Reescravização de libertos em Ponta Grossa: o caso de Francisca Placidina, 1854-1855

Reescravização de libertos em Ponta Grossa: o caso de Francisca Placidina, 1854-1855

Historiadores da escravidão e da liberdade no Brasil já apontaram que tentativas de reescravizacão de libertos, por parte de herdeiros de parentes falecidos, não foram incomuns no país (CHALHOUB, 1990; GRINBERG, 2002; LARA; MENDONÇA, 2006). Em Ponta Grossa, região com grande quantidade de cativos na Província do Paraná em meados do século XIX, também há registros de tal prática. O caso exemplificado a seguir, de Francisca Placidina, é ilustrativo dessa artimanha jurídica, na grande maioria das vezes levada a cabo de forma espúria pelos meandros da justiça.

A liberdade no horizonte da vida da escrava Francisca foi acordada em 08 de fevereiro de 1845, ainda ao tempo da Quinta Comarca. Rita Florinda de Jesus deixou-a liberta com a condição de que Francisca a cuidasse até o dia em que viesse a falecer. A senhora, em documento lavrado na vila de Castro, fez questão de registrar que possuía mais escravos e que seus possíveis herdeiros não seriam prejudicados em futura partilha. Além disso, declarou em juízo que se por ventura Francisca tivesse algum “crioulo da data deste documento em diante também ficava liberto por ser a dita escrava já liberta”.

Entretanto, em 1854 um ofício endereçado ao Chefe de Polícia Antonio Manoel Fernandes Junior pelo Presidente da Província Zacarias de Góes e Vasconcelos pedia explicações e providências sobre a reescravização de Francisca Placidina, bem como a de seus quatro filhos. No documento, Zacarias rogava que lhe fossem esclarecidos fatos relativos à postura dos herdeiros de Rita Florinda de Jesus. Estes haviam tomado Francisca Placidina como um bem a ser por eles partilhado, assim como os filhos que dela nasceram ao tempo em que já era juridicamente forra: Felisberto, nascido em setembro de 1845; Maria, nascida em 1848; Margarida, nascida em 1850; e Fidencio, nascido em 1851. Com exceção de Margarida, batizada na Igreja Matriz da freguesia de Palmeira, os demais foram batizados na Igreja Matriz de Sant’Ana da freguesia de Ponta Grossa. Em 1854, com seis anos de idade, Maria já estava separada da mãe e dos irmãos. Encontrava-se em “injusto cativeiro” na vila de Guarapuava sob o poder de Lucio Cordeiro.

Tudo o que se sabe deste caso provém de informações extraídas do jornal O Dezenove de Dezembro. Pelos documentos mencionados em textos do impresso deduz-se que Francisca Placidina havia nascido em 1816, pois no inventário post-mortem de Rita (provavelmente aberto em 1854) ela foi citada como “crioula” de “38 anos”.

Pelas páginas do jornal não é possível alcançar os termos exatos em que se deu o desfecho da querela referente à reescravização de Francisca. No entanto, questões pertinentes à problematização da escravidão e da liberdade para o período imperial, nos Campos Gerais, são passíveis de registro: a região não esteve imune às lutas na justiça para que o estatuto dos sujeitos alforriados fosse assegurado ao abrigo da lei; na querela em tela, tudo indica que a forra Francisca teve dificuldades iniciais com a burocracia da Comarca de Castro. Foi somente quando Antonio Rufino Nunes assumiu a posição de Juiz Municipal de Órfãos em Castro para o quadriênio 1854-1858 que, a rogo de Francisca Placidina, foi redigida uma carta endereçada ao Presidente da Província pedindo providências legais sobre o caso. Ao que parece, demais autoridades daquela Comarca faziam vistas grossas ao acontecido.

Francisca Placidina alcançou vitória na contenda jurídica da não reescravização sua e de seus filhos. Pequeno fragmento de notícia de O Dezenove de Dezembro, em data de 28 de março de 1855, explicita o êxito. No registro da imprensa consta que a “escrava alforriada Francisca Placidina” pedia providências ao Chefe de Polícia da Província sobre a “partilha dos bens de sua patroa Rita […] que faleceu e deixou a escrava como herdeira de seus bens”. No desenrolar da batalha legal para a preservação da liberdade sua e a de seus rebentos é provável que Francisca Placidina tenha tomado conhecimento de que era também uma das beneficiárias do patrimônio legado pela sua ex-senhora.

FONTES

O Dezenove de Dezembro, 1854 e 1855.

REFERÊNCIAS

CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte, São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

GRINBERG, Keila. O Fiador dos brasileiros: cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

LARA, Silvia Hunold; MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. (orgs.). Direitos e justiças no Brasil: ensaios de história social. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006.

Autor: José Augusto Leandro

Professor Associado do Departamento de História UEPG

Ano: 2019

Revisão: 2020

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