Intolerância religiosa subiu aos palcos no 35º FUC
Das 12 composições apresentadas, duas delas de cunho religioso africano não foram cantadas pelo Coro Cidade de PG, e uma delas foi premiada
Quem nunca sentiu nervosismo ao realizar alguma apresentação que atire a primeira pedra. Quando você está no lugar exato para começar, surge aquele último suspiro antes do início da apresentação que pode mudar a sua vida. Essas foram uma das sensações dos grupos musicais que se apresentaram no 35º Festival Universitário da Canção (FUC), realizado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no dia 17 de junho, no Cine-Teatro Ópera. Aquele sábado foi marcado na memória das mais de 700 pessoas que compareceram ao festival. Porém, para alguns, a noite trouxe um sentimento de injustiça.
Ao todo, 12 canções competiram no festival. Dessas, duas tratavam sobre religiões de matriz africanas. As músicas em questão são a do grupo Samba Com Dendê, intitulada como “Samba de Terreiro” e da banda Chave de Mandril, “Bate Palma”. Ao anunciar os vencedores da noite, o Coro Cidade de Ponta fez homenagem às músicas apresentadas no dia. Porém, somente duas delas não chegaram a ser ecoadas. Quais eram as músicas? As mesmas que falavam sobre intolerância religiosa.
Bate Palma
Liderado pelo vocalista Rômulo André, a banda Chave de Mandril trouxe a canção inédita, intitulada como “Bate Palma”. O trecho “Não tenha medo, jogue o preconceito, só peça licença pra entrar. A minha fé é a mesma que a sua, teus santos são meus orixás” mostra como as religiões de matrizes africanas sofrem preconceito apenas por existirem. “A letra trata sobre o processo de resistência que esses lugares religiosos enfrentam na cidade. Aqui, existem mais de 5 mil terreiros e centros, é muita gente, porém, se subentende que é um tema obscuro devido ao preconceito”, reflete Rômulo. Quando questionado sobre a situação que envolveu o Coro Cidade de Ponta Grossa não ter cantado estas duas músicas, Rômulo diz não entender a situação até hoje e afirma que não recebeu justificativa para não ter sua música cantada.
Samba de Terreiro
A inspiração para a música foi um ataque sofrido por um integrante do grupo durante uma apresentação em um bar da cidade. Segundo Bryan Moreno, compositor da canção e vocalista do grupo, um homem atacou a banda com pedras, devido ao som do batuque que realizavam no dia. “Quando eu estava compondo a música, eu pedi para os orixás que me dessem uma luz, daí veio a letra que mostra exatamente o que somos, a pura resistência”, revela o cantor.
Da dor, nasceu a canção apresentada no festival. O integrante e idealizador do grupo Samba com Dendê, Vitor Santos, afirma que não foi a primeira vez que sambas que tratavam sobre questões de intolerância religiosa e racismo foram boicotadas pelo FUC. “Toda vez que um preto inscreve um samba no festival, ele é boicotado. Muitas vezes nem chega a se apresentar e quando chega, acontece o que aconteceu com a gente”, afirma Vitor.
Bryan encara a situação como silenciamento, tanto da religião como da cultura de matriz africana. “Isso não é vitimismo, porque a galera aplaudiu a gente de pé, a gente achou que pelo menos um terceiro lugar a gente ia pegar, mas mesmo que o pódio não viesse, o que foi o caso, a gente já tava feliz de estar lá. Porém, a única coisa que ganhamos foi preconceito e isso machucou”, desabafa. Vitor, idealizador do grupo, ainda completa que eles fizeram o papel deles. “Os aplausos de pé ninguém pode tirar da gente”. Como a própria canção do grupo samba com Dendê fala: “Contrariando a teoria no samba , a família botou banca e voltamos a cantar”
Resposta a intolerância religiosa
A UEPG publicou uma nota no dia 21 de junho de 2023, quatro dias depois do 35º FUC, como pedido de desculpas ao grupo Samba como Dendê e banda Chave de Mandril. Segundo a nota, “pedimos desculpas pela execução sem letra das canções de matriz africana pelo Coro Cidade de Ponta Grossa. Independentemente do argumento artístico e do respeito que temos pelo maestro e pelos coristas, a UEPG enfatiza que a exclusão foi incompatível com os princípios da instituição”.
A reportagem tentou contato com o regente do Coro Cidade de Ponta Grossa, Edi Marques, para entender o motivo do coral não ter cantado ambas as canções no dia. Porém, não teve retorno. O mesmo ocorreu com o Secretário da Cultura da cidade, Alberto Portugal, que também não deu explicações sobre a escolha do repertório cantado no dia do 35º FUC.
Ficha técnica
Reportagem: Leriany Barbosa
Foto e áudios: Bandas Chave de Mandril e Samba com Dendê
Edição: Marcella Panzarini e Tamires Limurci
Publicação: Catharina Iavorski
Supervisão de produção: Luiza Carolina dos Santos
Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira e Muriel E.P. Amaral