Ida a mosteiros serve para visitar o interior de si mesmo
Num dos pontos mais altos dos Campos Gerais, é possível ouvir a voz de seus
próprios pensamentos
O monasticismo, por definição, é uma prática voltada para a abdicação dos objetivos comuns dos homens em prol de uma vida estritamente religiosa. A vida monástica remonta aos começos das práticas de fé organizadas no mundo, mesmo que não se encontrem registros oficiais dos primeiros adeptos. Dentro da doutrina cristã, é considerado monge todo homem ou mulher que destina sua vocação e esforços a Deus, tendo como objetivo viver segundo os preceitos de Jesus Cristo, buscando alcançar a vida eterna.
Pouco se fala sobre o assunto, mas a cidade de Ponta Grossa é pioneira nas experiências monásticas no Brasil. Em 1981, monges de São Paulo chegaram aos Campos Gerais com a proposta de iniciar uma comunidade. Dois anos depois, por meio de doações, começou a construção do primeiro mosteiro da região, em um terreno próximo a Vila Velha. Mais dois anos se passaram até a inauguração oficial, que permanece em atividade.
Localizado na saída da rodovia em direção à Londrina, o Mosteiro da Ressurreição de Ponta Grossa vive de acordo com um dos principais pilares da vida monástica: um local de contemplação do mundo exterior e de acentuação do recolhimento próprio. A reportagem realizou uma visita ao Mosteiro da Ressurreição para experienciar uma tarde de imersão.
Para ir ao Mosteiro, é preciso estar com a mente e o coração abertos para a vivência que a abadia pode proporcionar. É um local sagrado, no qual somos convidados por Deus a entrar. Até mesmo os mais céticos precisam deixar de lado suas crenças para absorver uma experiência como esta.
A chegada ao Mosteiro entrega que estamos afastados de Ponta Grossa, mesmo que o trajeto da rodovia até ele seja de apenas dez minutos. Logo na entrada, o som de pelo menos três pássaros de espécies diferentes indica que o ambiente permite uma vivência da natureza que a cidade jamais permite alcançar. Respirar fundo faz parte da experiência, até mesmo o ar do local parece diferente, mais leve.
Sou recebida pelo monge Reginaldo, que primeiro apresenta a capela do Mosteiro. Ele explica que não é comum uma movimentação grande como neste dia, apesar de parecer ter pouca gente no local: contando comigo, mais cinco pessoas estão sentadas em oração. “Uma família, de Arapongas, que veio passar o final de semana na Casa do Viajante”, conta Reginaldo.
A Casa do Viajante é nossa próxima parada. As paredes são amarelas e logo na entrada é possível ler uma placa entalhada na madeira com a frase “O hóspede e o peregrino serão recebidos no mosteiro como o próprio”, referindo-se a Jesus Cristo. O espaço tem quatro quartos, pequena cozinha e varanda. Levo um susto ao ouvir o barulho de um aparelho eletrônico. Olho para os lados e não encontro nenhum. Percebo então que é meu próprio celular apitando, quebrando a barreira do silêncio local com um utensílio (indispensável?) da vida moderna.
A impressão que fica é de aconchego, com aparência de lar. Pergunto o valor da estadia e me surpreendo com a resposta: “É você quem define. Cada peregrino fica o tempo que precisa e contribui com o que pode”, diz o monge. Penso no quanto posso pagar por um local como aquele.
Ao lado da Casa, me deparo com uma árvore grande que cobre toda a extensão do jardim. Segundo o monge, ela é a única que não foi derrubada na construção do Mosteiro, e simboliza a força de Deus para estabelecer o equilíbrio entre mente, corpo e espírito dos monges. “Aqui lemos, oramos e fortalecemos nosso relacionamento com Ele”, conta o monge Reginaldo.
A loja dos artesãos é nossa última parada. Velas, terços, estátuas e geleias são alguns dos produtos feitos pelos monges para comercialização. As primeiras me chamam mais a atenção, tanto pelo cheiro como pelo visual. Cada vela, de uma cor e de um tamanho diferente, recebe uma cinta metálica com imagem religiosa. O monge conta que as vendas garantem o sustento da vida no Mosteiro, além da caridade promovida pela instituição. Sensibilizada, compro uma vela para levar de presente para minha avó.
O Mosteiro ainda possui diversas outras áreas, como a cozinha, as salas de artesanato, os galpões dos animais, as estalagens dos monges e a clausura, local destinado à introspecção e silêncio absolutos. Este último local é o único vedado pela instituição às visitas, como uma forma de respeito àqueles que escolheram a vida monástica de reclusão total. Agradeço a gentileza de Reginaldo e marco uma segunda visita, para conversar com mais monges dispostos a compartilhar suas experiências.
