Duplamente penalizadas

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Além do cárcere, o abandono familiar afeta mulheres privadas de liberdade

 

| Por Eduarda Macedo, Lívia Maria Hass e Loren Leuch

 

Da América Latina, o Brasil é o maior país em população carcerária feminina. Segundo dados do 5º relatório “World Female Imprisonment List” (2022), a quantidade de mulheres privadas de liberdade era de 42.694. No Paraná, atualmente, é de 2.321 mulheres, enquanto a regional de Ponta Grossa tem 179 em cárcere. No segundo semestre de 2024, de acordo com o Relatório de Informações Penais (RELIPEN), a população carcerária feminina era de 2.378. O número de visitações no entanto se difere. Nas alas femininas, com exceção do sistema penitenciário federal, apenas 1.613 visitas foram registradas. Enquanto na masculina 67.489 visitas estão registradas no relatório. O Paraná também aparece como segundo maior estado com registros de visitas aos cárceres masculinos.

 

Na perspectiva do chefe regional das cadeias públicas de Ponta Grossa e Polícia Penal, William Daniel de Lima Ribas, existe uma relação desigual entre visitas para homens e mulheres no sistema carcerário. “O público masculino continua sendo acompanhado pela esposa, pelos filhos e pela mãe. Mas quando a mulher está em cárcere, muitas vezes o companheiro já está cumprindo pena e é raro quando não há um abandono”, afirma. O mesmo afirma o chefe regional do Escritório Social da Polícia Penal, Jean Carlos Fogaça. “A mulher encarcerada é abandonada. Dificilmente ela recebe visita. Se recebe ou é do pai, do filho ou da mãe. O marido, esquece. E muitas dessas mulheres, elas são presas por causa de quem?”, questiona. O policial ainda afirma que as mulheres privadas de liberdade são abandonadas por maridos ou companheiros.

 

Já o artigo “O abandono da população carcerária feminina brasileira e seus impactos na ressocialização” publicado por Oliveira, Gutierrez, Fogaça e Rodrigues (2024), na revista científica “Revista FT”, discorre sobre a possibilidade do abandono da população carcerária feminina ser fruto de uma pena moral, que quebra a imagem feminina moldada há séculos. “A concepção de fragilidade feminina constituiu a mulher na sociedade como filha e esposa, passando a ser vista através de sua relação com um homem. A transgressão da mulher no âmbito penal, mas também deste papel pré-estipulado, gera penas que vão além da perspectiva jurídica, passando as mulheres encarceradas a cumprirem penas também no setor moral, visto que se entende a prática do crime como violador da sua posição na sociedade”, afirmam as autoras. Dessa forma, um dos efeitos dessa “pena moral” é o abandono emocional, que ocorre por parte da família imediata: marido, filhos, irmãos e pais. “O afastamento familiar se caracteriza como uma forma de correção para as mulheres que não se mantiveram no seu papel social .”

 

De acordo com o artigo 41°, inciso X da Lei 7.210/94 que diz respeito à execução penal, é direito da pessoa privada de liberdade receber visitas de cônjuge, companheiro(a) e parentes em dias determinados. Em Ponta Grossa não é diferente, todos têm direito a receber visitas aos fins de semana. O familiar precisa apenas agendar um horário, se dirigir à penitenciária no sábado ou no domingo e passar pelo processo padrão de revista. O visitante pode ficar até três horas com o familiar, conversando e aproveitando o tempo com a pessoa privada de liberdade. Ainda segundo regras da Polícia Penal, cada encarcerado pode ter cadastrado até oito visitantes, e obrigatoriamente, devem ser familiares. Porém, em casos onde o abandono familiar acontece, é possível cadastrar um amigo. A figura do amigo é a forma de garantir um apoio social para aqueles que não possuem visitas familiares. O cadastro de amigos, segundo William, é “uma política para aproximar as pessoas privadas de liberdade da sociedade, e uma forma de não deixá-los desamparados” recurso utilizado majoritariamente por mulheres.

