Saúde em perigo: cresce a obesidade infantil no Brasil
Pesquisa da Fiocruz Bahia destaca aumento de excesso de peso em crianças e a urgência de medidas preventivas
Um estudo realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Bahia) em colaboração com outras instituições revelou um cenário alarmante em relação à saúde das crianças no Brasil. A pesquisa analisou dados de 5.750.214 crianças de 3 a 10 anos nascidas entre 2001 e 2014, que constam em três sistemas administrativos: o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), o Sistema de Informação de Nascidos Vivos (Sinasc) e o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan). A pesquisa identificou que as crianças cresceram significativamente mais e, o que é ainda mais preocupante, a obesidade está ampliando. Os resultados do estudo indicaram que, no período analisado, a estatura média das crianças aumentou em 1 centímetro. Além disso, a prevalência de excesso de peso e obesidade apresentou um aumento significativo. Especificamente, a prevalência de obesidade nos grupos analisados aumentou para cerca de 3%.
No estudo, os dados foram divididos em dois grupos: crianças nascidas de 2001 a 2007 e de 2008 a 2014, considerando também as diferenças entre os sexos declarados. Na comparação entre os dois grupos, ou seja, crianças nascidas até 2007 e aquelas nascidas até 2014, consideradas entre 5 e 10 anos, a prevalência de excesso de peso aumentou 3,2% entre os meninos e 2,7% entre as meninas. No caso da obesidade, a prevalência entre os meninos passou de 11,1% no primeiro grupo para 13,8% no segundo grupo, representando um aumento de 2,7%. Entre as meninas, a taxa aumentou de 9,1% para 11,2%, um crescimento de 2,1%. Na faixa etária de 3 e 4 anos, o aumento foi menor na comparação entre os dois grupos. Quanto ao excesso de peso, houve um aumento de 0,9% entre os meninos e de 0,8% entre as meninas. Em termos de obesidade, a prevalência subiu de 4% para 4,5% entre os meninos e de 3,6% para 3,9% entre as meninas, representando um crescimento de 0,5% e 0,3%, respectivamente.
A obesidade infantil é mais do que uma questão estética e está se tornando um problema de saúde pública. As crianças obesas correm um risco de desenvolver problemas de saúde graves, incluindo diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, hipertensão e certos tipos de câncer. Além dos efeitos físicos, há também efeitos emocionais e sociais, como baixa autoestima, preconceito e dificuldades de integração social. Os resultados deste estudo destacam a necessidade urgente de uma ação para combater estes resultados.
No estudo, os pesquisadores indicaram que o Brasil está longe da meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) que estabeleceu um intuito claro de conter o aumento da obesidade até 2030. Pesquisas mostram que essa é uma meta que o Brasil ainda está longe de alcançar. Dada esta situação, devem ser tomadas ações preventivas eficazes. As principais medidas incluem o investimento na educação nutricional e a promoção da atividade física regular.
Segundo a nutricionista Juliane do Maral, os dados da pesquisa são visíveis na prática porque o cenário tem sido reflexo da transição nutricional que foi acontecendo no país, “Isso é fruto da nossa cultura alimentar, o maior acesso a alimentos ultraprocessados e ao poder econômico das pessoas que permite o acesso a alimentos menos nutritivos”. Ainda segundo ela, o excesso de calorias e a hiperalimentação podem contribuir para um crescimento maior em estatura e ao mesmo tempo no excesso de peso, aumentando os índices de obesidade entre crianças. Refletindo a complexidade do problema, a obesidade infantil está frequentemente associada a desigualdades sociais e econômicas, porque as crianças e adolescentes acabam por não consumir alimentos de qualidade. Enfrentar este desafio requer intervenções diretas de saúde pública, bem como esforços para reduzir as desigualdades sociais e promover a igualdade de acesso à saúde e à nutrição adequada.
À medida que o Brasil avança na luta contra a obesidade infantil é fundamental um esforço conjunto de governos, escolas, famílias e da sociedade como um todo. Só através de uma abordagem integrada e colaborativa será possível inverter esta tendência e garantir um futuro mais saudável para as próximas gerações. Nas escolas do Paraná, segundo a nutricionista Juliane do Maral, a alimentação segue uma legislação do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) que determina que crianças em escolas públicas sejam atendidas por uma alimentação saudável de qualidade e quantidade adequada a sua faixa etária. Crianças em período integral devem ter 70% de suas necessidades nutricionais diárias supridas e 20% para crianças atendidas em período integral. Além desta alimentação, a legislação estabelece que seja feita educação nutricional continuada com os alunos. A nutricionista ainda alertou para os problemas que a obesidade pode causar, como a maior propensão no desenvolvimento de doenças relacionadas à alimentação como diabetes, pressão alta, colesterol e triglicerídeos altos. “Porém existem também repercussões quanto a saúde psicológica das crianças, uma vez que é comum uma rela
ção não saudável com a comida, consequências de bullying e até ansiedade e depressão”, conclui ela. O acesso a alimentos saudáveis deve ser facilitado, especialmente para as famílias de baixos rendimentos, que muitas vezes enfrentam dificuldades. As campanhas de sensibilização e os programas comunitários desempenham um papel importante na mudança de hábitos e na criação de um ambiente propício ao desenvolvimento infantil saudável.
