Falta de especialistas prolonga tempo de espera no SUS
A espera de meses, às vezes até anos, por uma consulta ou cirurgia é um dos sintomas de uma crise silenciosa na área da saúde: a escassez de médicos especialistas.
O Ministério da Saúde prevê que o total de médicos no Brasil chegue a 635.706 até o final de 2025, o que representa 2,98 profissionais para cada mil habitantes. Ainda assim, cerca de 8% das cirurgias são canceladas por falta de equipe médica. Fatores como desigualdade no acesso aos serviços de saúde e o gargalo estrutural na formação médica ajudam a explicar por que, na prática, ainda faltam especialistas onde mais se precisa deles.
Segundo Mário Montemor, presidente da Associação Médica de Ponta Grossa, o problema é estrutural e reflete a falta de residências médicas e de qualidade no atendimento. “Precisamos de mais hospitais e vagas de especialização, não de mais faculdades de medicina”, afirma.
Desigualdade na distribuição de médicos
Apesar da taxa de crescimento no número de médicos superar a da população brasileira, a desigualdade na distribuição desses profissionais entre as regiões permanece evidente. De acordo com a Demografia Médica 2025, a Região Sul ocupa o terceiro lugar em número absoluto de médicos: são 103.028 profissionais para uma população de 31.113.021 habitantes, o que corresponde a uma razão de 3,31 médicos por mil habitantes. No Paraná, especificamente, a razão é semelhante, corresponde a 3,26 médicos por mil habitantes.
O doutor Francisco Barros Neto explica que essa desigualdade decorre de financiamento mal aplicado. “Quando eu terminei a residência em cirurgia, fui trabalhar em uma cidadezinha que tinha 6 mil habitantes, fiquei lá por seis meses e tive que implorar para a prefeita comprar um aparelho de eletrocardiograma para poder avaliar os pacientes para fazer cirurgia”, conta. O profissional complementa que é difícil atuar em cidades menores pois não existe uma estrutura mínima. “Eu queria um aparelho de eletrocardiograma, não uma tomografia, era uma coisa básica”.
O gargalo mais preocupante
Essas disparidades tornam-se ainda mais graves quando se observa apenas o número de médicos especialistas. No Paraná, esses totalizam 32.412 (razão de 2,83 por mil habitantes). Porém, há enormes diferenças entre as próprias especialidades. Enquanto o estado conta com 10.313 clínicos gerais, a categoria mais numerosa, áreas como genética médica (12 profissionais), medicina sanitária (2), hiperbarista e legista (apenas 1 profissional em cada área) revelam o tamanho do déficit em campos estratégicos.
O resultado mais evidente dessa escassez aparece na demora para que pacientes consigam realizar consultas, exames ou cirurgias. É o caso de Emilly Alves, de 20 anos, que há um ano e meio vive essa espera. A estudante conta que, após sofrer um sangramento nas mamas, buscou atendimento em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e foi encaminhada para um ginecologista. “Eu estava muito nervosa, pensando que poderia ser um câncer ou algo assim. A médica me deu o encaminhamento, mas demoraram três meses para marcar a consulta”, relata.
Durante esse período, Emilly enfrentou dores e ansiedade. “Um sangramento nos seios não é comum, então o medo só aumentava a cada semana”, diz. Diante da demora, ela decidiu pagar uma consulta particular, além dos exames e remédios.
Como o sangramento não cessou, para continuar o acompanhamento precisaria de novos exames e consultas. “Por questões financeiras, voltei para o SUS. Estou há dois meses na lista de espera para uma nova consulta, sem previsão de data.”
Montemor relembra que a falta de especialistas está diretamente ligada à carência de vagas em residência médica. “É necessário entender nossa dificuldade. São abertos um monte de vagas para o curso de medicina, mas não há vagas em hospital”. Para ele, atualmente, é necessário uma mudança radical na política federal, no MEC e na formação.
De acordo com o relatório de Demografia Médica 2025, em 2024 o Brasil contava com 244.141 médicos generalistas, ou seja, sem título de especialista. Já em 2023, dos 32.611 graduados em medicina, havia apenas 16.189 vagas de acesso direto à Residência Médica, número insuficiente para absorver todos os formandos.
Reportagem: Karen Stinsky
Edição e Publicação: Gabriel Aparecido e Joyce Clara
Supervisão de produção: Manoel Moabis e Aline Rios
