O anonimato do Dark Turismo no Brasil
Eventos históricos, políticos e monumentos arquitetônicos vistos por um outro olhar no turismo
Ruínas, casas abandonadas, campos em que ocorreram conflitos, cemitérios, monumentos históricos… Esses são alguns locais que podem ter histórias assustadoras, sejam elas reais ou fictícias. Esse fato pode ser visto como um tabu para determinados públicos, mas, para outros, pode ser um objeto de interesse para explorar o Dark Turismo e se conectar com a cultura de um determinado local de um modo diferente. O interesse desses grupos se relaciona, principalmente, se essas histórias cruzarem com o mundo esotérico.
O Dark Turismo é classificado pelas autoras Luana Aparecida Trzaskos e Márcia Dropa como um segmento do meio turístico que se classifica como Turismo Cultural. Para elas, o seu atrativo não possui relação com a natureza. O conceito está relacionado a aspectos da cultura humana. Em sua pesquisa, as autoras destacam que o Dark Turismo é uma experiência turística diferenciada, pois as visitas têm como destino os locais incomuns, que muitas vezes despertam medo e repulsa, por se tratar de lugares que envolvem tragédias e mortes. Para melhor compreender este segmento, de acordo com o Ministério do Turismo, o turismo cultural associa-se às atividades turísticas que são relacionadas à vivência de um conjunto de elementos que envolvem patrimônio histórico e cultural e eventos culturais. Desta forma, o Turismo Cultural tem como objetivo valorizar e promover os bens materiais e imateriais da cultura.
Segundo o artigo “Dark Turismo: uma abordagem sobre os cenários mundiais”, de Trzaskos e Dropa, o Dark Turismo pode ser considerado como uma ramificação cultural, pois trata-se de patrimônio histórico e cultural e eventos culturais, os bens materiais e imateriais, que resgatam a memória e a identidade da comunidade local. Estes bens podem apresentar valor histórico, artístico, científico e simbólico. Desta forma, estão sujeitos a se tornar atrações turísticas na forma de arquivos, edificações, conjuntos urbanísticos, sítios arqueológicos, ruínas, museus e outros espaços.Além de manifestações como música, gastronomia, artes visuais e festas.
A professora do curso de Turismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Sandra Dalila Corbari, explica que o Dark Turismo, diferente dos outros segmentos do Turismo, não foi criado para ser ‘vendido’.Inclusive, o termo surgiu de forma espontânea na cultura popular. “Ele não surgiu no meio acadêmico, mas no cotidiano das pessoas, por meio da indústria jornalística para remeter a locais que tinham uma história sombria e isso chamava a atenção das pessoas. Elas se sentem instigadas a visitar esses locais por conta desse aspecto sombrio”. Corbari conta que esse aspecto sombrio está associado a locais que têm relação com morte ou tragédia, sejam essas mortes reais ou fictícias.
Corbari relata que por se tratar de um termo que surgiu recentemente ainda são escassas as pesquisas que estudam esse meio. “É um campo que ainda está em construção cientificamente, e se as pessoas forem pesquisar comercialmente um roteiro de Dark Turismo, são muito poucos os lugares que se vendem dessa forma”, diz.
A professora de Turismo da UEPG conta que entre os lugares do estado do Paraná que se encaixam no Dark Turismo estão os cemitérios, em específico, os de Curitiba,a Fazenda Capão Alto em Castro e o Panteom dos Heróisna Lapa. Para Sandra Dalila Corbari, estes são destinos que poderiam ser tratados para abordar e dar mais visibilidade ao Dark Turismo no estado. Corbari cita que Curitiba é um dos exemplos mais estruturados quanto ao Dark Turismo, principalmente, pelos seus tours tanto diurnos quanto noturnos nos cemitérios, que são agendados com a fundação cultural do município.
Corbari relata que o dark turismo possui uma vertente cultural e histórica. Pode ser atrelado a tragédias naturais como a erupção do vulcão Vesúvio em 79 d.C., que destruiu Pompéia e as ruínas recebem visitas até os dias de hoje. Além das tragédias culturais que são causadas pelo ser humano como, por exemplo, o campo de concentração nazista Auschwitz em que 1,2 milhão de pessoas foram mortas e também é um local de visitações.
A professora menciona que o pesquisador Philip Stone classifica o dark turismo em sete segmentos. O primeiro é a fábrica de diversão macabra, que são espaços que são criados comercialmente com o intuito de vender um entretenimento macabro como, por exemplo, os túneis ou casas de terror em que as pessoas compram ingressos para ficar fugindo de atores. O segundo são as exibições e, nesse segmento, entram os museus dedicados a determinado tema ou exposições temáticas que são temporárias. De acordo com a professora, no Brasil, a cidade de Barbacena, em Minas Gerais, tem uma história em volta do Hospital Colônia, que era um hospital psiquiátrico. O local ficou conhecido por manter seus pacientes sob condições desumanas e muitos chegaram a morrer. A cidade tem o museu da loucura para exibir essa história pesada. O terceiro são as masmorras, que são as antigas prisões e os antigos tribunais e tudo que tem relação com aspectos penais. Como, por exemplo, a Austrália tem um patrimônio mundial que são um conjunto de antigas prisões em que as pessoas do império mandavam prisioneiros para ficarem isolados.
