surge e coloca em discussão o nome do Núcleo. Como todos sabemos, a ditadura é marcada por repressão, censura e principalmente tortura e perseguição política àqueles que se opuseram a mesma. Portanto, esse movimento recente tinha como principal ideia mudar o nome do núcleo de 31 de Março, dia do golpe em 1964, para 15 de Março, dia que marca o fim da ditadura.

O primeiro passo se deu na rede social “Twitter”, pela conta @31pelo15: “Essa é edição virtual de um movimento espontâneo em favor da troca do nome do núcleo ‘31 de março’ por ‘15 de março’”. O “31 pelo 15” fez render pelo menos oito artigos apenas em 2010. Quanto à repercussão do movimento, ela se fez notar em jornais impressos, em duas matérias na TV, em meio digital e em programas de rádio. No dia 31 de Março de 2010, a imprensa local fez circular os artigos “Por que trocar o 31 pelo 15”, de Ben‐Hur Demeneck, no Diário dos Campos, e “Quem a gente quer ser”, de Thiago Divardim, material publicado simultaneamente no Diário dos Campos e no Jornal da Manhã. Ou seja, todo o espaço opinativo dos diários foi ocupado.

A discussão se estendeu por mais algumas edições do jornal, nas quais pessoas também articularam a favor do movimento e outras que opuseram-se. No dia 5 de abril foi publicado o primeiro enunciado crítico ao movimento, no qual  o articulista Klaus Writer foi o autor da manchete “A velha ‘31”, que não disfarça seu incômodo sobre essa discussão e esse espaço da cidade carregado de histórias. Na edição de 11/12 de abril, no mesmo jornal, a edição do dia traz texto de membro do 31 pelo 15: “Por que o 31 de Março é assunto popular”. Nele, o autor esclarece que não se quer atropelar identidades, mas sim lutar contra a desinformação. Uma semana depois, nos dias 18‐19 de abril foi a vez de se manifestar um empresário e produtor rural, Douglas Taques Fonseca, que  apresentou o enunciado “Temos orgulho do 31 de Março”. Trata-se de uma defesa aberta à ditadura civil‐militar e de seu legado, a ponto de considerar como “infâmia” discursos críticos a ela. Para ele, os brasileiros comemoraram com a bandeira na mão a “revolução democrática” e que os jovens de hoje estão desinformados em relação ao saudoso governo militar. Sem demora, apareceu uma réplica, intitulada “O 31 pelo 15 para chegar ao século XXI”, no Diário dos Campos de 20 de abril. Trabalho de autoria do historiador e professor do Departamento de História e das pós-graduações de História e de Educação da UEPG, Luiz Fernando Cerri, qualifica o “banho oficial de sangue” como a principal marca do 31 de Março.

No portal comunitário “Memórias Digitais” da UEPG, a matéria “O bairro, o golpe e a memória de Uma Ditadura em Ponta Grossa” mostra o relato de Rosa Covalski Barreto, uma das primeiras moradoras do 31 de Março. Na matéria, Rosa lembra que, na época, quem dava a escritura das casas era o exército. “Tinha o escritório de um Major aposentado na entrada do bairro. Pagamos 700 cruzeiros de mensalidade para os militares”, conta.

 

Referências:

OLIVEIRA, T. A. e Demeneck, B. H. (2016). “31 de Março”: um núcleo habitacional como enunciado e elemento da cultura histórica. Anais Eletrônicos, 11(3), 478-491.

DEMENECK, Ben-Hur. Jornal Grimpa: Nem tudo são espinhos na imprensa paranaense: descrição e memória de um periódico do interior. In: VI Congresso Nacional de História da Mídia. GT Mídia Alternativa. Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói/RJ: 13 a 16 Maio de 2008. Anais.

PORTAL COMUNITÁRIO. O bairro, o golpe e a memória de uma ditadura em Ponta Grossa. Blog Portal Comunitário. 28 jul. 2014,. Disponível em: https://memoria.apps.uepg.br/portalcomunitario/index.php/neves/3784-o-bairro-o-golpe-e-a-memoria-de-uma-ditadura-em-ponta-grossa.html. Acesso em: 10 ago. 2023.

DEMENECK, B.-H., & OLIVEIRA, T. A. (2011). “Major, viemos pagar o aluguel”: um núcleo habitacional como caso de homenagem e auto-homenagem do regime militar a partir de diários de 1967 e de 2010 -a opinião pública de 25 anos de democracia. VIII Encontro Nacional de História da Mídia. Guarapuava-PR: Unicentro.

 

Autor: Gustavo de Jesus Silva

Acadêmico do 2° ano de Licenciatura em História, UEPG.

Ano: 2023

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