 

O abandono afeta os homens?

 

Durante 10 anos, dona Olinda Aparecida Raitsa ligou e agendou semanalmente a visita à Cadeia Pública Hildebrando de Souza. Com a companhia de seu filho mais novo o caçula da família a diarista entrava às duas horas da tarde de um sábado, ou um domingo qualquer, sentava-se em uma das mesas no pátio e aguardava seu filho privado de liberdade. “Eu levava um lanche com pão, bolo ou uma salada de frutas, nós comíamos juntos, conversando e depois o que sobrava do lanche era levado de volta pra casa. Quando meu filho [o caçula] ia junto, na época ele tinha uns seis ou sete anos, ele sentava com a gente na mesinha, lanchava e ficava brincando no pátio”, relata.

 

A mãe não teve apenas a rotina afetada enquanto o filho cumpria a pena. A ausência dele a impactava emocional e economicamente. No entanto, durante o processo de ressocialização, o filho dela teve oportunidade de estudo e emprego. Ambas as alternativas diminuíram a pena e colaboraram financeiramente, já que parte do salário era destinado a Olinda. Hoje, a mãe não frequenta mais as instalações visto que o filho está em liberdade. Mas acredita que o apoio dela e do restante da família ajudou o filho no processo de ressocialização.

 

Para William, a presença da família, principalmente no processo de ressocialização da pessoa privada de liberdade, é essencial. “A gente procura, dentro do sistema, ofertar oportunidades relacionadas ao trabalho, qualificação profissional e estudo, porque a gente sabe que quando o preso retorna para o ambiente familiar, ele precisa retornar diferente para não incorrer nos mesmos erros que o trouxeram para dentro do sistema prisional. O acompanhamento da família é predominante, inclusive, para que ele receba essas oportunidades.”, explica. O processo de ressocialização é encaminhado por uma comissão que fica responsável por avaliar se a pessoa privada de liberdade está apta a realizar atividades de acesso ao ambiente externo. Além disso, segundo William, o apoio da família é uma peça chave para a ressocialização da pessoa privada de liberdade.

 

Abandono estatal

 

Fora das unidades prisionais, o cenário é mais complexo: “Observa-se uma série de falhas na comunicação entre as unidades prisionais e os familiares dos detentos, o que aumenta ainda mais a dificuldade de relacionamento já prevista em lei”, afirma o psicólogo Ariel Santos. O cenário se estende para complexidades sociais e estruturais do sistema prisional.

 

A pessoa privada de liberdade é afetada diretamente pela falta de atuação interdisciplinar na assistência social e psicológica. O psicólogo afirma que é comum ouvir depoimentos de familiares que não têm notícias daqueles que estão no sistema carcerário. O próprio detento também não recebe informações sobre os familiares, o que provoca sofrimento para ambos. Para Santos, o Estado não investe na contratação de servidores suficientes, o que torna a demanda maior do que a capacidade das equipes em atendê-la adequadamente.

 

Como agendar visitas

 

Em Ponta Grossa, as visitas ocorrem aos sábados e domingos, às 9h e 13h. O segundo fim de semana do mês é reservado para crianças, e a última sexta-feira para visitas virtuais. Na Cadeia Hildebrando de Souza, a visita infantil é da quinta ao domingo da segunda semana do mês. Visitas virtuais são agendadas conforme a demanda.

 

  • Penitenciária Estadual de Ponta Grossa I: (42) 3219-7402 
  • Unidade de Progressão de Ponta Grossa: (42) 99157-8894 
  • Penitenciária Estadual de Ponta Grossa II: (42) 3219-7442 
  • Cadeia Pública Hildebrando de Souza: (42) 3229-2030

 

Reportagem: Eduarda Macedo, Lívia Maria Hass e Loren Leuch

 

Foto: Annelise dos Santos

 

Edição e Publicação: Livia Maria Hass, Mariana Borba, Ana Beatriz, Eduarda Macedo.

 

Supervisão de produção: Manoel Moabis e Aline Rios


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