Religiões apoiam fé e espiritualidade dos detentos

Religiões apoiam fé e espiritualidade dos detentos

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Momentos de louvor são especiais para os internos nas casas de detenção

 

| Por Eder Carlos

 

O cheiro acre de banheiro muito usado, limpo com produto de qualidade inferior, invade o corredor da galeria da Penitenciária Estadual II de Ponta Grossa. Em ambos os lados, celas fechadas com portas de ferro maciço. Olhos arregalados e curiosos observam a movimentação através das pequenas portinholas, único espaço disponível para ver o que acontece fora dos cubículos. O grupo de seis pessoas, três homens e três mulheres, da ala carismática da Igreja Católica, caminha até o meio do corredor onde monta sua aparelhagem: um teclado, uma caixa de som e dois microfones. É dia de louvor em uma das unidades prisionais  de Ponta Grossa. Instrumentos conectados, começa o momento de oração, cânticos, pregação e bênçãos, que se estenderá por duas horas. Em todo o tempo, dois guardas  armados, um em cada ponta do corredor, observam o que acontece. Os cânticos começam a tomar conta do ambiente, ressoando de dentro das celas . Do lado de fora, uma das líderes do louvor ensina a fazer o sinal da cruz, a invocação à Santíssima Trindade. 

 

Em dado momento, três integrantes do grupo de louvor seguem pelo corredor com os braços levantados e mãos impostas, declarando bênçãos aos internos. Neste momento, surgem canecas nas portinholas, até quatro numa cela. Mais perto do final do louvor, dois dos dirigentes se encaminham às portas, aspergindo-as com água benta que também alcança os recipientes com água. O conteúdo será tomado pelos detentos como forma de alimentar sua fé.

 

Direito do apenado

A liberdade religiosa é garantida pela Constituição Federal e o direito à assistência espiritual às pessoas privadas de liberdade consta na Lei de Execução Penal. Assim, todas as religiões podem dar atendimento em cadeias e penitenciárias. A resolução de número 8 do artigo 240 diz que as autoridades penitenciárias devem garantir acesso aos princípios da fé professada pelos internos.

 

Em Ponta Grossa, três denominações cristãs prestam este serviço. A Igreja Católica, através da Pastoral Carcerária, vai uma vez por semana e chega a duas das três casas de detenção da cidade. A Igreja Universal faz um trabalho mais intensivo, levando a assistência espiritual aos apenados até duas vezes por semana. A Igreja Batista tem um trabalho semelhante, mas voltado às mulheres recolhidas à Cadeia Pública Hildebrando de Souza. O atendimento ainda inclui levar roupas íntimas duas vezes ao ano, no Dia das Mães e no Natal.

 

O chefe regional do Escritório Social da Polícia Penal, Jean Fogaça, afirma que qualquer religião pode prestar o atendimento espiritual nas cadeias. Na Penitenciária Estadual II de Ponta Grossa atualmente, segundo um funcionário, 80% dos internos se dizem evangélicos, enquanto os outros 20% dizem professar a fé católica. Por outro lado, Fogaça conta que na Cadeia Hildebrando de Souza há internos que professam religiões de matriz africana, e não recebem atendimento. Segundo ele, a ausência de celebrações se deve à falta de representantes da religião disponíveis para ir ao local para acompanhar a profissão de fé dos detentos. Ainda assim, garante que a liberdade religiosa é respeitada e que, caso surjam interessados, o espaço será aberto para a realização do culto.

 

Fogaça destaca ainda que a adesão a uma religião é a forma que muitos detentos usam para deixar a vida de crimes, em especial aqueles ligados à alguma facção, como o Comando Vermelho ou Primeiro Comando da Capital. Os comandantes destas facções permite que o condenado deixe a criminalidade, desde que permaneça ligado a uma religião.

 

Recados pelo rádio

A Igreja Universal, além do trabalho dentro das prisões, também auxilia presos e familiares fora dos portões. Há um trabalho de atendimento espiritual às famílias dos apenados, pela programação radiofônica, que permite um certo contato entre todos.

 

Enquanto aguarda ser chamada para o parlatório – local onde os detentos podem ter contato com familiares – Jennifer de Paula (nome fictício escolhido para preservar a identidade da entrevistada) conta um pouco de sua vida. Ela diz que seu marido está prestes a deixar a penitenciária, enquanto o filho aguarda o julgamento na Cadeia Hildebrando de Souza. O marido cumpre pena por tráfico de drogas e o filho, por envolvimento em um assassinato. Para ela, a principal diferença entre as unidades prisionais é que na Cadeia Pública é permitido que os presos tenham rádios. Com isso, podem aproveitar o serviço prestado pela Igreja Universal através da Rede Aleluia de Rádio. Todos os dias, em determinado horário, esta rede de emissoras recebe recados gravados de até nove segundos e, no dia seguinte, os transmite em sua programação a partir das nove horas da noite. 

 

Jenifer lamenta que os recados não aconteçam também nas penitenciárias, pois nelas não há possibilidade de os internos terem aparelhos eletrônicos e, assim, o serviço prestado pela Igreja Universal não chega a eles. Dessa forma, destaca-se como a religião é uma aliada no ambiente carcerário, como forma de mudança de vida, conexão com um propósito ou de fortalecimento individual.  

Reportagem: Eder Carlos

 

Imagem: Eder Carlos

 

Edição e Publicação: Joyce Clara, Lucas Veloso, Ana Beatriz, Eduarda Macedo.

Supervisão de produção: Manoel Moabis e Aline Rios


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