Saiba como diferenciar a transição de gênero da redesignação de sexo

Saiba como diferenciar a transição de gênero da redesignação de sexo

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Algo que um vereador de Ponta Grossa não soube fazer ao criar o PL 40/2023

 

Ponta Grossa é sinônimo de conservadorismo. Ao menos uma vez por mês, a Câmara de Vereadores do município pauta assuntos ligados à ideologia de gênero, ou questões sexuais, a fim de destacar tudo que vai contra a bancada conservadora. No fim do segundo mês de 2023, o vereador Leandro Bianco (Republicanos) propôs o Projeto de Lei (PL) 40/2023, que tem por objetivo proibir hospitais, clínicas e estabelecimentos correlatos de realizarem ou custearem tratamento hormonal e/ou procedimento cirúrgico para a mudança de sexo ou gênero em menores de 18 anos em Ponta Grossa. Mas, tais procedimentos não são realizados em menores de idade no país e muito menos na cidade.

O vereador justificou que crianças de 4 anos estão fazendo cirurgia de mudança de sexo em hospitais públicos. O que também não é verdade. Ao idealizar o PL, Bianco utilizou como base os procedimentos realizados em crianças e adolescentes no Hospital das Clínicas (HC), da Universidade de São Paulo (USP). Na verdade, o vereador não entendeu que a transição de gênero é mais do que a cirurgia ou o bloqueio hormonal, ela implica também o acompanhamento psicológico. A reportagem da Nuntiare questionou o vereador sobre as contradições do PL, porém não obteve retorno até o momento.

Procedimentos presentes na transição

No Brasil, o processo de transição de gênero é oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para pessoas de todas as idades. Como primeiro passo, vem o atendimento psicológico e o bloqueio da puberdade, com medicamentos para a inibição hormonal. Essa fase pode ser realizada dos 9 aos 14 anos e é reversível.
A segunda fase só é realizada em pessoas com mais de 16 anos, que é a hormonização com remédios que causam a modificação no corpo da pessoa. Mas nem toda pessoa que se identifica como transexual passa por essa etapa. No Brasil, é preciso ter mais de 18 anos para optar pela redesignação de gênero e a cirurgia em definitivo ocorre somente em pessoas maiores de 21 anos.

Estudos realizados em clínicas dos Estados Unidos, Canadá e Holanda, que fazem o processo de transição de gênero, mostram que quase 100% das pessoas que iniciam os procedimentos antes dos 18 anos ainda vivem como transgênero ao longo da vida. Esse era um dos medos de Ana*, que a sua filha de 13 anos passasse pelo processo e se arrependesse. A filha de Ana nasceu menina, mas aos 11 anos começou a se identificar como menino. O primeiro passo a ser dado foi o acompanhamento psicológico. Após uma sessão em família, a filha de Ana disse que ainda poderia ser identificada pelo gênero feminino. “Eu até estranhei quando ela disse isso, mas ela me disse que ainda está se descobrindo”, explica a mãe.

O processo da jovem começou ano passado, entretanto foi interrompido quando a família se mudou para Ponta Grossa. “Na minha antiga cidade os atendimentos eram todos realizados pelo SUS, quando procurei uma UBS aqui na cidade, a informação que me passaram era que precisava passar pelo clínico geral, mas ela ainda não foi atendida”, relata Ana.

Contradição do PL

Esse é o ponto em que o vereador Bianco entra em contradição. A advogada e integrante do Conselho Municipal LGBTQIAP+ de Ponta Grossa, Thaís Boamorte, afirma que o PL é baseado em fake news. “É uma determinação do SUS que a cirurgia não pode ser realizada em pessoas com menos de 18 anos, conforme a Portaria 2.803, de 2013”, conclui.

Ela ainda destaca que o projeto é incongruente e inconstitucional. “Todo esse processo para ditar como funciona a transição de gênero é de responsabilidade do SUS que, inclusive, já possui normas de como os procedimentos são realizados no Brasil”, analisa Thais.

Muito além do homem e da mulher

Jussara Prado, psicoterapeuta que atende o público LGBTQIAP+ na cidade, revela que há uma idealização de como uma pessoa será no futuro com base no sexo de nascença. “Então quando uma pessoa trans não se identifica com o gênero que lhe foi atribuído, ela se questiona e a sociedade a patologiza”, explica a psicoterapeuta. No vídeo abaixo, você confere quais são os gêneros comprovados pela ciência, mencionado por Jussara.

Psicoterapeuta Jussara Prado contextualiza os tipos de gênero

No segundo parágrafo do artigo 2º, o PL menciona o fornecimento de vídeos para crianças e adolescentes sobre os efeitos colaterais da transição de gênero. Com relação a isso, Jussara faz menção ao Código de Ética da Psicologia, que afirma ser vedado praticar ou ser conivente com qualquer ato que caracterize negligencia, discriminação, exploração, violencia, crueldade ou pressão. Logo, o profissional não pode utilizar práticas psicológicas como instrumentos de castigo, tortura ou qualquer forma de violência. “A questão é: ser trans não adoece, mas ser trans numa sociedade transfóbica, isso sim adoece”, conclui Jussara.

Em Ponta Grossa, o lugar que mais oferece apoio às pessoas LGBTQIAP+, principalmente as pessoas trans e travestis, é a ONG Renascer. O grupo foi fundado em 20 de setembro de 2000, por Débora Lee.
* Nome fictício a pedido da fonte para preservar a identidade.

 

Ficha técnica

Reportagem: Leriany Barbosa
Arte/vídeo: Leriany Barbosa
Edição e publicação: Victória Sellares e Catharina Iavorski
Supervisão de produção: Luiza Carolina dos Santos
Supervisão de edição: Cândida de Oliveira e Mariel E.P. Amaral


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