A casa de todas as mulheres

A casa de todas as mulheres

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Em dois meses, Casa da Mulher atendeu 94 mulheres, mais de uma por dia

Carla, nome fictício, como o de todas as mulheres desta reportagem, sofreu por anos agressões de sua mãe. Os ataques começaram na infância da jovem: toda vez que a mãe se estressava com alguma coisa, por mais insignificante que fosse, descontava as frustrações na filha. Com o passar do tempo, as agressões foram aumentando. Carla não aguentava tanto sofrimento e denunciou a mãe, mas, infelizmente, não acreditaram em sua palavra. Mesmo assim, ela não perdeu as esperanças de um dia ficar longe da agressora. “Fiquei com estresse pós-traumático, e olha que fui forte. A vida toda aguentando isso e não percebia quanto minha família toda é tóxica”.

Os casos de violência física são os mais perceptíveis entre as mulheres, pois envolvem agressões e condutas que colocam em risco a sua integridade física e as lesões ficam evidentes. Esta categoria de violência não é apenas praticada pelos parceiros, mas pode ser cometida por um membro da família, como no caso de Carla. 

De acordo com a Polícia Civil do Paraná (PCPR), a violência doméstica e familiar é configurada quando ocorre qualquer ação contra a mulher que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou patrimonial. Com isso, há cinco formas  de violência, decorrentes dessas ações: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Com Marta aconteceu violência psicológica. Ela estava em um relacionamento há três anos. No início, seu companheiro era amável e carinhoso. Após um ano, começaram as agressões, e como consequência a diminuição de sua autoestima através de chantagens e manipulações. O parceiro dizia que se ela não ficasse com ele, não namoraria com mais ninguém. O agressor alegava que, por estar acima do peso, nenhum homem se interessaria por Marta. A situação fez com que ela deixasse de se amar e não acreditasse que outra pessoa poderia amá-la do jeito que é.

Além da violência física e psicológica, como aconteceu com Carla e Marta, existe a violência patrimonial. Ela se configura como qualquer conduta que subtraia parcial ou totalmente os objetos da mulher, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, entre outros pertences. Esta situação aconteceu com Francine. Ela estava casada há cinco anos, mas com o passar do tempo, o casamento não era mais como no início. O companheiro gentil, carinhoso e educado deu lugar a um homem ocupado e mentiroso. 

Francine percebeu que ele não era mais o mesmo. Certo dia, precisou assinar alguns documentos. O que ela não sabia era que, no meio daqueles papéis, seu marido tinha colocado um documento no qual ela solicitava um empréstimo. Ao confrontá-lo sobre a situação, ele disse que devolveria o dinheiro, mas isso não aconteceu.

Há também casos em que a vítima passa por situações que envolvem todos os tipos de violência, como aconteceu com Lúcia, que suportou um relacionamento de dez anos de sofrimento. No início, as violências eram sutis, e junto vinha a justificativa do agressor: isso só ocorria porque ele era uma pessoa nervosa e teve uma vida sofrida na infância, fazendo com que ela se sentisse culpada. 

Lúcia tentou ajudá-lo, pois ele não aceitava o fim do relacionamento, mas as tentativas não surtiram o efeito esperado. Então começaram as agressões. Além de não deixá-la dormir, o agressor passava o dia todo ingerindo bebidas alcoólicas com o dinheiro que emprestava dela, dinheiro que prometeu devolver, mas não o fez. 

Certo dia, ela estava trabalhando e, quando chegou em casa, viu seus pertences todos destruídos por ele. Com vergonha das situações que vinha passando com seu marido, se afastou de amigos e familiares. Além disso, a violência sexual era constante. Como forma de coagir Lúcia, ameaçava sua família. 

Após dez anos sofrendo, conseguiu pedir ajuda a entidades de apoio a vítimas de violência doméstica Atualmente, possui três medidas protetivas contra o ex-companheiro e oito boletins de ocorrência. “Hoje estou tentando refazer minha vida em paz. Faço terapia, mas sei que o caminho é longo. Ainda tenho muito medo, desenvolvi transtorno de ansiedade generalizada e tenho vários traumas”.

