
A rotina a pé: O caminho de quem não pode pagar pelo transporte público
Para economizar, moradores de Ponta Grossa caminham enfrentando cansaço , chuva e infraestrutura precária
Imagine a seguinte situação: Você mora em um bairro distante do centro de Ponta Grossa e sua renda mensal corresponde a meio salário mínimo, valor de atualmente 706 reais. Para ida e volta de um trabalho com escala 6×1, você gastaria em torno de 190 reais por mês, o que corresponde a pouco mais de 26% de sua renda mensal. Isso acontece porque o preço da tarifa em Ponta Grossa está fixo em quatro reais.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Censo de 2010, apontavam que 32,7% da população de Ponta Grossa possuía rendimento mensal de até meio salário mínimo. Não existem dados atuais sobre isso para Ponta Grossa. No entanto, esta é a realidade de muitos moradores da cidade. Tendo em vista esse contexto, quais são as alternativas para quem ainda precisa pagar aluguel, contas de água e energia e, ainda, sustentar a si mesmo ou até uma família? Ponta-grossenses mostram que ir a pé para o trabalho, mercado e outros lugares torna-se a opção mais viável.
Dayane Turra Logullo está desempregada, portanto não recebe vale transporte. Mesmo quando trabalhava e recebia, já percebia as dificuldades de conciliar o transporte público com outras despesas da casa, isto porque o vale cobre o deslocamento até o trabalho, mas outras atividades demandam que o dinheiro saia do próprio bolso. A moradora do Jardim Aroeiras, bairro próximo ao Jardim Carvalho, afirma que opta por ir a pé ao mercado ou consultas médicas. “Se eu gasto 10 reais por dia, em transporte público, são 200 reais por mês. E o preço do remédio do meu filho”, relata.
Dentre os problemas enfrentados por realizar atividades cotidianas a pé, Dayane reforça as condições climáticas e a má estrutura das calçadas. Para ela, muitas vezes faz mais sentido andar pelo asfalto do que pelas calçadas. Tem muito lugar que não tem nem calçada. Então você tem que desviar, ir por outra rua. Eu fico pensando na mobilidade de quem tem deficiência” expressa. Além disso, ela relata que tem dificuldade de carregar as compras do mercado quando volta a pé, por conta do peso das sacolas.
Para a atendente de mercado Franceline Taques, a realidade é um pouco diferente, mas ainda complexa. Franceline recebe um salário mínimo, mas mora no bairro Contorno e precisa andar por 25 minutos para chegar ao trabalho. Isso porque ela não recebe vale transporte, então caminhar se tornou a única alternativa para economizar dinheiro. Ela destaca o cansaço, porque, além de acordar mais cedo para chegar no trabalho a tempo, Franceline precisa percorrer longas distâncias. Além disso, a atendente lamenta que já machucou o pé por conta da má condição de ruas e calçadas. A rotina de não poder contar com o ônibus. Ainda afeta em outras questões: “Já perdi uma entrevista de emprego, pelo local ser longe e eu não conseguir pagar a tarifa do ônibus”, relata.
A atendente Rose Cardoso está afastada do trabalho por conta de um tratamento médico. Ela afirma que, devido a este contexto, metade do seu salário é destinado a medicamentos. Apesar de utilizar o transporte público, Rose conta que muitas vezes optou por ir a pé para não precisar pagar passagem. Dentre os fatores, além do alto preço, ela ainda aponta o tempo de espera pelo transporte: “Eu ando rápido. Não vou longe porque a saúde não permite, mas pra mim compensa mais”, afirma. Rose é moradora do Bairro Porto Seguro e relata que, por lá, é necessário pegar ônibus de outras vilas e ainda fazer um caminho mais longo para chegar onde precisa.
Devido à sua condição de saúde, Rose não pode caminhar por muito tempo, mas mesmo assim, afirma que sofre as adversidades de andar a pé. “Sol quente, chuva. Esses dias eu peguei uma chuva que eu estou até hoje com gripe”, lamenta. Ela realiza consultas médicas corriqueiramente e conta que já perdeu várias consultas por não conseguir se locomover até o local. “Essa semana mesmo eu tinha consulta na quinta e remarquei pra terça porque eu iria chegar muito tarde”, conta. Rose conta que, quando tem um dinheiro sobrando, prefere utilizar o serviço de motorista por aplicativo do que pegar um ônibus: “se juntar duas passagens você pega um uber. Para ela, o serviço compensa mais.
Para estudantes que não trabalham, a realidade também é complicada. Ana Beatriz Inacaratto é estudante de Serviço Social e depende do ônibus para ir para a universidade, já que mora a 6km de distância do campus central da UEPG. Ana se enquadra no grupo citado no início da reportagem, que possui um salário mínimo. A estudante afirma que no último mês gastou em torno de 280 reais em transporte público apenas para estudar. Agora, Ana conseguiu direito à meia passagem, mas afirma que o valor ainda pesa em sua renda mensal. “Esse valor eu poderia estar gastando no mercado”, relata.
Ana Beatriz ainda comenta que quando não consegue pagar pela passagem, prefere faltar à aula e acha que isso virá a acontecer nos próximos meses: “Estou começando a ficar muito apertada financeiramente e estou vendo que não vou dar conta”, exprime.
A Prefeitura Municipal de Ponta Grossa fornece o benefício de meia passagem para pessoas com deficiência, pessoas com renda familiar per capita inferior a 2 salários mínimos e estudantes que moram a mais de dois quilômetros de sua instituição de ensino.
Reportagem: Mariana Borba Taras
Foto: João Guilherme Castro/Lente Quente
Edição e publicação: Mel Pires e Laura Urbano Janiaki
Supervisão de produção: Manoel Moabis e Aline Rios