Descaminho: o crime que sustenta o comércio em Ponta Grossa
Acessórios de informática, equipamentos de pesca, brinquedos e perfumes lideram ranking de apreensões
Em Ponta Grossa, grande parte do comércio de rua é abastecido por produtos provenientes do Paraguai e do centro comercial de São Paulo. Essa situação se deve, principalmente, à localização geográfica do estado, fator que facilita as rotas de descaminho e contrabando. A cidade de Foz do Iguaçu é a principal porta de entrada de mercadorias irregulares por fazer divisa com Paraguai e Argentina.
De acordo com o código penal, o descaminho é o crime tributário relacionado à ausência de pagamento do imposto referente à mercadoria que entra e sai do país, punível com pena de um a quatro anos de reclusão. Quando a mercadoria é ilegal, o crime passa a ser contrabando, com pena de dois a cinco anos em reclusão. Em diálogo com o delegado Demetrius de Moura Soares, representante da Receita Federal do Brasil em Ponta Grossa, se entende a influência desses produtos no comércio municipal. A cidade faz parte da rota de importação considerada pela Receita como uma Zona Secundária, por não fazer fronteira direta com os locais mencionados.
De acordo com o delegado Demetrius, a maioria das mercadorias de descaminho e contrabando no município tem origem do Paraguai. Esses produtos atravessam o estado via transportadores, que buscam os produtos no local de origem e trazem até o destino final. Um trabalho de “formiguinhas”. Mas o trabalho delas é muito distante do que está previsto na lei e nas normas que regulamentam a fiscalização. No que prevê a Receita Federal, cada pessoa possui a cota mensal de 500 dólares em produtos de países vizinhos via fronteira terrestre e mil dólares via portos e aeroportos. O que de fato acontece é uma fiscalização aleatória que permite a entrada de muitos produtos sem o pagamento adequado do imposto.
Pedrinho* é transportador e realiza viagens bimestrais ao Paraguai desde a infância, seguindo os caminhos do pai que teve a importação como principal fonte de renda ao longo da vida. Pedrinho relata que foi atraído pelas viagens e pela lucratividade do trabalho. “Sempre fiz a viagem de Foz para Ponta Grossa pela BR sem pegar desvios, com o risco de ser pego pela Receita. Hoje temos grupos de amigos que também viajam para trocar informações sobre a fiscalização na estrada ou nos postos de polícia”, conta.
Quando questionado sobre as mercadorias que importava, Pedrinho revelou que os carregamentos que faz são uma mistura de eletrônicos, perfumes, bebidas, pods e narguilés. Ele explica que há um acordo pré-estabelecido com seus clientes. “Eu cobro uma porcentagem e para assumir todo o risco de perda”, disse, destacando a natureza arriscada do negócio.
Demetrius explica que as mercadorias que ultrapassam os limites da fronteira devem ser fiscalizadas nas zonas secundárias, através de ações com equipes de vigilantes que realizam buscas e apreensões. O delegado elenca as bebidas, cigarros e celulares como os campeões em apreensões, seguidos de acessórios de informática, brinquedos, equipamentos de pesca e perfumes. Quando retidos pela Receita Federal, os bens passam a ser propriedade da União, e sua destinação pode ser feita de várias maneiras. As mercadorias de contrabando têm como destino a destruição ou a redestinação, uma vez que os itens não podem ser comercializados em território nacional. Já as mercadorias legalizadas no Brasil podem ter três destinações: os leilões, a incorporação e as doações.
Pedrinho esclarece que as consequências mais graves são, na verdade, uma possibilidade. “Você precisa ser pego muitas vezes para uma consequência mais severa. Já perdi meus produtos muitas vezes, seja na fronteira, seja na estrada. Mas é assim mesmo, é o risco”, conta. O trabalho, além de perigoso, é exaustivo. “É um emprego que te cansa, fora a quantidade de assaltos e golpes no Paraguai, a viagem faz com que a gente fique três dias sem dormir, te envelhece”, relata.
*Nome modificado para preservar o anonimato da fonte
Ficha técnica
Reportagem: Marcella Panzarini Silva
Foto: Marcella Panzarini
Edição e publicação: Vinicius Sampaio
Supervisão de produção: Luiza Carolina dos Santos
Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira e Muriel E.P. Amaral