Acolhimento em casa

Com os princípios de autonomia, humanização e livre de preconceitos, a Casa da Mulher foi inaugurada em março deste ano em Ponta Grossa. O objetivo é realizar o acolhimento e o atendimento de vítimas de violência doméstica. Pretende-se que a Casa seja o local de onde mulheres possam sair da situação de opressão, rompendo os ciclos de agressões sofridas.

A Casa oferta um serviço humanizado, principalmente com atendimento psicossocial, e realiza os direcionamentos necessários para a rede de proteção à mulher. Também faz encaminhamento jurídico das vítimas. Com a pandemia de Covid-19, os casos de violência se agravam, pois as pessoas ficaram mais tempo em casa. As mulheres começaram a conviver diariamente com os seus agressores. 

Por isso, a Casa iniciou suas atividades como uma forma de promover o rompimento da violência familiar, tornando-se um ponto de referência para que as vítimas tenham um acolhimento humanizado e qualificado – e, principalmente, não sejam julgadas.

Segundo Camila Kalisto Sanches, coordenadora da Casa da Mulher, muitas mulheres chegam ao local sem saber que foram vítimas de violência doméstica, por acreditarem que apenas a violência física configura o ataque sofrido. O funcionamento de duas maneiras, por livre demanda, ou seja, de forma espontânea, ou por encaminhamento, através da rede de proteção à mulher. 

Independente da forma, as vítimas são inicialmente atendidas pelo Centro de Referência e Atendimento à Mulher (CRAM), órgão da Fundação Municipal de Assistência Social. 

O atendimento começa com psicólogas ou assistentes sociais, que fazem a primeira escuta ativa com essa mulher. A partir da conversa, as profissionais definem os encaminhamentos na área de saúde, assistência ou educação. “Se essa mulher necessitar de atendimento psicossocial e também de grupos de conversas, nós disponibilizamos na Casa rodas de conversas focadas no empoderamento dessa mulher”, destaca a coordenadora.

Após o atendimento inicial, a mulher pode escolher fazer um boletim de ocorrência e solicitar a medida protetiva contra o agressor, que será realizada no Juizado de Violência Doméstica. Com o deferimento, o juiz pode solicitar o acompanhamento da Patrulha Maria da Penha, que realiza o monitoramento e fiscalização. Para que a mulher seja monitorada pela Patrulha, ela deve desejar a supervisão e realizar um pedido oficial no processo. 

Para que o amparo seja realizado, a Casa conta com uma rede de apoio às mulheres, como o Núcleo Maria da Penha (NUMAPE), da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ordem dos Advogados e do Projeto Dona de Mim, que promove aulas de empreendedorismo às mulheres vítimas de violência para poderem ter a independência financeira e romper com os ciclos de violência.

“Temos várias parcerias com outros órgãos da rede de proteção, para que a mulher tenha o mais qualificado atendimento. Quando é um caso de violência mais grave ou que precise de intervenção, nós fazemos reuniões com a rede e com os órgãos necessários para que seja feito um plano de intervenção de forma conjunta”, conta Camila.

Como a Casa fornece os atendimentos iniciais às mulheres, e fazem o encaminhamento para outras instituições, não há necessidade de fornecer abrigo às vítimas, pois na cidade há dois locais que fazem o acolhimento. É o caso da casa de acolhimento Corina Portugal, que atende mulheres em risco de morte. Por isso, elas não podem sair do abrigo e nem usar celular, com perigo de os agressores localizá-las. As vítimas podem permanecer na casa por até seis meses. 

O outro espaço que oferece acolhimento é o Abrigo da Família, onde a mulher possui mais liberdade de ir e vir; porém, com algumas regras e exceções como, por exemplo, compromisso de dizer o horário que irá sair e voltar, podendo ficar alojada por até 90 dias.

 

Ficha Técnica

Reportagem: Larissa Godoi

Edição e Publicação: Yasmin Orlowsk

Supervisão de produção: Muriel E.P. Amaral

Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira e Carlos Alberto de Sousa


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