E quando as palavras não chegam?
Desafios e estratégias na comunicação da primeira infância, momento mais importante para o desenvolvimento da linguagem
No mundo fofinho que envolve bebês e crianças, um dos marcos mais importantes e emocionantes para os pais é quando os pequenos dizem suas primeiras palavras. O processo de aprendizado da linguagem é complexo e fascinante de observar de perto, envolvendo uma série de etapas para o desenvolvimento cognitivo. “Ele(a) não entende nada do que você fala” é uma frase comum de se ouvir quando adultos tentam dialogar com bebês, porém, eles sempre surpreendem nessa parte.
Muitas vezes parece que não estão prestando atenção no que os adultos estão dizendo e, de repente, mostram com gestos, olhares, gargalhadas ou sílabas que, na verdade, entenderam tudo. A comunicação com as crianças começa ainda no útero da mãe e vai ganhando novas proporções ao longo dos primeiros meses e anos de vida e cabe aos adultos responsáveis auxiliarem no processo de aprendizagem.
Mesmo antes de falar as palavras propriamente, as crianças entendem sim o que os adultos querem dizer e estabelecem formas de se comunicar. É importante que os pais estimulem a fala em casa e também que as crianças iniciem a vida escolar cedo. É na escola que os pequenos têm mais oportunidade de conviver com outras crianças, de diferentes idades. Para Maria Lúcia Menezes, fonoaudióloga e coordenadora técnica de Fonoaudiologia Clínica do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), é no ambiente escolar que os pequenos apresentam maior desenvolvimento da fala, motor, social e de independência. “As atividades lúdicas, realizadas nesse ambiente são estimulantes para o desenvolvimento global dos pequenos”, mas a fonoaudióloga ressalta que a escola não substitui o ambiente familiar no processo de desenvolvimento da fala.
Os primeiros sons são importantes
Desenvolver a fala é um marco crucial no crescimento de uma criança e depende de interações feitas com o bebê, porém, para alguns, esse processo nem sempre acontece como o esperado. Segundo a Academia Americana de Pediatria, cerca de 10% de todas as crianças têm atraso na fala nos primeiros anos de vida e uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde do Brasil mostra que 12% de crianças brasileiras têm suspeita desse atraso e não apresentam as habilidades esperadas para a idade. O atraso pode variar de grau e pode estar associado a uma série de fatores, incluindo questões genéticas, do ambiente familiar e de desenvolvimento.
As crianças geralmente têm “marcos” específicos para atingir durante o desenvolvimento da linguagem, de acordo com uma cartilha da Organização Mundial da Saúde, feita em 2002. Balbuciar sons de sílabas como “da-da” entre os 6 e 8 meses de idade; entre os 10 e 12 meses falar, no mínimo, uma palavra com sentido e entre os 13 e 18 meses falar, às vezes, frases com duas ou três palavras são as “conquistas” que as crianças devem alcançar segundo a cartilha. É importante lembrar que esses marcos não são fixos e podem variar de uma criança para outra, e isso é normal, mas os pais devem ficar atentos com a falta de um progresso significativo nos primeiros anos.
Lorena Rebonato, mãe de Davi, foi aconselhada pelo pediatra a ir atrás de um diagnóstico somente quando ele completou três anos de idade. “Ele não falava nada e o levei a um neuropediatra, achei que ele era surdo”, conta. Davi foi diagnosticado com Apraxia de Fala, um distúrbio neurológico que acaba afetando a condição motora da fala e resulta na dificuldade de pronúncia dos sons de sílabas e palavras. Desde então faz acompanhamento semanal com uma fonoaudióloga e agora se comunica normalmente.
Estímulo constante desde o berço
Desde o momento em que um bebê nasce, ele é imerso em um ambiente rico em estímulos linguísticos. Cada som, palavra e expressão facial oferece uma oportunidade para o desenvolvimento da linguagem, pois eles têm uma grande capacidade de absorver e processar informações linguísticas desde a barriga da mãe, influenciando no seu saber cognitivo, emocional e social.
As interações verbais entre pais e bebês são mais do que simples conversas. São elos essenciais na formação do pequeno cérebro em desenvolvimento. O ritmo, a entonação e a qualidade da interação têm um impacto direto no desenvolvimento da linguagem da criança, estimulando o crescimento e a expansão do vocabulário. Mesmo antes de pronunciarem suas primeiras palavras, os bebês estão absorvendo todo tipo de linguagem ao seu redor, sendo ela verbal ou não verbal.
O estímulo linguístico desde o berço vai muito além de simplesmente falar com o bebê. Envolve uma variedade de práticas que podem enriquecer a experiência linguística da criança. Ler para o bebê desde os primeiros dias de vida não apenas introduz novas palavras, mas também promove o vínculo emocional entre pais e filhos e estimula o desenvolvimento da imaginação e da compreensão.
Além da leitura, cantar para o bebê é outra maneira poderosa de estimular a linguagem. As melodias suaves e ritmadas das canções infantis capturam a atenção do bebê e oferecem uma oportunidade para explorar padrões de som, ritmo e entonação. Isso não apenas ajuda no desenvolvimento da linguagem, mas também promove habilidades de audição e reconhecimento de padrões.
