Salaam Aleikum: que a paz de Allah esteja contigo

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Ramadã abre espaço para diálogo sobre Islamismo em Ponta Grossa

“Por certo, somos de Allah e, por certo, a Ele retornaremos”, este é um trecho da surata (capítulo) Al-Baqarah, do Alcorão, livro sagrado para os muçulmanos. Fundado pelo profeta Maomé, o Islamismo surge no início do século VII e hoje é considerado a segunda maior religião do mundo. Com cerca de dois bilhões de praticantes, compreende aproximadamente de 24% da população mundial, de acordo com censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). 

Segundo o cientista da religião Átilla Kuş, pesquisadores brasileiros afirmam que o número de muçulmanos tende a sobrepor as demais religiões. “As projeções de centros acadêmicos são de que até 2050 será a maior religião mundial em números demográficos”. Além disso, Kuş revela que os estudiosos acreditam que a média de seguidores do Islã no Brasil seja superior ao valor estimado pelo IBGE, que é de 35 mil adeptos. “São entre 150 mil a 200 mil muçulmanos”. 

Em Ponta Grossa, quem passa pelos arredores da Rua do Rosário certamente já escutou o som do chamado para oração. A Mesquita Imam Ali, construída em 1997, é a única casa de práticas muçulmanas dos Campos Gerais e reúne cerca de 50 famílias. 

Em busca da sabedoria e da paz interior, muçulmanos encontram beleza na submissão a Allah e a força na comunidade islâmica. Foto: Vitória Testa.

Conversão 

Há seis anos, a ponta-grossense Márcia Massuma se converteu ao islamismo motivada pelo interesse despertado ao pesquisar a respeito da religião na internet. Anteriormente, Massuma seguia o catolicismo, mas ao conhecer os preceitos do Islã, aprofundou-se nas práticas muçulmanas a partir do incentivo do sheik (líder religioso) vigente na época. Hoje em dia, Márcia participa da comunidade da Mesquita Imam Ali, onde foi acolhida e instruída sobre os ideais da religião. 

Por se tratar de uma religião de raízes do Oriente Médio, Massuma revela que possui dificuldades quanto ao idioma falado durante as orações e celebrações. “Eu não falo árabe, mas por meio das orações que escuto em vídeos no YouTube estou aprendendo a língua aos poucos”, conclui. 

Além da conversão, os estudos a respeito da religião são importantes. Para se tornar sheik, Mahmoud Shamsi, precisou estudar sobre as leis islâmicas por pelo menos dez anos. Mahmoud estudou no Irã, país de origem, e este ano retornou a Ponta Grossa pela segunda vez para liderar a Mesquita Imam Ali. Os sheiks costumam ficar na cidade por um período de até três anos, após isso retornam para seu país e são substituídos. O papel dos líderes religiosos é orientar a comunidade muçulmana a respeito das leis islâmicas, como os direitos matrimoniais e direitos da mulher na religião. 

O Chamado de Oração da Mesquita Imam Ali

Intolerância religiosa e Islamofobia 

Segundo estudos do Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos (Gracias), da Universidade de São Paulo (USP), o 11 de Setembro (data do atentado às Torres Gêmeas em Nova Iorque) contribuiu fortemente para a construção de um estereótipo dos muçulmanos como “inimigos do Ocidente”. Os pesquisadores da USP realizaram o primeiro relatório acerca da islamofobia (intolerância e discriminação contra pessoas islâmicas) no Brasil para compreender a realidade do país. Com mais de 650 participantes, uma das maiores dificuldades encontradas é a resistência da sociedade em reconhecer a islamofobia como forma de preconceito e intolerância. 

De acordo com o Grupo Gracias, a presença da islamofobia é comum em frases e comentários que reforçam estereótipos preconceituosos. “Tem gente que fala que muçulmanos são terroristas”, relata Sarah Zabad, frequentadora da Mesquita Imam Ali. Para o muçulmano Mohamad Zabad, a imagem preconceituosa do Islã as‐ sociada a violência é decorrente de “uma construção americana para queimar o filme da religião, porque o Alcorão não fala para ir no meio do povo explodir e matar todo mundo, ele fala sobre ter boa conduta e respeito ao próximo”, explica. 

