O bairro de Uvaranas e suas características de pertencimento da população

O bairro de Uvaranas e suas características de pertencimento da população

Situado na cidade de Ponta Grossa, Uvaranas é detentor do título de maior bairro da cidade, compreendendo a região leste e possuindo subdivisões em várias vilas menores. O seguinte trabalho busca apresentar e analisar a noção de pertencimento e identidade no bairro a partir das duas vertentes definidas por Pierre Mayol em “O Bairro”, sendo elas: a sociologia urbana e a sócio-etnografia.

A primeira delas diz respeito à questão quantitativa e demográfica, representando a análise de espaços urbanos, delimitações e fluxos de pessoas através de uma vertente mais focada no material. Já a sócio-etnografia tem um foco maior nas relações de cultura e interação social com o ambiente definido, sendo isso, o que traz a vivacidade e pertencimento ao local, pois, por meio da relação entre essas duas categorias, gera-se formas de interação e relação da população com o espaço público.

Através da interação desses dois meios de análise, tal qual a relação do público e privado do bairro, forma-se a identificação e pertencimento da população por aquela determinada região, onde cada sujeito atua através de conveniência no agir para formar em sua pequena parte, a forma que esse bairro se apresenta e age como um todo. Nas palavras de Mayol:

“O público e o privado não são remetidos um de costas para o outro, como dois elementos exógenos, embora coexistentes; são muito mais, são sempre interdependentes um do outro, porque, no bairro, um não tem nenhuma significação sem o outro.” (MAYOL, 1996)

A partir da década de 1870, a região foi habitada por russos-alemães chamados de Volga, e era conhecida como a “Estrada de Uvaranas”, pois o desenvolvimento urbano local cresceu a partir de uma única via que ligava a estrada de contorno da cidade, com a região central, e  hoje permanece atuando como uma ligação arterial com o centro da cidade, tendo a linha do trem que ainda é utilizada como uma espécie de limite.

Assim como todo o município de Ponta Grossa, Uvaranas carrega a mesma característica urbana de esconder seus espaços periféricos em áreas mais baixas, enquanto privilegia regiões altas. Esse aspecto é salientado justamente pela antiga Estrada de Uvaranas – atual Carlos Cavalcanti – ser situada em uma região alta da cidade, concentrando todo o fluxo urbano em si mesma e consequentemente, tornando invisível seus arredores.

Isso demonstra que aquilo que trás uma integração do bairro como uma coisa só, é justamente a característica de toda a faixa urbana atuar como uma periferia de uma única rua, esta tendo todo o desenvolvimento urbano, como mercados, lojas, padarias, terminal de ônibus, área militar, e também a Universidade Estadual de Ponta Grossa. Sendo assim, ao falar de uma identidade bairrista, ou apropriação do bairro pelo povo, é possível relacionar todo o bairro a essa única rua e sua região de entorno. 

Voltemos agora para a questão de demarcação externa da região. Até que ponto é considerado Uvaranas, e quando deixa de ser? Para responder isso, é preciso falar do contorno da cidade, que teoricamente serviria como uma estrada de desvio do grande centro urbano, entretanto, foi através dessa estrada que diversas vilas tiveram origem, somando-se a ferrovia que acompanha essa rua. Em outras palavras, o bairro tem sua delimitação através do contorno da cidade, iniciando com ele e encerrando-se ao atingir contato com outro bairro da cidade que cresceu em sentido de colisão.

Entretanto, devido a uma explosão demográfica da cidade na última década, alguns desses preceitos começaram a ser postos em jogo, enquanto a Carlos Cavalcanti permanece intacta em sua unificação e ligação arterial, a estrada do contorno perdeu força como delimitadora, pois devido a falta de espaço e pouca verticalização no bairro, diversas novas vilas começaram a surgir para além da ferrovia.