O quarto segmento e o mais conhecido são os lugares de descanso em que entram os cemitérios e mausoléus. Por quinto requisito tem os santuários como, por exemplo, quando acontece alguma tragédia em um local e as pessoas começam a fazer homenagens para os mortos. Um lugar bem emblemático é onde ocorreram os ataques às Torres Gêmeas em 11 de Setembro de 2001. Até os dias de hoje, existe um memorial em que pessoas deixam flores e velas em homenagem às vítimas do ocorrido. O sexto segmento são os campos de batalha em que houveram guerras e conflitos. E, por último, de acordo com Corbari, o que Stone considera como a escala mais obscura do dark turismo são os campos de genocídio como o próprio campo de Auschwitz citado anteriormente.
Visitas ao Cemitério Municipal São Francisco de Paula em Curitiba
A diretora do Departamento de Serviços Especiais da Prefeitura de Curitiba, Clarissa Grassi, conta que as visitas ao Cemitério Municipal São Francisco de Paula iniciaram em 2011 durante a Corrente Cultural. A atividade era realizada por Grassi de forma voluntária até que, em 2017, ela foi contratada pela prefeitura de Curitiba, que passou a ofertar as visitas. Até metade do ano de 2019, ela trabalhou na Fundação Cultural. Depois assumiu o Departamento de Serviços Especiais, responsável por administrar os cemitérios do município.
Para Grassi, o que desperta o interesse das pessoas em visitar cemitérios é a curiosidade por se tratar de um lugar que é envolto em muito tabu. “Eu acredito que a gente vive um momento de certo modismo nessa questão da visitação em cemitérios. É uma pauta que está mais em alta nos últimos anos. Isso faz com que as pessoas realizem a visitação com um olhar mais patrimonializado”, relata. A diretora do Departamento de Serviços Especiais também diz que há pessoas que têm o hábito de visitar cemitérios por conta própria quando viajam para lugares diferentes. Porém, ainda é um número pequeno de casos. Ela fala que, no Cemitério Municipal, as pessoas têm muita curiosidade pelo fato de muitas das visitas serem feitas no período da noite, o que traz uma aura de suspense e em noite de lua cheia.
Grassi ressalta que a visita ao Cemitério Municipal São Francisco de Paula é um jeito indireto de você conhecer a história da cidade de Curitiba e das personalidades que estão sepultadas no local. Durante a visita, a profissional transita por muitos temas de formas diferentes como, por exemplo, a arquitetura, a simbologia presente nos túmulos, a própria biografia das pessoas que estão sepultadas e a geologia. Para Grassi, muito mais do que algo voltado ao turismo, ela acredita que as visitas são um modelo de educação patrimonial. De acordo com a profissional, no ano passado, o número de visitantes foi cerca de 1.250, mas desde que as visitas passaram a ser ofertadas pela Prefeitura em 2017, já foram mais de 10 mil visitas.
Clarissa Grassi confessa que é muito reticente em usar a denominação de dark turismo porque ela considera muito exagerado. “O termo dark turismo, pra mim, é você ir num campo de concentração ou visitar um lugar de um massacre. Quando você visita o cemitério, você não visita uma pessoa morta.Você visita a arquitetura dele, o acervo escultórico”, conta. A paranaense Carolina Teles conta que já teve a oportunidade de visitar dois cemitérios: um na Argentina, o Cemitério da Recoleta, e outro nos Estados Unidos, mas ainda não teve essa experiência no Brasil. Para Caroline, visitar cemitérios é uma forma diferente de conhecer e ter acesso à cultura e a história do lugar. Teles explica que, em sua opinião, considerar cemitérios como pontos turísticos é algo cultural e que, no Brasil, as pessoas não possuem o hábito de considerar o cemitério como um local de contemplação.
Para quem gosta de viajar e se interessa pelo Dark Turismo, os projetos Catamaran Assombrado de Recife e SP Haunted Tour de São Paulo são uma forma diferente de conhecer lugares e eventos históricos das cidades por meio de um trajeto temático que pode se cruzar com o mundo esotérico por meio de lendas e histórias.
Reportagem e Fotos: Tayná Landarin
Edição e publicação: Gabriela Oliveira e Juliana Lacerda
Supervisão de produção: Ivan Bomfim e Gabriela Almeida