Segundo o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), 35 mil crianças obesas e 220 mil crianças e adolescentes com sobrepeso foram cadastradas no Paraná em 2022. É preocupante o número crescente de crianças e jovens com algum grau de obesidade. Segundo dados do Sisvan, o número de jovens obesos praticamente dobrou em 10 anos no Paraná, passando de 8,4% em 2013 para 16,65% em agosto de 2023. Para as crianças, a taxa permaneceu praticamente estável durante o mesmo período.
Abordagens para combater a obesidade infantil: as consequências psicológicas e sociais
Segundo o psicólogo Derek Kupski, os conflitos familiares são um dos fatores que podem contribuir significativamente para a obesidade infantil. Muitas vezes, as crianças enfrentam esses atritos e desregulação emocional através da alimentação, utilizando o ato de comer como uma forma de aliviar o sofrimento e o estresse. Esse comportamento, embora seja uma tentativa de buscar conforto, pode ser extremamente prejudicial à saúde, levando ao ganho de peso excessivo. Além disso, o ambiente familiar exerce uma forte influência no desenvolvimento dos hábitos alimentares e no bem-estar emocional das crianças, reforçando a importância de um ambiente doméstico harmonioso para a prevenção da obesidade infantil.
As consequências do estresse e dos conflitos familiares podem ser variadas e graves, afetando profundamente a saúde mental e o comportamento das crianças. O psicólogo explica: “Os efeitos vão desde o desenvolvimento de transtornos como depressão e ansiedade até situações onde a criança desenvolve um comportamento mais violento e agressivo. São diferentes consequências possíveis nesse sentido”. Além disso, Kupski aponta que, na esfera social, “o próprio isolamento e as dificuldades de interação social são possíveis consequências relacionadas”. A importância de um ambiente familiar saudável e de apoio, essencial para o desenvolvimento emocional e social das crianças, prevenindo assim os efeitos negativos do estresse familiar.
Maria Santos*, mãe de um menino que sofreu dois episódios de bullying na escola aos 10 anos, compartilhou as dificuldades enfrentadas pelo filho após os incidentes. “Meu filho passou a ter medo de ir à escola. Eu não sabia o que fazer no começo, mas sabia que precisava agir rápido para ajudá-lo.” Maria decidiu buscar ajuda profissional e colocou o filho na terapia. Além disso, ela mudou a alimentação dele e o incentivou a praticar esportes. “Eu queria garantir que ele tivesse todas as ferramentas para superar esse momento difícil”, explicou (* Nome fictício para proteger os entrevistados).
Para enfrentar a crescente da obesidade infantil no Brasil, é necessário que se adote uma abordagem multifacetada, envolvendo a participação ativa de governos, escolas, famílias e da sociedade em geral. A implementação de políticas públicas eficazes, que promovam a educação nutricional e incentivem a atividade física, é crucial. Além disso, é necessário garantir que todas as crianças, independentemente de sua condição socioeconômica, tenham acesso a alimentos saudáveis e nutritivos.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), regulamentado pela Lei nº 11.947/2009, garante a oferta de alimentação adequada nas escolas, com foco em atender as necessidades nutricionais dos alunos. A Resolução nº 6/2020 do FNDE estabelece diretrizes que orientam a qualidade dos alimentos, incentivando o consumo de frutas, legumes e verduras. Além do PNAE, o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN) e a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) atuam de forma integrada, promovendo a segurança alimentar e enfrentando a obesidade infantil através de ações coordenadas no âmbito da saúde e educação. Campanhas de sensibilização e programas comunitários devem ser fortalecidos para mudar hábitos alimentares e criar um ambiente propício ao desenvolvimento infantil saudável.
A obesidade infantil e na adolescência tem impacto significativo na vida dos jovens, muitas vezes resultando em experiências de bullying nas escolas e em outros ambientes sociais. Os jovens que enfrentam esse tipo de discriminação sofrem não apenas com o estigma associado ao peso, mas também com as consequências emocionais e psicológicas que surgem dessa marginalização. O bullying pode levar à baixa autoestima, depressão e, em casos mais graves, ao isolamento social, afetando o desenvolvimento saudável e o desempenho acadêmico.
Além dos efeitos imediatos, o bullying relacionado à obesidade pode perpetuar um ciclo de dificuldades que se estende à vida adulta. Jovens que sofrem com o estigma do peso tendem a adotar comportamentos alimentares prejudiciais, que podem agravar o problema da obesidade. O impacto psicológico também pode dificultar a adoção de hábitos saudáveis, criando um desafio contínuo para superar as barreiras impostas pelo preconceito e pela discriminação.
Reportagem: Emelli Schneider
Edição e publicação: João Fagundes e Heloisa Ribas Bida
Supervisão de produção: Ivan Bomfim e Gabriela Almeida