Amores Livres
Explorando a diversidade dos relacionamentos não-monogâmicos
“Num momento em que as meninas queiram ir ao shopping comprar roupa de mulher, sem querer ser machista, ficar horas rodando o shopping é algo que muitas vezes não causa prazer ao homem, mas para as meninas é legal. Eu falo ‘vivam esse momento, podem ir vocês, eu fico em casa’”. Essa é a frase de Leandro Sampaio, que vive um relacionamento poliafetivo há dois meses com Thaís Souza e Mayara Silva. Para o psicólogo, especialista em psicoterapia de família e casal, uma das coisas que define a relação a três, muito mais que a polêmica, é a praticidade.
Antes de tudo, é importante entender que nos últimos anos temos observado um crescimento na visibilidade de diversos tipos de relacionamentos que fogem do modelo tradicional de monogamia. De acordo com o Google Trends, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais interesse pela não-monogamia, perdendo apenas para Austrália e Canadá.
A não-monogamia, que engloba as relações poliamorosas, abertas ou sem exclusividade, tem se mostrado uma alternativa cada vez mais popular para aqueles que buscam formas mais flexíveis de se relacionar. Para a psicóloga Francine Duane Rossi, os principais desafios enfrentados por pessoas não-monogâmicas são os emocionais, como o ciúme e a insegurança. No entanto, isso nunca foi um problema para Leandro e Thaís, que romperam os padrões tradicionais de relacionamento ao se definirem como um casal poliafetivo.
Os dois estão juntos há 13 anos e se conheceram através do irmão de Thaís. O casal decidiu juntos que queriam viver um relacionamento não-monogâmico desde o início da relação, porque é um interesse em comum. A história do casal sempre foi permeada pelo não convencionalismo, já que antes de se definirem como um casal poliafetivo, faziam parte de um trisal, com outra mulher, Yasmin. O casamento dos três durou 8 anos. O caso repercutiu em programas de TVs abertas e fechadas, livros, revistas e jornais. “Lá no início, em 2016, não se falava tanto em trisal, eu diria que nós abrimos as portas para muitos que vieram depois”, assegura Leandro.
Para além dos problemas internos da relação que conseguem ser resolvidos com diálogo, a pressão social e o julgamento externo também podem gerar estresse e ansiedade, dificultando a aceitação e o bem-estar dos parceiros. “O julgamento, o medo do isolamento social, a falta de apoio externo e discriminações em ambientes sociais e profissionais é uma realidade que essas pessoas poderão lidar”, explica a psicóloga Duane.
O psicólogo Andreone Medrado, que estuda sobre sexualidade e a religiosidade humana, investigando sua influência sobre o desejo e a atratividade sexual, resgata que a herança europeia colonizadora impõe seus valores e modos de vida sobre as sociedades colonizadas, incluindo a ideia da monogamia como forma pura e limpa de se relacionar. “Uma das primeiras coisas que os europeus fizeram, além de invadir a terra e matar pessoas, foi propor modos de vida que sejam consideradas civilizadas, esses modos de vida passaram por gênero, raça e pelo formato como a relação acontece. Portanto, dentro de uma sociedade colonizada por europeus, é trazida a lógica monogâmica e imposta sobre nós”, aponta
Thaís, estudante de direito, fala que um dos maiores obstáculos que enfrentou nesse formato de relação foi a falta de aceitação familiar. Ela conta que no início não havia apoio da sua família e que isso gerou problemas. Seu marido Leandro conta que os maiores preconceitos sofridos pelo casal, em sua visão, foram pelas redes sociais, onde compartilham o cotidiano.
Andreone, que também estuda sobre aspectos sócio-históricos das relações inter-raciais e dos relacionamentos não monogâmicos, cita que tudo o que foge da monogamia, vista como ideal, é percebido socialmente como imoral, sujo, não civilizado e pecado. “O aspecto mais forte para a não aceitação é a religião, instituída pela colonização, o próprio nojo moral, que é a quebra de normas de um grupo. Tudo o que foge do sexo apenas a dois e voltado para a reprodução e o que diz respeito a liberdade, sexo e afeto é considerado impuro”, explica.
