Inteligência Artificial: benefício ou ameaça?

Imagem: Sara Dalzotto.

Inteligência Artificial: benefício ou ameaça?

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“Ferramentas novas aparecem, mas as coisas vão se adaptando, umas ficam… Outras desaparecem”, expressa o cenógrafo Elio Chaves

Nos últimos anos a sociedade foi cercada por polêmicas e debates que circundam a temática das “Inteligência Artificial” (IA). De modo a contextualizar, pode-se citar alguns programas que ganharam força e reconhecimento, como o chat GPT que se popularizou em 2022 – ferramenta que possibilita a construção de textos com alguns comandos -, e o Vision AI , ferramenta do Google, conhecida pela criação de imagens. Em 2023, no Brasil, por exemplo, em resultado da possibilidade de substituição de profissionais por sistemas de IA capazes de imitar vozes reais, os dubladores se posicionaram por uma regulamentação do uso da tecnologia. 

De acordo com o professor e pesquisador de tecnologias digitais, Willian Fernandes Araújo, a Inteligência Artificial (IA) não é nova e sempre foi usada em diversas áreas, porém, atualmente, ela chegou com força na economia criativa em função das chamadas de generativas: um tipo contemporâneo relacionado à disponibilidade de dados. “Eu diria que no centro dessa tecnologia está o processo de utilização desses dados, para que ela aprenda a criar modelos estatísticos que possam ser replicados posteriormente”, explica. 

Sobre o avanço da tecnologia, observado principalmente no ano de 2022, o professor fala sobre a disponibilidade de funcionalidades que geraram muitas iniciativas. De acordo com Willian, as produções estão melhorando na qualidade de imagens, textos e até filmes, “superando algumas barreiras que antes eram um problema para a IA, como representação de pessoas e ambientes complexos”, relata. No âmbito cultural, Willian cita a dublagem e ilustrações. 

Segundo o professor de pós-graduação em comunicação e linguagem, Márcio Telles, a Inteligência Artificial gira em torno de uma base de treinamento, ou seja, computadores treinados a partir de um banco de dados formado por milhares de mídias do mundo digital. A partir disso, a ferramenta trabalha com uma espécie de busca pelas imagens e através de comandos e treinamentos do próprio usuário, o algoritmo constroi o produto desejado. De acordo com o pesquisador, a máquina dá resultados únicos, não conseguindo produzir duas vezes a mesma construção, mesmo que com comandos idênticos. “Ele não copia, ele destroi a imagem e depois se baseia por contornos”, explica. 

Neste sentido, o cenógrafo e ilustrador Elio Chaves, explica que para criar um padrão de ilustração através da Inteligência Artificial é difícil. “Você não consegue fazer com que tenha uma harmonia em um trabalho inteiro; um livro infantil por exemplo, tem de 12 a 15 ilustrações que precisam estar harmonizadas”, expressa. 

As produções culturais 

Aos 59 anos, Elio Chaves, cenógrafo e ilustrador, trabalha como artista há mais de duas décadas. Elio iniciou com produções orgânicas e recentemente tem explorado programas de edição de imagem e ilustração para suas artes digitais como o Photoshop, o Adobe Ilustrator e Corel Draw. No início, o ilustrador conta que relutou em trabalhar com os programas, “na época não havia facilidade para as pessoas migrarem para os programas, porque era uma linguagem muito diferente”, afirma. 

Elio diz não ter realizado produções através da IA: “não tenho ideia de como funciona, mas acho que é uma boa ferramenta, algo a mais para ampliar seu conhecimento, eu quero entrar nesse mercado e explorar isso”, confessa. Em relação aos programas digitais que tem acesso, Elio conta que “quando apareceu o photoshop, o pessoal achou que era o fim do mercado de ilustração”, já para ele são avanços que levam ao aprendizado. O mercado de ilustrações sempre foi escasso; mas hoje em dia, a demanda por produções é maior do que o número de pessoas que fazem o trabalho, isso para Elio também é um indicativo de que o mercado não vai acabar.

“Ferramentas novas aparecem, mas as coisas vão se adaptando, umas ficam… Outras desaparecem”, relata Elio. O que o preocupa é a questão de espaço de trabalho, o artista sugere que a automação das atividades diminui as vagas de emprego para profissionais. Os grandes estúdios de animação, por exemplo, contratam uma pessoa para cada processo, ou seja, uma para fazer os traços iniciais, outras que colorem, mais pessoas que preparam os movimentos. Porém, se esse mercado vier a dar preferência para as criações com IA, o que farão esses profissionais?

 Sobre isso, o pesquisador Márcio Telles diz que a IA é um problema do mundo do trabalho, ligado ao impacto que trabalhadores do ramo cultural poderão enfrentar: “se a empresa pode tirar o quadrinista profissional que desenha uma página a cada 20 horas e produzir por IA em um décimo do tempo por um décimo do custo, porque ela não vai usar?”, questiona. Com isso, Márcio considera que a ideia de aprendiz também está ameaçada, por exemplo num escritório de advocacia: “não preciso de estagiários para que eu fique lendo infinitas petições várias vezes até dizer ‘agora tá certo’, posso pedir para o chat GPT, porém o estagiário perde o aprendizado”, explica o pesquisador.