Outra dificuldade enfrentada pelos muçulmanos revertidos à religião, segundo o grupo de pesquisa, é a aceitação familiar, sendo ainda mais difícil para as mulheres: “Quando resolvi me converter ao Islã, sofri muito preconceito da minha família por não entenderem sobre a religião”, conta Márcia Massuma. A muçulmana relata que, ao despertar o desejo de conversão, não teve muito apoio da família por conta do desconheci‐ mento deles acerca da religião. “Eles não entendiam o que era, mas eu expliquei que era uma religião como outra qualquer, que seguia o bem e pregava o amor ao próximo”, revela.

Muçulmanas em oração na Mesquita Imam Ali. Foto: Vitória Testa.

De acordo com Imad Safaoui, libanês frequentador da Mesquita, a criação das crianças dentro dos costumes islâmicos é uma dificuldade no Brasil por conta do intercâmbio cultural. “As famílias se preocupam muito com as crianças, para não crescerem com a cultura brasileira [cristã] que é totalmente diferente da cultura árabe”, expõe o fiel. 

Nativo da Turquia, o cientista da religião Átilla Kuş, veio para o Brasil motivado a estudar. Ao chegar no país, conta que buscou se especializar em teologia, mas percebeu que este estudo estava distante de seus objetivos, sendo majoritariamente voltado para formação de padres. “A islamofobia e intolerância religiosa são crescentes porque não há uma abordagem esclarecedora nas faculdades de religião”, ressalta. 

Kuş revela que, apesar da religião muçulmana ter crescido mundialmente, ainda existem muitos estereótipos reforçados pela mídia acerca da religião. Em especial quando se tratam de conflitos armados no Oriente Médio. “As pessoas que veem [os conflitos] acham que todo muçulmano é assim [violento]”, lamenta. 

Além disso, Átilla reforça que “apesar do Brasil ser um dos países mais acolhedores em relação ao islamismo existe uma prática crescente de islamofobia”. Desde 2018, a intolerância religiosa contra o Islã aumentou por conta do discurso religioso conservador reforçado por membros governamentais do período. Em especial, cresceu a reprodução de discursos islamofóbicos por parte de líderes religiosos. 

Ramadã 

A religião é baseada nos cinco pilares do Islã: declaração de fé, orações diárias, caridade, jejum durante o mês sagrado do Ramadã e peregrinação a Meca. O jejum é a prática de abster se, geralmente de comida, bebida e atividade sexual. Durante o mês sagrado do Ramadã, o jejum é praticado entre a alvorada e o pôr do sol, reforçando a solidariedade e autocontrole, em busca da purificação do corpo e da mente. 

Em uma jornada de fé e reflexão, o ramadã incentiva não apenas a abstinência, mas também a comunhão espiritual e a generosidade. Foto: Vitória Testa.

O tempo de jejum pode variar em cada localidade do mundo, já que ele é praticado exatamente do período em que o sol nasce, até a hora exata em que se põe. Em Ponta Grossa, a prática leva em torno de 14 horas por dia. Antes de cada oração, os muçulmanos precisam estar com o corpo purificado, realizando a ablução (ritual de lavagem do corpo ou parte dele). 

O Ramadã, nono mês do calendário lunar islâmico, é um período de grande significado para os muçulmanos, pois se baseia na revelação do Alcorão ao profeta Maomé pelo anjo Gabriel. Além do jejum, neste período, os muçulmanos dedicam mais tempo à oração, leitura do livro sagrado e atos de caridade. 

Este ano, no Brasil, o Ramadã iniciou no dia dez de março e se estendeu até o dia dez de abril. A celebração que marca o fim do jejum do Ramadã é o Eid al-Fitr, traduzido como “Celebração do fim do jejum”, com orações e festas. 

 

Reportagem e Fotos: Larissa Del Pozo e Vitória Testa

Edição e publicação: Rafaela Koloda e Juliana Lacerda

Supervisão de produção: Ivan Bomfim e Gabriela Almeida


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