Para o psicólogo Andreone, a monogamia ultrapassa a fronteira do amor, do par, e do sexo a dois. Para ele, é necessário perceber o quanto de colonialismo existe em sua origem. Além disso, Andreone fala que a ideia de amor romântico (a dois) é constantemente reforçada pela mídia, filmes e celebrações como o Dia dos Namorados. “A gente está reproduzindo lógicas de um amor romântico que é validado no namoro, noivado e casamento que são táticas e progressos do estágios da monogamia. Pra gente questionar tudo isso temos que transformar a cena. Temos que pensar novas elaborações”, aponta.
Após o fim do trisal, formado por Leandro, Thaís e Yasmin, o casal teve outros namoros de menor duração e ele explica que isso foi a inspiração para seu livro, chamado Eu, minha esposa e nossas namoradas. “O livro conta nossas vivências após o casamento, os relacionamentos que tivemos e como tudo se desenvolveu, com todas as questões familiares, que envolve muito este tipo de relação”, ressalta.
Leandro discutiu abertamente nos meios de comunicação sobre relacionamentos em trisais e ajudou a quebrar estigmas e preconceitos sobre diferentes formas de relacionamento por conta de seu livro. Além disso, ao trazer essa discussão e mostrar seu modo de vida, permitiu que pessoas que estavam em relacionamentos poliamorosos se sentissem mais compreendidas e aceitas pela sociedade. “Com isso tivemos uma grande evolução aqui no Brasil, com a questão poliafetiva, a gente tem muito orgulho de ter participado disso”, articula o terapeuta de casais.
A psicóloga Duane conta que para o bom funcionamento deste tipo de relacionamento, a comunicação e confiança desempenham um papel importante. “ São os pilares essenciais nessa dinâmica de relacionamento. Conversas abertas e honestas sobre expectativas, limites e sentimentos ajudam a criar uma base sólida”.
Como fruto do “antigo” trisal, com Yasmin, vieram dois filhos, Emily, filha biológica de Thais, e Isabela, filha biológica de Yasmin. No entanto, para Leandro, mesmo que haja separações conjugais, o amor parental persiste e as mães biológicas e mães adotivas podem ser igualmente amorosas e importantes na vida de uma criança. “As duas são mães igualmente, pois mesmo com a separação matrimonial, o amor parental fica”, evidencia o psicólogo.
Atualmente, Leandro e Thais estão se relacionando com Mayara, que é mãe biológica de João, mesmo não tendo nada definido, o casal que está conhecendo uma possível nova parceira se dão bem. “Thaís e eu o adoramos como filho”, conta o psicólogo. A possibilidade de viver e se relacionar com mais de uma pessoa pode parecer estranho para alguns, porém, para Thaís é a melhor parte da relação. “A melhor coisa deste tipo de relacionamento é poder viver com duas pessoas que amo”, conta.
Leandro ainda defende que o casamento a dois é muito solitário e torna-se um desafio a mais dar conta das tarefas da casa e da criação dos filhos sem uma terceira pessoa. “O casal geralmente precisa pedir ajuda aos avós, tia ou babá para ficar com as crianças. No nosso caso, se tem que ir ao mercado, um de nós fica com as crianças e dois vão às compras. Nós revezamos, três é um número perfeito para a relação”, avalia.
A psicóloga Duane conta que os benefícios psicológicos e emocionais de estar em um relacionamento não monogâmico são a possibilidade de viver de forma autêntica e explorar diferentes conexões, o que é libertador. “Enfrentar e superar ciúmes e inseguranças leva a um maior autoconhecimento e crescimento emocional”, explica.
O antropólogo Andreone fala que é preciso inovar e buscar novas perspectivas para analisar a não-monogamia. Leandro, Thaís e Mayara seguem vivendo felizes e quebrando paradigmas. “O poliamor nada mais é do que uma forma de amar, mais uma forma de viver e interagir. Tem espaço para todo mundo ser feliz, da forma em que escolher”, aconselha Leandro.
Reportagem: Cristiane de Melo
Edição e publicação: Rafaela Colman e Heloisa Ribas Bida
Supervisão de produção: Ivan Bomfim e Gabriela Almeida