Saio de lá mais leve e com um bilhete dourado: a autorização para visitar outro mosteiro do município, local de imersão espiritual ainda mais afastado de Ponta Grossa do que este.
Novo Mosteiro, ainda inacabado
Pouca gente sabe que Ponta Grossa tem, na verdade, dois Mosteiros da Ressurreição. O primeiro, localizado na saída de Londrina, visitado no começo desta reportagem, é o mais conhecido pela população. Mas, recentemente, a mídia da cidade vem falando com mais afinco sobre a suntuosa construção no distrito de Itaiacoca e intrigando os ponta-grossenses curiosos como eu.
As notícias indicam que, logo mais, será possível visitar o Mosteiro da Ressurreição de Itaiacoca e, assim como o original, se hospedar e viver a experiência completa de um retiro. Decidi visitá-lo.
O dia estava ensolarado quando entramos no carro para realizar a viagem. Escolhi o sábado a partir da indicação do monge Reginaldo. “Quinze horas é o momento ideal para absorver a calmaria dos Campos Gerais”. De fato, a estrada estava tão vazia que foi possível contemplar a vasta paisagem da região sem nenhuma interferência de outras pessoas.
Saindo do ponto central de Ponta Grossa, a Catedral Sant’Ana, o trajeto até o Mosteiro da Ressurreição dura quase cinquenta minutos. São cerca de 40 quilômetros, dezoito por estrada de terra. Por volta do quilômetro trinta é possível avistar a construção. No alto de uma colina, uma casa branca chama a atenção. Percebo então pela localização no GPS que este é o Mosteiro, e conforme vou me aproximando, a estrutura parece aumentar de tamanho, cada vez mais.
Atravesso o primeiro portão e sou surpreendida com um rebanho de filhotes de ovelhas correndo em minha direção. Mais à frente, avisto bois e vacas deitados em volta de um lago. Um cachorro corre até meu pé e rola no chão. Em Itaiacoca, a vida é mais tranquila. É possível ouvir sons de animais dos quais nunca nem chegamos perto na cidade.
Atravesso o segundo portão e enfrento mais uma estrada de terra. Há poucos metros do Mosteiro, estátua de santo posicionada em cima de agrupamento de pedras guarda o local. Fecho os olhos e agradeço, sem saber exatamente o quê.
Ao chegar ao local, a surpresa: o Mosteiro não está nem perto de ter as obras finalizadas. Diferente das informações divulgadas, a estrutura ainda carece de acabamentos, móveis e, principalmente, pessoas. Só então percebo que não conversei com ninguém, o que faz com que eu tenha a sensação de estar em um casarão abandonado, mesmo que muito bem cuidado.
Apesar do receio, entro na construção. Olho para os lados e a única coisa que vejo são salas e mais salas vazias. As portas, porém, estão abertas, como se o local estivesse esperando minha chegada. Ao entrar na capela, outra surpresa: uma estrutura de mais de quinze metros de altura aguarda ansiosamente as preces de seus devotos. Qualquer palavra proferida no espaço ecoa pela construção. O teto, de madeira maciça, foi instalado. O chão, porém, segue cheio de pedras, cascalhos e entulhos de obra.
A natureza, contudo, domina as sensações. O Monge Reginaldo estava certo: no horário das 15 horas é possível contemplar os Campos Gerais em sua plenitude, seja pelos raios de sol que invadem a construção da capela pelas abóbadas recém revestidas de cimento, seja pela paisagem em tons de verde. Dali, não é possível dizer onde está Ponta Grossa. Reafirmo o que os monges alegam nas matérias sobre o novo Mosteiro: é um local de imersão completa. Num dos pontos mais altos dos Campos Gerais, consigo ouvir a voz de meus próprios pensamentos.
Saio da construção, após alguns momentos de reflexão. O que levaria alguém a visitar um local inacabado como este? Penso que a visita foi em vão, mas nada nessa vida verdadeiramente é. Percebo que, durante a meia hora em que estive ali, mesmo sem encontrar o que imaginava, percebi algo que nenhum outro lugar de Ponta Grossa pode proporcionar: a solitude plena.
Talvez seja esta a sensação que os monges tanto procuram e que muitos não conseguem compreender: a capacidade de interiorização, de refletir sobre as próprias vivências apenas consigo mesmo. Quando perguntei a Reginaldo se a vida como monge era solitária, longe de familiares e amigos, ele respondeu: “Nunca estamos totalmente sós. Estou com Ele e comigo mesmo, e para mim isso basta.” Hoje, após visitar o novo Mosteiro, consigo entendê-lo um pouco mais.
Ficha técnica:
Reportagem e imagens: Manuela Roque
Edição e Publicação: Manuela Roque
Supervisão de produção: Marcos Zibordi
Supervisão de publicação: Candida de Oliveira e Muriel E. P. Amaral