Atendimento precário na zona rural: população refém da sorte
As vilas da zona rural de Ponta Grossa possuem um ar bucólico. Boa parte delas tem ao centro uma igreja, um posto de saúde, um pequeno cemitério e uma escola. Estima-se que a área rural do município conta com mais de 27 mil habitantes e, quando a saúde aperta, a tranquilidade se desfaz. Apesar de existirem 11 postos de saúde espalhados pela área rural, a maioria não tem médicos todos os dias. Em Itaiacoca, por exemplo, um médico atende cinco postos diferentes, comparecendo a cada dia em um local. O mesmo ocorre com o atendimento odontológico.
Em Itaiacoca, as amigas Márcia Fragoso, Janice dos Santos e Patrícia Pacheco aguardam os filhos na escola e comentam sobre o posto de saúde. “É bom”, diz Márcia. “Mas podia ser melhor”, completa Patrícia. Elas afirmam que o principal problema é a falta de médico diário. “Hoje, casualmente, o médico está aqui. Mas nos outros dias não”, conta Janice. “O dentista só vem na segunda. Semana passada tive dor de dente e precisei gastar cem reais para ir à cidade”, reclama.
No outro lado do município, Lucélia de Almeida segura o filho Noah, com os olhos inchados e febre. A enfermeira do posto diagnosticou conjuntivite e, por coincidência, o médico estava presente naquele dia para receitar os remédios. “Normalmente a gente vem aqui e só tem a enfermeira. Aí, dependendo do caso, precisa ir pra cidade e buscar atendimento na UPA”, diz Lucélia.
Com data marcada
No caso de uma emergência médica, em um dia em que o profissional não está no posto, o morador da região poderá contar apenas com o atendimento básico do enfermeiro, que não pode dar nenhum medicamento. Recebido o primeiro atendimento, será necessário um deslocamento que pode chegar a mais de 60 quilômetros, com longos trechos em estradas de terra e mal conservadas.
Sem o atendimento médico diário, o morador da zona rural não sabe se será atendido quando precisa ou, como eles mesmo brincam com a falta de recursos de saúde, “tem que marcar dia para ficar doente”, afirma. “Já aconteceu de eu me machucar enquanto trabalhava na roça. Vim ao posto e só fizeram um curativo para estancar o sangue e me mandaram para a UPA. Foi quase uma hora de viagem, sangrando. Cheguei lá e fiquei mais de seis horas passando por enfermeiro, médico, exames e retorno com o médico para saber o que de fato tinha acontecido comigo. Quase perdi o dedo”, conta Maurício Lemos, morador de Itaiacoca.
Silêncio da Prefeitura
A Prefeitura de Ponta Grossa foi questionada por Assessoria de Imprensa e pela Lei de Acesso à Informação, mas não respondeu. O pedido incluía dados sobre periodicidade de atendimento médico e odontológico, farmácia, atendimento de urgência e salas de vacinação nos postos.
O site da Fundação Municipal de Saúde (FMS) também não apresenta todas as unidades. Em Itaiacoca, por exemplo, consta apenas a Unidade Crutac, com indicação de atendimento diário, o que não condiz com a realidade: há médico apenas uma vez por semana. Os dois profissionais fazem rodízio entre Biscaia, Caçador, Carazinho, Cerrado, Mato Queimado, Pocinhos, Roça Velha e Sete Saltos.
Outra listagem, de 2022, mostra que postos como Sete Saltos e Carazinho têm atendimento quinzenal, de apenas quatro horas. Em Mato Queimado e Roça Velha, o médico fica três horas. Apenas Guaragi possui sala de vacinação, enquanto Biscaia e Uvaia têm atendimento odontológico. Equipamentos de eletrocardiograma estão disponíveis apenas em Crutac e Guaragi, e o telefone funciona somente nesses dois e em Biscaia.
O Ministério da Saúde recomenda entre 2,5 e 3,5 médicos por mil habitantes, mas a concentração urbana deixa a zona rural desassistida. Mesmo com unidades de saúde, o atendimento é insuficiente e irregular.
Reportagem: Eder Carlos
Foto: Eder Carlos
Edição e Publicação: Gabriel Ribeiro e Joyce Clara
Supervisão de produção: Manoel Moabis e Aline Rios


