Amanhã estará mais caro

Foto: acervo PR FHC.

Amanhã estará mais caro

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Após uma sucessão de planos econômicos fracassados, o Plano Real foi bem sucedido em combater a hiperinflação que assombrou o país entre os anos 1980 e 1990

De manhã, um telefonema. Era a distribuidora avisando sobre o aumento do preço do leite. De tarde, mais um. E lá vai o funcionário remarcar o preço dos produtos outra vez. Nos anos 1980, a rotina nos mercados do país era assim: uma corrida contra o tempo. “Era só chegar a um supermercado, em qualquer horário, que você ouvia o barulho da maquininha remarcando os preços, check, check”, relembra o tabelião Mário Pietroski, de 77 anos. 

Essa era a trilha sonora da hiperinflação, um alerta para correr até a próxima prateleira e conseguir um item com os valores ainda não ajustados. Era comum ver carrinhos abarrotados de compras, numa tentativa de garantir o essencial antes que se tornasse ainda mais caro. 

“O poder de compra da população era muito pequeno. Houve um momento em que o melhor investimento foi comprar comida”, afirma o economista Jeferson Cararo. De acordo com Cararo, quando as pessoas recebiam o salário não queriam ficar com o dinheiro guardado porque logo ele iria desvalorizar, assim, iam ao supermercado e compravam o máximo de produtos possíveis para fugir da inflação. 

Em fevereiro de 1986 a inflação mensal, medida pelo IPC (Índice de Preços ao Consumidor), foi de 12,72%, a mais alta desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O salário mínimo neste período era de 600 mil cruzeiros, mas isso pouco valia. Um pote de margarina, segundo anúncios da época, custava 43 mil cruzeiros, e um conjunto de panelas não sairia por menos de um milhão de cruzeiros.

Política 

No último dia daquele mês, o presidente José Sarney realizou um pronunciamento na televisão para anunciar as novas medidas do governo. O mandatário anunciou a extinção do Cruzeiro e a criação de uma nova moeda, o Cruzado, que nasceu com três zeros a menos. O salário mínimo foi definido em 804 cruzados. Porém, a medida mais polêmica do governo foi o congelamento total de preços, tarifas e serviços por tempo indeterminado. 

O Brasil enfrentava, nas palavras de Sarney, “uma guerra de vida ou morte contra a inflação”. E o presidente chamava a população a defender o seu plano: “Cada brasileiro ou brasileira será um fiscal de preços. Ninguém poderá, a partir de hoje, praticar a indústria da remarcação. O estabelecimento que o fizer

poderá ser fechado, e esta prática ensejará a prisão dos representantes. Convoco o povo brasileiro para viver este grande momento”, afirmava. 

Uma das cenas mais emblemáticas desse período foi protagonizada pelo paranaense Omar Marczynski, um dia após o lançamento do Plano Cruzado, quando foi a um supermercado de Curitiba para fazer compras e verificou que houve reajuste no preço de alguns produtos. Indignado, Marczynski declarou em voz alta que estava fechando o estabelecimento “em nome do José Sarney e do povo”, sob aplausos de uma multidão de consumidores. 

“Todos nós, naquela época, fomos fiscais do Sarney”, afirma Mário Pietroski. Segundo ele, havia uma expectativa muito grande de que o Plano Cruzado eliminaria de vez a inflação, e esse se tornou um sentimento de união nacional. As medidas do governo realmente surtiram efeito, a curto prazo. A inflação mensal, que era superior a 12%, caiu para 0,78% no mês seguinte ao lançamento da nova moeda. 

“Num primeiro momento, o plano teve um êxito enorme. Pela primeira vez em muitos anos, as pessoas conseguiam saber o real valor do seu salário”, relata Jeferson Cararo. A população passou a ter poder de compra e houve uma explosão de consumo no Brasil. Contudo, o aumento da demanda por parte dos consumidores não foi acompanhado pela indústria, ou seja, a produção continuou igual. 

O economista Alexandre Lages, coordenador do Índice Cesta Básica (ICB) de Ponta Grossa, conta que a partir do momento em que há o congelamento, ocorre desabastecimento e uma pressão para que esses preços voltem ao normal. “A hora que você libera o preço, todo mundo remarca absurdamente e muito acima do que normalmente seria”, explica Lages. Assim, a inflação voltou a crescer desenfreadamente no final de 1986. 

Após o fracasso do Plano Cruzado, os próximos anos da economia brasileira seriam marcados por outras tentativas de eliminar a hiperinflação. Ainda durante o governo de José Sarney, foi lançado o Plano Cruzado II, o Plano Bresser e o Plano Verão, além de diversas outras medidas econômicas. Entretanto, nenhuma teve sucesso.

O Plano Collor 

Primeiro presidente desde 1960 a ser eleito pelo povo, Fernando Collor iniciou seu mandato em 15 de março de 1990 com uma ação econômica drástica para tentar conter a inflação. O Plano Collor teve como principal medida o bloqueio dos depósitos em contas poupança e das aplicações financeiras. O confisco da poupança, como ficou conhecido, era uma medida polêmica que já vinha sendo discutida desde a eleição do ano anterior. 