É fundamental que pais, cuidadores e educadores reconheçam a importância do estímulo linguístico desde o nascimento e insiram na rotina práticas que promovam o desenvolvimento da linguagem desde os primeiros dias de vida da criança. Cada palavra, cada história, cada canção é uma oportunidade em potencial para construir uma boa comunicação.
O papel fundamental do ambiente escolar
Um dos aspectos primordiais no desenvolvimento da fala é a interação social. Conforme a pedagoga Silmara Roque, parte do pensamento intelectual de uma criança começa a se desenvolver somente a partir das interações com outras pessoas. Grande parte dos bebês, enquanto não inicia a vida escolar, convive apenas com adultos e não tem chance de se comunicar de igual para igual. “A escola oferece para essa criança oportunidades que talvez fora dela essa mesma criança não teria acesso”, diz a pedagoga. Mesmo que ainda não falem palavras propriamente ditas, as crianças estabelecem diferentes formas de comunicação, processo importante no aprendizado da linguagem.
Veridiane Carneiro, mãe de Ana Lívia, percebeu um grande avanço na comunicação de sua filha depois dela começar a ir para a escola. “A escola ajuda muito nessa questão da comunicação, (…) a professora vai ajudando a falar as palavras e a ter a dicção corretamente”, conta. Veridiane afirma que a escola é muito importante no desenvolvimento de uma criança, não só da linguagem. “Dentro de casa é uma comunicação, a partir do momento em que vai para a escolinha, você tem a comunicação com outras crianças, é necessário aprender a se comunicar com outras crianças e com a professora”.
Desde os primeiros dias na escola, as crianças são introduzidas em um universo de linguagem diversificada e estímulos verbais e não verbais. Segundo Silmara, são atividades pensadas para serem desenvolvidas no ambiente escolar que oferecem não só espaço para desenvolver a fala, mas também, raciocínio lógico, senso crítico, autoconhecimento e empatia. Para a pedagoga, “tudo isso contribui para que essa criança consiga cada vez mais compreender o seu papel dentro de um determinado contexto social. Então a liberdade de expressão deve ser constantemente trabalhada, principalmente no ambiente escolar, já que é ela que fará a criança desenvolver segurança ao expor seus pensamentos”.
O currículo escolar desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da linguagem das crianças. As atividades são planejadas para serem envolventes de acordo com a idade e oferecem oportunidades para explorar diferentes aspectos da comunicação. De acordo com o que Silmara explica, as atividades não podem parecer obrigatórias às crianças. Assim, as crianças podem aprender, geralmente brincando, a comunicar suas ideias de forma clara e eficaz em diferentes contextos.
Além disso, as interações sociais na escola são um terreno fértil para o desenvolvimento da linguagem. Na sala de aula e no parquinho, as crianças têm a oportunidade de praticar suas habilidades de conversação. Essas interações não apenas fortalecem a comunicação verbal, mas também promovem habilidades sociais, como empatia e cooperação. “Um espaço acolhedor, com direcionamento pedagógico e liberdade de expressão abrem o caminho das crianças”, finaliza a pedagoga.
Quando devo começar a me preocupar?
É fundamental que os pais e responsáveis estejam atentos a todos os sinais durante o desenvolvimento da criança. Se notarem algo diferente, é importante procurar orientação profissional para realizar uma avaliação completa para determinar se há um atraso na fala e identificar possíveis causas subjacentes, como problemas de audição ou atraso no desenvolvimento cognitivo.
Segundo a psicóloga Líbia Cosati, existem testes e instrumentos de avaliação específicos que podem ser utilizados para identificar possíveis dificuldades na comunicação de uma criança. Além disso, a observação do comportamento e interação da criança também é fundamental para avaliar seu desenvolvimento comunicativo. “Se houver a suspeita de atraso na comunicação é indicado buscar a avaliação de um profissional especializado, como um fonoaudiólogo, para realizar um diagnóstico e iniciar intervenções adequadas”, explica.
Há uma variedade de recursos e terapias disponíveis para ajudar crianças com atraso na fala a desenvolver suas habilidades linguísticas. A terapia fonoaudiológica, por exemplo, pode ajudar a criança a melhorar sua articulação, vocabulário e compreensão auditiva, auxiliando bastante na parte motora da fala. Existem também, terapias psicológicas, que auxiliam no desenvolvimento. A psicóloga explica que qualquer dificuldade em se expressar é trabalhada em conjunto com o desenvolvimento das habilidades sociais durante o processo terapêutico. “A terapia psicológica oferece um ambiente seguro e acolhedor para o desenvolvimento das habilidades de comunicação da criança, promovendo uma expressão saudável”, esclarece Líbia.
É importante ressaltar que nem todo atraso na fala é motivo de preocupação. Algumas crianças simplesmente desenvolvem habilidades linguísticas em um ritmo mais lento do que outras e acabam por desenvolver a linguagem em seu próprio tempo. No entanto, é fundamental estar atento aos sinais de que o atraso na fala pode estar afetando negativamente o desenvolvimento global da criança. Nessas situações, é importante intervir precocemente para fornecer suporte o adequado, ajudando assim, no pleno desenvolvimento da linguagem da criança.
Reportagem e Fotos: Heloisa Ribas Bida
Edição e publicação: Eduarda Kobilarz e Juliana Lacerda
Supervisão de produção: Ivan Bomfim e Gabriela Almeida