A música muito além do que ouvimos

A música muito além do que ouvimos

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As sensações que a música proporciona são capazes de refletir na comunicação e proporcionar melhor qualidade de vida

Quem gosta de música com certeza já provou da sensação que ela é capaz de proporcionar. Quem nunca ouviu aquela música que tanto gosta e sentiu um arrepio? Ou ainda, recordou de um momento vivido ou até mesmo lembrou de alguém? Esse é o poder da música, causar sensações como alegria ou relaxamento. Essas emoções podem ser explicadas pelo viés da neuropsicologia. 

Neuropsicologia é uma especialização da própria psicologia que associa um estudo detalhado do sistema nervoso com o comportamento humano e os processos psicológicos. Atuando na área, pela clínica Amare em Ponta Grossa, a neuropsicóloga Aline Siqueira Martins comenta a capacidade que a música tem em gerar sensações: “A música é capaz de promover bem-estar e relaxamento, contudo, é algo tão sério que pode ser negativo para a pessoa. Eu posso estar provocando reações de ansiedade, posso estar promovendo gatilhos para uma crise, para algo muito mais sério”, conta. 

Essas sensações associadas a uma ação especializada, podem gerar benefícios para a saúde através da estimulação de áreas do cérebro que implicam diretamente nos âmbitos cognitivos, sociais e fisiológicos, revelou Martins “A música, ela é um dos únicos elementos que acessa todo o cérebro e várias áreas ao mesmo tempo. Se um indivíduo está tocando um instrumento, ele vai utilizar a área motora, ele precisa da atenção e precisa da concentração. Nós temos a questão da neuroplasticidade que é a capacidade do cérebro em se regenerar e desenvolver habilidades que acontecem por meio de sinapses [é uma região por onde são transmitidos os impulsos nervosos] com os neurônios”, conclui. 

Musicoterapia

Uma ação especializada da música bastante utilizada é a musicoterapia. Conforme denomina a Federação Mundial de Musicoterapia, a ciência une a música através de seus elementos como o som, ritmo, melodia, harmonia e a profissionalização de um musicoterapeuta qualificado. Esse profissional aplica a técnica para um paciente com o objetivo terapêutico a fim de promover um desenvolvimento em potencial ou restabelecendo funções.

Melissa Batista Wisniewski, trouxe a musicoterapia para São Mateus do Sul, cidade a 123 km de Ponta Grossa.  A musicoterapeuta frisa que na técnica utiliza a música como um meio de  tratamento complementar que não anula outras especialidades médicas: “Na musicoterapia o objetivo é a saúde. A gente usa a música como um meio, para um tratamento de saúde”. A profissional deixa claro que não há restrições para públicos quando o assunto é musicoterapia, contudo, baseado em suas experiências profissionais, ela pontua: “A procura maior é por questões de pessoas com necessidades especiais. Também em situações com um atraso de linguagem ou algum déficit de atenção, a musicoterapia auxilia muito nessas áreas, mas ela é aberta para todos”, explica .

Melissa conta que na clínica em que atua, a maior procura por musicoterapia é de pacientes com autismo. Os benefícios podem ser ainda maiores devido ao processamento musical e  até mesmo recomendado por médicos neurologistas. “A música, ela é processada num local no cérebro que não é afetada no autismo. Então, por isso que muitos autistas gostam muito de música, porque não é afetada a área do processamento musical. Então, pra eles é algo reconfortante”, cita.

O cuidado com o paciente é primordial para os atendimentos, já que a música é capaz de desenvolver sentimentos e sensações variadas. Batista explica que primeiro é feita uma anamnese [documento médico com perguntas para a avaliação de sintomas] onde inúmeras perguntas são realizadas para assim elaborar um plano musicoterapêutico para aquela pessoa. “Através da anamnese eu vou ver que aquela pessoa tem dificuldade no motor, então eu vou desenvolver um plano pra ajudar ela na área motora, ou na socialização, seja o que for. Então, a gente faz toda essa anamnese até mesmo para pegar o histórico sonoro musical da pessoa”, diz.

Batista conta que a quantidade de sessões varia em  cada pessoa. O tempo pode ir de um mês ou mais e que no decorrer desse tempo, avaliações são feitas rotineiramente para perceber o que está se desenvolvendo naquele paciente ou o que ainda pode ser melhorado. Comumente, as sessões de musicoterapia são realizadas uma vez por semana, mas dependendo da demanda, podem ocorrer até três vezes em uma mesma semana. Independente da quantidade de sessões que serão realizadas, no fim os benefícios da música com certeza podem ser percebidos. “A música pode reduzir estresse, ansiedade, promover interação social, ajudar a expressar sentimento, também estimula a linguagem, comunicação, auxilia na memória, ou habilidades motoras. Então, é bem amplo os benefícios”, conclui a musicoterapeuta. 

A música pelo viés pedagógico

Visando o bem estar e aproveitando dos inúmeros benefícios que a música proporciona, o centro-dia em Ponta Grossa, é uma instituição pública que realiza um trabalho pelo viés da música, proporcionando qualidade de vida e estimulando o desenvolvimento em pessoas com autismo. A instituição tem convênio com a Fundação Municipal de Saúde de Ponta Grossa (FASPG), o que garante atendimento a 90 pessoas entre crianças e adultos. No Centro, são oferecidas quatro oficinas: artes visuais, estimulação sensorial, jogos lúdicos e oficina de música,  onde cada oficina é realizada por um profissional da área. 

É o caso da técnica da oficina de música que atua há doze anos na instituição, Angela Christina Mariano, ela garante que a música vai muito além de um simples toque ou nota musical, mas que é capaz de fazer a diferença no desenvolvimento do autismo. No Centro-dia, conforme contou Angela, a música é utilizada como uma ferramenta, associada com várias outras atividades como o desenho, mas sempre respeitando o limite e a particularidade de cada um. “Na oficina de música nós utilizamos o desenho. Se naquele momento a pessoa [que está na oficina] não estiver bem e não quiser desenhar, não tem problema. Ela só ouve música enquanto o grupo realiza a atividade. Há ainda aquelas pessoas com audição muito sensível, do mesmo modo, resolvemos a situação da maneira que seja melhor para aquela pessoa”, conta Angela.

Um benefício imediato que a música proporciona é a socialização e consequentemente a comunicação. “Os benefícios são gigantescos, com a oficina eles desenvolvem habilidades sociais. Como trabalhamos com ritmo musical nas atividades,  muitos deles não têm a linguagem verbal, mas conseguem se comunicar através da cantiga. Eles manifestam seus desejos e suas vontades cantando”. E os resultados são vistos além do que Angela relata. 

A comunicação é vista como um dos principais avanços para a Jocimeri de Lima, mãe de um menino autista não verbal de quinze anos que é atendido no Centro-Dia: “Desde que ele veio aqui [no centro dia], ele começou a interagir mais. Até em casa ele passou a interagir mais conosco, se expressando e pedindo o que ele quer naquele momento, principalmente comida”, comenta a mãe do menino.

Reportagem e Fotos: Camila Souza

Edição e publicação: Iasmim Gowdak e Juliana Lacerda

Supervisão de produção: Ivan Bomfim e Gabriela Almeida


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