O biólogo Ademir Rosso conta que, durante a implantação do Plano Collor, ele e sua esposa estavam se mudando de Jequié (Bahia) para Florianópolis (Santa Catarina), a fim de estudar na universidade, mas quando chegaram a cidade não conseguiam encontrar imóveis para alugar, devido ao custo elevado. “Com aquela inflação chegando a 80%, o salário nunca conseguia pagar as contas, então a gente vivia de pedalada fiscal, ou seja, comprando no cartão de crédito e jogando as contas pra frente, mas pagando juros”, relata. O biólogo guardava no banco o dinheiro do salário e um auxílio, que esperava usar para se instalar em Florianópolis, porém teve esses bens retidos pelo governo. 

Assim como aconteceu com os planos econômicos anteriores, o Plano Collor conseguiu produzir uma queda na inflação, mas que não foi duradoura. A inflação voltou a crescer em maio de 1991, e o governo lançaria mais três planos econômicos, todos fracassados. 

Em dezembro de 1992, Collor, acusado de envolvimento em corrupção e fraudes financeiras, renunciou à presidência para escapar de um processo de impeachment. Mais uma vez, o cargo de presidente da República caía no colo de alguém que não tinha sido eleito para o cargo. Vice de Collor, Itamar Franco assumiu o governo com uma inflação anual de 1.100%, mas que atingiria 6.000% no ano seguinte.

O Plano Real, que deu fim à hiperinflação

A inflação era a grande preocupação nacional e o Ministério da Fazenda, consequentemente, o cargo de maior visibilidade do governo. De 1980 até 1994, 17 pessoas passaram pelo comando da pasta, entre interinos e efetivos. Só Itamar Franco chegou a ter 6 ministros. Os três primeiros, Gustavo Krause, Paulo Roberto Haddad e Eliseu Resende, ficaram cada um cerca de dois meses no cargo. 

Em maio de 1993, Itamar Franco nomeou para o Ministério da Fazenda o então chanceler Fernando Henrique Cardoso, popularmente conhecido como FHC. Isso aconteceu, segundo o próprio ministro, sem o seu consentimento, que ficou sabendo da nomeação através da imprensa. FHC não era economista, mas sim sociólogo de formação. 

Itamar deu liberdade a FHC para a formação de sua equipe técnica. Com isso, Armínio Fraga, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan e Winston Fritsch foram alguns dos nomes escolhidos para compor a equipe do Ministério da Fazenda. Havia também Pérsio Arida e André Lara Resende, os formuladores da Proposta Larida, considerada a precursora do Plano Real. Segundo Cararo, o plano se diferenciava dos planos econômicos anteriores, pois não tinha como objetivo eliminar a inflação, mas sim controlá-la. O Plano Real era dividido em três fases. 

Infográfico: João Vitor Pizani.

A primeira buscava restituir a confiança das pessoas no mercado e no governo. Para isso, foi criada uma moeda transitória, o Cruzeiro Real. O segundo movimento envolveu a criação de um indexador, a Unidade Real de Valor (URV), que valia um dólar, moeda que era usada de forma não oficial no Brasil. A terceira fase do Plano Real envolveu a introdução de uma âncora cambial e de uma âncora monetária, obrigando o governo a diminuir seus gastos. 

Segundo o economista Alexandre Lages, durante a hiperinflação, a relação de preço e produto não existia porque as pessoas não tinham nenhuma referência. “Qualquer valor que cobrassem, você não saberia dizer se está caro ou barato, então acabava ficando na mão de quem vende”, explica. 

Em junho de 1994, último mês do Cruzeiro Real como moeda oficial do Brasil, a inflação mensal foi de 46%. Em julho, caiu para apenas 6%. “O Plano Real foi a salvação do país, porque da maneira que se encontrava a economia era difícil de suportar”, afirma Mario Pietroski. Surfando na popularidade do Plano Real, o ministro que deu início a sua implementação, Fernando Henrique Cardoso, elegeu-se presidente da República em outubro daquele ano. 

Se hoje o dólar equivale a cerca de cinco reais houve um momento em que a moeda brasileira chegou a valer até mais do que a moeda americana. Em outubro de 1994, alguns meses após a implementação do Plano Real, o dólar custava R$ 0,82. A paridade entre as duas moedas se manteve até 1999, quando FHC, poucos dias depois de tomar posse em seu segundo mandato como presidente, anunciou a extinção do câmbio fixo. Com isso, o dólar voltou a disparar no Brasil. 

“Para muitos economistas, o Plano Real terminou em 1999, ele se extinguiu”, comenta Cararo. Isso ocorreu porque, apesar de não ter sido trocado o nome da moeda, as ações econômicas mudaram. Neste ano, foram abolidas as âncoras (cambial e monetária), justamente o que, nas palavras do economista, “fez o Real dar certo”. Foi substituído pelo regime de metas de inflação, que está em vigor até hoje. 

Trinta anos após a implementação da sua atual moeda, a economia brasileira continua crescendo menos do que a média mundial e ainda tem alta dependência das exportações de matérias-primas para o mundo, como soja e outros produtos agrícolas.

Reportagem e Fotos: João Vitor Pizani

Edição e publicação: Rafaela Colman e Juliana Lacerda

Supervisão de produção: Ivan Bomfim e Gabriela Almeida


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