Porcadeiros: tropeirismo de porcos

Porcadeiros: tropeirismo de porcos

O Paraná dos dias de hoje tem grande parte de sua economia fundamentada no setor agroindustrial. Na contabilidade do Produto Interno Bruto (PIB) estadual gerada pela agricultura e pecuária está a produção em larga escala de suínos que visa tanto abastecer o mercado interno, como também às exportações. Esta prática tem seu passado construído em um sistema de trabalho tradicional e familiar que foi muito comum na região dos Campos Gerais.

A suinocultura desenvolveu-se no Paraná no início do século XX  com o sistema de safra. Nesse sistema, um safrista, normalmente um homem com algumas posses, percorria o interior do Estado comprando porcos magros que eram criados soltos pelos pequenos agricultores da época. Estes alimentavam os animais principalmente com pinhões, frutas e ervas nativas. Depois de comprada certa quantidade de porcos – não raramente acima das quinhentas cabeças –,  o safrista reunia os animais em sua propriedade, soltando-os em roças de milho para que engordassem (BACH, 2009).

Uma vez gordos, os porcos eram então tocados a pé por uma equipe de contratados do safrista. Quem chefiava a comitiva era o condutor (responsável pela viagem). À frente ia uma carroça com os materiais de apoio (ferramentas, roupas, lonas, comidas, armas); logo atrás o chamador (com uma sacola de milho, chamando os porcos); em seguida os tocadores (que iam junto com os porcos, cuidando para que a manada não dispersasse); e a equipe contava com o cozinheiro (responsável pelo preparo das refeições do grupo) (BACH, 2009, p. 36). Os animais eram conduzidos na forma de tropeadas até as fábricas de banha, muitas vezes localizadas em outros municípios, que até mesmo distavam 100 ou 150 km de distância . Esse sistema deu origem ao chamado tropeirismo de porcos. Manadas de até mil animais eram conduzidas até as cidades onde se localizavam essas fábricas, como Guarapuava, Jaguariaíva, União da Vitória e, também, Ponta Grossa (FRAGA; CAVATORTA; GONÇALVES, 2017, p. 77).

O depoimento de Slauko Geluchak é ilustrativo. Natural Ivaí (PR), nascido em 1943, filho dos ucranianos Ana e Gregório Geluchak, Seu Slauko, transferiu- se para Pitanga (PR) junto de seus pais, atraídos pela propaganda de ficarem ricos criando e vendendo porcos. Filho de safrista, Slauko cresceu convivendo e trabalhando com essa atividade. Aos 65 anos, detalhou aspectos do seu trabalho ao pesquisador Arnoldo Monteiro Bach:

O segredo era ter boas criadeiras para, durante o período de entressafra, garantir um bom plantel de leitões. Quando chegava a época da safra de milho eles já estavam adultos e prontos para a engorda. Porco que a gente criava e engordava o lucro era maior. Eu sempre ia a Ponta Grossa com meu pai levar os porcos. Lá, ele vendia para o Mariano Shaffka, que tinha mangueira em Periquitos. Em Ponta Grossa, a gente se hospedava no Hotel Puretz, perto do cemitério, onde ficavam também outros safristas (BACH 2009. p. 103).

De fato, a cidade de Ponta Grossa foi uma grande compradora de porcos em virtude de sua localização. Vale destacar que desde as primeiras décadas do século XX ela se tornou um dos maiores entroncamentos ferroviários do Sul brasileiro, o que facilitava o escoamento da produção de banha e demais embutidos para outras regiões. Outras cidades também se destacaram nesta atividade, como Curitiba, União da Vitória e Jaguariaíva, onde foi fundado o frigorífico dos italianos Matarazzo, um dos maiores da época –, entre outras (BACH, 2009, p. 56 ).

Quanto mais gordo o porco, maior era o seu preço, que estava relacionado justamente à quantidade de gordura do animal: a banha. A banha foi um produto de grande valor por muito tempo, especialmente porque não havia comércio de óleo vegetal, que passou a ser frequente a partir do final da década de 1950. A banha era muito utilizada na cozinha, mas seu uso ainda abrangia outras situações, como uso em lampiões, na fabricação de sabão e demais produtos de limpeza e, também, para a conservação de carnes em lata, uma vez que muitas residências não possuíam eletricidade e/ou refrigeradores (DA SILVA, 2006, p. 75).

O tropeirismo de porcos gerou um mercado fecundo. Por meio de atividades decorrentes dele surgiram diversos bairros, distritos e pequenas cidades no interior paranaense. Fato  a destacar é que nessa economia engajaram-se  pessoas pobres, muitas vezes negros, mestiços e imigrantes (e seus filhos): os porcadeiros utilizavam do sistema de safra como uma importante forma complementar de renda familiar.

O fim do tropeirismo de porcos no Paraná deveu-se a vários fatores. Sobretudo esteve relacionado à gradativa implantação de estradas interligando municípios e a novas tecnologias de transporte animal, por meio de caminhões. Mas questões ambientais também contribuíram para sua derrocada: o desenvolvimento capitalista no campo, com serrarias e madeireiras (entre outros exemplos) acabou impactando na destruição da vegetação nativa a qual os porcos se alimentavam. Ademais, os novos estágios da industrialização no estado, especialmente ao longo da década de 1960, demandaram novas estratégias na atividade (DA SILVA, 2006, p.101). Com o aprimoramento genético e a criação de porcos em pocilgas, um o novo sistema de produção de carne de porco e de banha foi se desenvolvendo na região dos Campos Gerais.

REFERÊNCIAS

BACH, Arnoldo Monteiro. Porcadeiros. Ponta Grossa: Do autor, 2009.

DA SILVA, Sueli Maria. O Tropeirismo de porcos: processos mercantis e dinâmicas socioculturais na região nordeste do Rio Grande do Sul nas primeiras décadas do século XX. Passo Fundo: UPF, 2006.

FRAGA, Nilson César; CAVATORTA, Mateus Galvão; GONÇALVES, Cleverson. Tropeirismo de porcos: a importância dos porcadeiros e da suinocultura na formação socioespacial de Pitanga (PR). Tamoios, São Gonçalo:  n. 1, p. 72-84, 2017.

Autor : Renan Lima Emiliano – acadêmico  4º ano de Licenciatura em História, UEPG

Ano :  2021

 

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