O enigma para a identificação do Transtorno Afetivo Bipolar (TAB)
Por que o diagnóstico de TAB é tão difícil?
Como explicar o transtorno afetivo bipolar (TAB)? Bem, você irá encontrar essas respostas ao decorrer do texto, vai ler sobre as fases de humor que transitam em um ciclo de euforia e tristeza profunda, entre outras informações sobre a bipolaridade. Mas como é viver isso na pele? Segundo o relato de uma das autoras desta matéria, é como estar em uma montanha russa emocional sem freios, tudo é imprevisível, ao mesmo tempo que também existe um padrão de humor, entre a fase maníaca e a depressão. É como viver sem identificar as próprias emoções, já que tudo é sobre um desses estados, como se fôssemos movidos por ele. Independente da realidade em que estamos, nós, pessoas com transtorno bipolar, teremos nosso comportamento e personalidade atrelados ao humor. Por exemplo, tudo pode estar perfeito na vida de quem tem TAB, nos relacionamentos, nos estudos, mas se estivermos em fase depressiva não conseguiremos enxergar nada disso.
Conforme a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES), o TAB envolve mudanças bruscas de humor, que alternam-se entre períodos de euforia e depressão. O primeiro pode ser dividido entre “mania” e “hipomania”, conforme a intensidade ou a prevalência dos sintomas mistos. Além disso, os indícios de euforia incluem hiperatividade, sensação exagerada de bem-estar, aceleração de pensamento e fala, entre outros. O quadro depressivo é caracterizado por diversos sintomas, como: tristeza, apatia, alterações de apetite que resultam em perda ou ganho de peso excessivo, isolamento, entre outros.
O Ministério da Saúde ressalta que o TAB está relacionado à interação entre fatores biológicos, neuroquímicos e psicossociais/ambientais e também explica que a duração dos períodos podem variar de dias, até meses. Segundo a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), a causa do TAB ainda é desconhecida, mas estudos apontam que a origem da doença está associada a alterações em determinadas áreas do cérebro, e nos níveis de alguns neurotransmissores, como noradrenalina e serotonina.
Diagnóstico equivocado
De acordo com a BVS, o diagnóstico de TAB costuma ser difícil e demora cerca de dez anos para ser estabelecido. A demora acontece por conta dos tratamentos equivocados, falta de comunicação entre os profissionais envolvidos, desconhecimento da doença (sintomas parecidos com outras doenças), auto estigmatização, etc. A ausência de resposta de tratamentos antidepressivos e histórico familiar são um dos principais fatores que podem confirmar o TAB.
A psicóloga Camila Silveira Camargo explica que o diagnóstico é desafiador, devido à sua natureza volátil e à sobreposição de sintomas com outras condições. “Não há um exame físico específico para confirmar o diagnóstico, tornando-o predominantemente clínico”. Outro elemento que pode dificultar o processo, é a presença de outras comorbidades que podem “mascarar” ou tornar confusos os sintomas, como por exemplo, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e o Transtorno de Personalidade Limítrofe (Borderline). Além disso, Camargo destaca que a resistência por parte do paciente pode dificultar a compreensão do caso, o que acrescenta outra camada de desafio ao processo.
A psicóloga também comenta sobre as ferramentas utilizadas para auxiliar no diagnóstico preciso do TAB. “Existem vários métodos, como a anamnese: entrevistas clínicas estruturadas ou semiestruturadas com o paciente e seus familiares, para coleta de informações; questionários e escalas de avaliação; diário de humor para conseguir acompanhar oscilações de humor; exames médicos para descartar outras condições médicas e que podem estar contribuindo para o surgimento dos sintomas; avaliação neuropsicológica, a qual é realizada através de testes e uma equipe multidisciplinar, para que haja melhor compreensão do quadro.
Segundo a psicanalista Ana Carolina Almeida de Oliveira, na análise lacaniana o foco do tratamento está na investigação dos significantes, que estruturam o sujeito e as relações dele com o outro, para buscar compreender como esses significantes se manifestam nos sintomas bipolares. Assim, a análise ajuda o paciente a explorar e elaborar esses conflitos, com novas formas de lidar com eles, além das estratégias sintomáticas.
Oliveira acrescenta que, na psicanálise, os sintomas do TAB são vistos como formas simbólicas de expressar conflitos internos profundos, que estão além do controle consciente da pessoa. Como se esses sintomas, fossem como palavras em uma linguagem complexa do inconsciente. “Os altos e baixos emocionais que uma pessoa experimenta, são como frases que tentam comunicar algo que acontece profundamente dentro delas, algo que pode ser difícil de entender apenas olhando para a superfície”, explica. Para ela, o trabalho do psicanalista é ajudar a pessoa a decifrar essas “frases”, a entender o que elas dizem sobre seus sentimentos e enxergar experiências mais profundas, para que possam lidar com eles de forma mais saudável e adaptativa.