Essas famílias, podem não ter um grande vínculo ou afetividade ao bairro justamente pelo caráter efêmero de suas vidas ligado à pobreza e a chegada recente, mas devido a isso, tendem, como explicitado por Agier, estender sua ligação familiar ao meio externo, significando suas práticas sociais ao meio urbano e moldando a identidade do bairro em um troca mútua de contatos.

A tendência a não verticalização está ligada especialmente a uma especulação imobiliária do centro da cidade, esse sim extremamente verticalizado e valorizado economicamente, porém, para sua realização, necessita que áreas periféricas sejam criadas, com baixíssima infraestrutura para que o grande centro urbano seja cada vez mais elitizado e com preços exorbitantes. Essa tendência obriga a classe pobre a morar em locais cada vez mais distantes e com áreas de lazer inexistentes.

Indo para a relação sócio-etnográfica da região, se torna nítido que ela está ligada também às regiões próximas da Carlos Cavalcanti, pois é o local com maior circulação de pessoas e confluência de costumes, hábitos e vivências. Como maior delimitador de contato de grande parte do bairro, há o Campus da Universidade Estadual de Ponta Grossa, pois atua como um ponto de contato entre diferentes pessoas de diferentes regiões do bairro e também da cidade, unificando tanto os estudantes e funcionários do local, quanto também pessoas que utilizam do espaço para lazer e recreação, além de formar em seu entorno, edificações destinadas a morada de estudantes.

O terminal de ônibus também atua como espaço de contato social, pois através dele, toda uma rede de diferentes vilas é conectada, juntando diferentes sujeitos de diferentes lugares e com diferentes formas de conveniência ao cotidiano, em um só ponto, ressaltando a questão da familiarização com espaços mais ligados ao popular e não às classes altas.

Vale ressaltar que a unificação do bairro por um local específico não significa que não haja espaços de convivência e integração em cada uma das vilas menores, mas sim, que são espaços ligados a regiões menores que o bairro de uvaranas em sua totalidade, mas que representam delimitações e fixidez desses locais. Esses espaços são ainda mais carregados do caráter familiar justamente por serem mais periféricos, e consequentemente, dotados de sentidos, identidades, e familiarização de diferentes sujeitos.

Há também a questão memorialística presente na região, pois através de lembranças e vivências anteriores nos espaços, a sensação de pertencimento na vila e consequentemente no bairro em geral é criada, não importa se você alterou de vila durante sua vida, mas a permanência no mesmo bairro já manteria minimamente o sentimento de estar no mesmo local.

Com isso, conclui-se que o bairro de Uvaranas carrega consigo uma identidade e sensação de pertencimento social muito atrelada ao seu local de origem, a avenida Carlos Cavalcanti, pois foi através dela que toda a região se urbanizou, e permanece ligada como ponto central, mesmo com espaços de convivências em menor escala, esse local atua como não só uma unificação do bairro mas também a porta de contato com o grande centro da cidade, sendo ele, o mais espaço de convívio social através de locais como a Universidade Estadual de Ponta Grossa e o Terminal de Ônibus estarem localizados lá.

Referências:

MAYOL, Pierre. O bairro. In: CERTEAU, Michel de; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. A invenção do cotidiano: 2. Morar, cozinhar. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 31-76.

SOUSA, Waldece Wagner A. Uvaranas, bairro de Ponta Grossa. In: DICIONÁRIO HISTÓRICO DOS CAMPOS GERAIS. Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, 14 nov. 2018. Disponível em: https://www2.uepg.br/dicion/uvaranas-bairro-de-ponta-grossa/. Acesso em: 17 abr. 2025.

AGIER, Michel. O que torna a cidade familiar. In: AGIER, Michel. Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. Tradução de Graça Índias Cordeiro. São Paulo: Terceiro Nome, 2011. p. 103–116.

Autor: João Victor Maciel de Souza

Acadêmico do 3º ano do curso de Licenciatura em História da UEPG

Ano: 2025

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