
Grades mentais: o desafio da saúde mental na prisão
Realidade do cárcere afeta na saúde psicológica das pessoas privadas de liberdade
| Por Joyce Clara
A saúde mental no sistema prisional brasileiro é uma questão desafiadora, com um ambiente marcado por superlotação, abandono, violência estrutural e escassez de recursos. Situação que afeta não só as pessoas privadas de liberdade como também os policiais penais e outros profissionais envolvidos.
A Penitenciária Estadual de Ponta Grossa conta com uma equipe de saúde multidisciplinar: um médico clínico geral, duas enfermeiras com uma estagiária por plantão, um psicólogo em estágio e um médico psiquiatra. Além disso, alunos do último período de psicologia realizam algumas atividades, com vínculo de projetos em conjunto com uma universidade particular. O monitor de ressocialização prisional, Paulo* trabalha na área há três anos. Sua função envolve recebimento, saída e movimentação de presos, revista de celas, visitas com advogados, trabalho interno e na escola, entre outros. Paulo avalia a saúde mental dos detentos como estável, porém destaca que o abandono das famílias é uma situação que pesa para as pessoas privadas de liberdade. O profissional ainda relata que presos que fazem
uso de medicamentos psiquiátricos controlados, também em consequência são levados ao uso de entorpecentes.
Outro aspecto é como a relação entre funcionários e as pessoas privadas de liberdade afeta a saúde mental. Ele relata que as inspeção nas celas, ou a revista coletiva nas galerias, aumenta a tensão entre os grupos, por conta dos itens ilícitos que são encontrados e retirados. O tempo ocioso também é um fator, Paulo percebe que aqueles que não possuem uma atividade, de ressocialização ou trabalho, costumam ter um comportamento mais afetado na saúde mental, enquanto os que possuem ocupações possuem um comportamento tranquilo.
“A saúde mental ainda é um desafio a ser enfrentado pelo sistema, onde deveria ter mais profissionais atuando em conjunto com policiais e monitores”, afirma. Paulo observa que o atendimento deveria ser realizado com a inclusão de atividades entre profissionais de saúde mental e grupos de detentos, para amenizar os problemas de saúde mental, o que ajudaria na volta dessas pessoas para a sociedade.
Os impactos na saúde mental
Apesar de existir uma resolução do Conselho Nacional de Política Criminal no Brasil que estabelece regras para o tratamento de pessoas privadas de liberdade, as cadeias públicas possuem problemas que vão contra requisitos mínimos, como a produção de um relatório estatístico sobre a saúde mental no cárcere e o fortalecimento de uma Rede de Atenção Psicossocial, deixando-os em situações precárias que agravam as condições de saúde mental.
Segundo a Resolução n° 14 de 1994, a pessoa privada de liberdade tem direito à cama individual com roupas lavadas e trocadas regularmente e atender às condições do clima, para garantir uma superfície mínima, volume de ar, calefação e ventilação.
Porém, em 2023, segundo dados da Defensoria Pública do Paraná, as instituições prisionais estaduais estavam com cerca de oito mil pessoas a mais do que o comportado pelos locais. Ponta Grossa é um dos exemplos de superlotação: a Cadeia Pública Hildebrando de Souza, na época, estava com 248 pessoas a mais do que a estrutura comporta. A superlotação permanece em 2025. Esse é um fator que afeta a saúde física e mental das pessoas privadas de liberdade, uma vez que a estrutura não garante as condições mínimas.
Segundo informações disponíveis no site do DEPEN, o Paraná adotou um método chamado de Terapia de Exposição Narrativa, coordenado pela pós-doutoranda Glaucia Orth, que treina servidores para aplicar a terapia dentro dos presídios, com o objetivo de reduzir agressividade, tratar traumas e diminuir a reincidência criminal.
Criado pelo Ministério da Saúde e aderido pelo Paraná em 2014, as políticas buscam ampliar os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) aos detentos. A implementação ainda enfrenta desafios práticos, como falta de equipes multiprofissionais completas e infraestrutura precária em diversas unidades prisionais do Paraná.
Saúde do Servidor Penitenciário
Criado em 2020, o Programa de Atenção à Saúde do Servidor Penitenciário oferece acompanhamento psicológico dos servidores da Polícia Penal. Os servidores podem participar de forma voluntária, mas podem ser encaminhados por colegas ou pela chefia se passam por alguma situação de grande impacto na saúde mental. Além disso, são promovidas campanhas, palestras e eventos, buscando sensibilizar sobre o tema.
Desenvolvido pela Secretaria de Segurança Pública, o programa Prumos oferece, desde 2021, suporte à saúde mental dos servidores e familiares, ao considerar as situações de tensão vividas pela profissão. Em janeiro de 2024, em dados disponíveis pela Agência de Notícias do Paraná, foram realizados 90 mil atendimentos sobre qualidade de vida, manejo do estresse e prevenção ao assédio. O cuidado com a saúde mental dentro das prisões ainda é secundário em relação aos desafios estruturais do sistema carcerário. No entanto, como mostram experiências em Ponta Grossa e no Paraná, iniciativas voltadas à saúde mental podem ser a chave para romper o ciclo da violência. Porém, ainda há a necessidade de fortalecer essas políticas, tanto para quem vive no cárcere quanto para os servidores.
*Nome fictício a pedido do entrevistado
Reportagem: Eder Carlos
Imagem: Victor Schinato
Edição e Publicação: Iolanda Lima, Ana Beatriz, Eduarda Macedo.
Supervisão de produção: Manoel Moabis e Aline Rios