Diretor teatral, professor e escritor, Jester Furtado, iniciou no teatro aos 17 anos e nunca recorreu à IA para processo criativo: “quando a gente cria um texto, estamos recorrendo às nossas memórias afetivas, ou seja, aquilo com que a gente teve contato, com o que a gente sentiu de alguma forma, não é uma junção fria de informações”, relata. 

A artista mineira Sãmela Moreira, começou a produzir arte como forma de trabalho durante a graduação. Na época, começou com a aquarela, passou pela pintura em porcelana, e hoje em dia faz desenhos digitais. Sãmela gosta de dizer que trabalha em quaisquer tipos de superfícies. No entanto, a artista acredita que há importância em criar as artes sem a IA: “o processo criativo, independente da área, é como o artista expressa suas ideias, é como você externaliza o que você está pensando”, conta. 

Elio Chaves acredita que as produções feitas pela IA interferem na criatividade: “a ilustração se garante pelas sutilezas e ideias inovadoras, a IA por sua vez, só reproduz”. Guile Santos, músico e compositor de 36 anos, prioriza o uso de sons autorais. De acordo com ele, a composição musical mostra a personalidade do artista que é apagada quando feita com IA, ou seja, as músicas perdem sua autenticidade. Para o cantor, a parte autoral da produção, como a composição, é a “parte mais legal” na construção de uma música. “Eu prefiro que minhas produções sejam pela minha ótica, minhas experiências, quero canalizar isso em forma de música, não abro mão disso”, conta. 

E quanto ao futuro? 

Com relação ao futuro, os artistas divergem sobre a premissa de uma ameaça. “Eu não quero olhar assim, como artista quero sempre acreditar que nós traremos uma humanidade a mais para as produções”, explica Jester, e ainda relaciona com o surgimento da fotografia, “os pintores também ficaram assustados”. Para ele, a diferença do momento atual é a abrangência da tecnologia possibilitada pela IA para quase todas as áreas. 

Para Elio Chaves, os artistas não perderão seus espaços para as produções das IAs: “acho que ela não chega a interferir no mercado, é necessário ver o que é o mercado e onde você está nele, a ilustração é um produto caro”, explica. Nesse sentido, Elio acredita que as produções facilitadas pela IA forçam as produções orgânicas a serem melhores, como uma competição dentro do mercado, de certa forma. 

Sãmela acredita que algumas etapas do processo podem ser automatizadas, como a parte burocrática, e que isso implica na economia de tempo; assim, à considerar que a máquina dispõe de uma capacidade de produção rápida, para quem produz de forma orgânica, o tempo é, de fato, dinheiro. Jester, assim como Sãmela, tem suas próprias percepções em relação ao mercado: “é um ambiente difícil para a área cultural, porque as pessoas não querem pagar esses profissionais, então com a produção facilitada em mãos, será mais difícil permanecer no mercado”, desabafa o roteirista.

O pesquisador e jornalista, Leonardo Foletto, comenta que um dos dilemas éticos da construção de produtos culturais por IA é questionarmos “até que ponto vai a criação humana e até que ponto vai a criação maquínica”. De acordo com o pesquisador, nós já utilizamos sistemas técnicos no processo de criação, como o computador para produzir música. No entanto, a discussão aponta que agora esses sistemas se automatizaram mais, portanto “ é como se a porcentagem de componentes maquínicos na produção de uma música passasse a ser muito maior do que antes”, compara.

Com essa ideia, Foletto explica que os direitos autorais em produtos construídos pelas Inteligências são consensuados de autoria do artista que realizou os comandos, uma vez que as máquinas não tem propriedade intelectual. Ele ainda explica que existe um problema maior que a ideia de autoria: “o input, ou seja, as informações que abastecem essas inteligências artificiais (…) são dados engolidos da internet, e fez isso sem pedir autorização para os sites, o que desrespeita licenças”. Portanto, ele debate sobre como a Inteligência Artificial pode se apropriar das informações, de quem elas são e a raspagem que o sistema realiza para produzir novos materiais, e em cima disso poder lucrar.

O ilustrador Elio Chaves afirma que os artistas se preocupam com direitos autorais apenas há pouco tempo, “havia pouca importância no passado, isso mudou quando o mercado passou a ser mais consumidor desses produtos”, comenta. Para o artista, hoje os fotógrafos e os ilustradores são os que mais sofrem com a situação, porque as fotografias e as ilustrações, por exemplo, acabam se tornando “terra de ninguém” no meio digital, em que é comum a comercialização dos produtos sem que sejam oferecidos os devidos créditos às mesmas.

Reportagem e Fotos: Kailani Czornei e Sara Dalzotto

Edição e publicação: Heloisa Ribas Bida e Juliana Lacerda

Supervisão de produção: Ivan Bomfim e Gabriela Almeida


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