Experiências
Maria Clara Sebben, estudante de jornalismo da Universidade Estadual de Santa Catarina, de 22 anos, frequenta psicólogos desde os 14, porém, foi diagnosticada com TAB apenas dois anos atrás. Segundo a jovem, ela sempre passou por fases de tristeza e de euforia sem motivo aparente, mas como não eram tão intensas quanto a de alguns parentes próximos, diagnosticados com TAB, Maria Clara nunca pensou que pudesse ter o mesmo transtorno que eles.
Sebben relata que seu principal desafio nesse processo de diagnóstico, foi ter encontrado diversos profissionais que não sabiam como ajudá-la e não traziam exatidão a respeito de qual transtorno ela tinha. “A primeira reação deles era sempre tentar contornar os sintomas, mas nunca investigar de onde vinha. Falavam que eu estava ansiosa ou deprimida, mas eu continuava sentindo que algo estava errado”, afirma. De acordo com a jovem, os sintomas que sente sempre foram descritos com clareza, desde a adolescência, e que, apesar de conhecer a bipolaridade, os psicólogos e psiquiatras que ela teve contato nunca deram indícios que seus sintomas se tratavam de TAB.
Então, em 2022, Sebben foi a uma consulta psiquiátrica após o falecimento de uma amiga e iniciou o tratamento com antidepressivo sem ainda ter o diagnóstico correto de TAB, o que desencadeou uma fase hipomaníaca e a fez ficar ansiosa e agitada. “Foram dois meses assim, até que entrei em uma crise de depressão profunda. Fiquei de cama, tendo enormes dificuldades de ir para a aula e fazer atividades do dia a dia, sentindo apatia e frustração”, relata. Depois de três meses, Maria foi novamente ao psiquiatra e, depois de algumas consultas, recebeu finalmente o diagnóstico de bipolaridade. Segundo ela, o efeito que o remédio causou no organismo, foi um sinal para que o psiquiatra investigasse melhor a periodicidade de seus sintomas.
Andreia Teresa Monigate, de 39 anos, recebeu um diagnóstico errado de TAB e explica como foi a experiência. “Eu já sabia que não era bipolar, então procurei outro profissional. Eu me sentia diferente, tinha um mix de emoções e muita intensidade, o que confundiu o profissional. O tratamento para TAB me causou fortes efeitos colaterais, tanto que acabei me afastando do trabalho, pois não conseguia realizar as atividades necessárias”, destaca. Além disso, Andreia comenta como se sentiu após receber o diagnóstico certo. “Descobri que tenho transtorno do espectro autista (TEA), e depois de começar o tratamento, senti menos culpa por ser diferente. Hoje, me sinto liberta e capaz de me aceitar, pois agora sei que é uma condição neurológica que já nasceu comigo”, desabafa.
Maria Gabriela Hanke, de 24 anos, também recebeu um diagnóstico errado de TAB e comenta sobre o impacto que isso causou nela. “Fiquei muito apática e perdi a libido. Além disso, meu quadro depressivo piorou e engordei 10kg em menos de um mês”, explica. Hanke diz que procurou outro profissional, o qual concluiu que ela tem TDAH. Além disso, ela afirma que os psiquiatras precisam compreender melhor os sintomas apresentados pelos pacientes, desta forma, o risco de diagnósticos errados será menor.
Além de psicóloga especializada em TAB, Lorna Alves também é uma pessoa diagnosticada com TAB. Lorna compartilha e aconselha quais relações devem ser priorizadas quando se é alguém que lida com esse transtorno. De acordo com seus conhecimentos como psicóloga, ela reforça que é essencial que aqueles que convivem com pacientes, que possuem bipolaridade, tenham paciência e empatia. “Muitas vezes a pessoa portadora irá agredir alguém próximo ou não, de maneira psicológica e em alguns casos de maneira física, sem ser de propósito ou sem ter consciência disso”, ressalta.
A respeito disso, Lorna Alves explica que, um dos piores efeitos do TAB é a agressividade, e que esse sintoma é a questão que mais faz o/a bipolar se afastar de sua humanidade e que faz com que as pessoas percam a empatia por ele/a. Então, a psicóloga conclui que tentar entender esse mecanismo presente no distúrbio, é o maior ato de amor que uma pessoa pode fazer pelo ente querido.
O TAB ainda não possui uma cura, mas pode ser controlado. De acordo com a BVS, o tratamento é individual e pode ser realizado com o auxílio de medicamentos, psicoterapia, e mudanças de estilo de vida, como uma alimentação equilibrada e a prática regular de exercícios físicos, além da diminuição do consumo de substâncias psicoativas (cafeína, anfetaminas, álcool e cocaína). O tratamento correto é fundamental para que o indivíduo tenha mais controle de seus pensamentos e emoções, além do aumento de chances da redução de crises, suicídio e intensidade dos períodos.
Reportagem e Foto: Rafaela Colman e Manuela Rocha
Edição e publicação: Daphinne Pimenta e Heloisa Ribas Bida
Supervisão de produção: Ivan Bomfim e Gabriela Almeida