Mais de 30% da população sofre com algum grau de burnout

Mais de 30% da população sofre com algum grau de burnout

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Falta de ar. Dor no peito. Tremores. Confusão mental. Esse é o cenário comum descrito por trabalhadores diariamente em Unidades Básicas de Saúde (UBS). O senso comum e a preocupação sempre apontam para infarto.
Na realidade? Tais sintomas são causados por crises de pânico, ansiedade, burnout e depressão. É esse o relato da formanda em Enfermagem, Gabrielly da Silva. A estudante realizou estágios em Unidades Básicas de Saúde e no Hospital Universitário (HU), e afirma que a negligência da saúde mental em prol do trabalho acarreta diferentes problemas que podem afetar a integridade física da população.
Por conta da jornada de trabalho muitas pessoas acabam por não conseguirem realizar visitas ao médico ou exames “Com medo de serem demitidos, não se vacinam, não fazem exames ou terapia. É ainda pior se tratando de saúde mental, muitos acham frescura, e quando chegam, já estão em estágios  preocupantes”, reitera a formanda. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), desde 2016, aponta que aproximadamente dois milhões de pessoas morrem por causas relacionadas ao trabalho.
Em relação a saúde mental, “os sintomas mais comuns são a insônia, a falta de apetite ou o excesso de apetite, a agitação, falta de ar, dor de cabeça, suor frio e são facilmente confundidos com sintomas de infarto”,  explica a formanda. No aspecto físico, Lesão por Esforço Repetitivo (LER), hérnia de disco, lesões musculares e dor na coluna são ocorrências diárias.
Sinais de risco
Luis Alberto Bastos, que atuou como médico do trabalho em uma concessionária de rodovias, comenta sobre os primeiros sinais de esgotamento “Normalmente é o isolamento, né? Então o isolamento, faltas seguidas do trabalho, isso aí sem dúvida nenhuma é uma das coisas”, afirma Bastos. Nacionalmente, mais de 30% dos trabalhadores sofrem com a síndrome de burnout, aponta a Associação Nacional da Medicina do Trabalho (ANAMT).
O Ministério da Saúde (MS) define o burnout como “um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade”. De acordo com Gabrielly, a população em geral carece do letramento necessário para reconhecer que a carga de trabalho excessiva pode causar problemas de saúde.“A maioria chega com queixas isoladas que podem ser muitas coisas. No meio da conversa, soltam que estão passando por uma fase difícil no trabalho, ou foram demitidos, ou com muito estresse, enfrentando dificuldades, preocupações etc”, discorre Gabrielly. Segundo a formanda de Enfermagem, a crença popular é de que tais circunstâncias não são o bastante para justificar o sofrimento psíquico e físico.
O pior cenário e sua causa
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) aponta um aumento anual de 3,7% na taxa de suicídios, e 21% nos casos de autolesão não-suicida, entre 2011 e 2021. Uma cartilha de epidemiologia do trabalho produzida pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e publicada pelo MS, traz que o trabalho, por si só, não é o maior fator de adoecimento, e sim a falta de higiene ocupacional e criação de políticas públicas que protejam o trabalhador.
A formanda em Psicologia e estagiária no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Angelina Degraf defende: “Não tem como a gente falar em saúde mental, se você não tem um mínimo de dignidade, você não tem o mínimo para você viver bem. Então, se você não tem horas livres para você ter horas com a sua família, para você fazer o que gosta, não tem saúde.” A formanda ainda adiciona que essa escala, sem dúvidas, contribui para uma piora no quadro de saúde mental nacional e, por consequência, o aumento no número de suicídios.
Quanto a abusos no ambiente de trabalho, Angelina diz que já presenciou casos de assédio moral em todos os lugares onde já estagiou, e que não existe uma solução simples para o problema, que é sistêmico. “O trabalhador muitas vezes não tem para onde sair. Então, para quem eu denuncio? Vou para a polícia? Será que se eu denunciar, vão me levar a sério? Será que se eu fizer uma denúncia de olha, tô trabalhando mais do que deveria, tô fazendo funções que não são minhas atribuições. É por isso que eu digo, é estrutural, já não tem vida fora do trabalho.” discorre Angelina.
Gabrielly ressalta que profissionais da área da saúde são igualmente trabalhadores e, por consequência, também estão sujeitos a abusos. A própria estudante relata que já vivenciou situações, vindas de pacientes e supervisores.
Ao notar que, para além da saúde física, paciente e acompanhante estavam com o emocional abalado, Gabrielly procurou atuar com uma abordagem mais humanizada e, por isso, foi duramente repreendida. “A mesma alegou que eu não tinha autoridade para nada e não havia a menor necessidade de fazer algo nesse sentido, era só fazer o procedimento e pronto. Me senti impotente e humilhada. Quando falei sobre, apesar de me darem razão, ouvi de outros profissionais: ‘se acostume, ainda vai ouvir muito isso na sua vida’.”, relata a formanda
A higiene ocupacional
O Ministério Público do Trabalho (MPT) aponta que, no Brasil, os afastamentos relacionados à saúde mental aumentaram em 134% de 2022 para 2024. Luis Alberto, para explicar medidas necessárias para garantir a saúde do trabalhador, fala sobre higiene ocupacional: “Sempre estar vigilando o seu local de trabalho. Então, sempre tem que ter pessoas, se conectando com os trabalhadores.” O médico ainda pontua que, atualmente, todas as empresas precisam passar pelo Programa Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), onde são feitas visitas de fiscalização para assegurar de que o ambiente de trabalho não é abusivo.

Reportagem: Victor Schinato

Foto: Victor Schinato

Edição e Publicação: Vitória Schrederhof e Joyce Clara

Supervisão de produção: Manoel Moabis e Aline Rios


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