
Saúde no Cárcere: desafios nas penitenciárias
Famílias de ex-detentos relatam negligência por parte do sistema
| Por Mariana Borba
Entre os desafios enfrentados dentro do sistema prisional, está a falta de acesso à saúde. Em Ponta Grossa, o sistema prisional é composto por duas penitenciárias estaduais, além da Cadeia Pública Hildebrando de Souza. As prisões abrigam atualmente 3.475 detentos, o que excede a capacidade máxima de 2.560 pessoas A Cadeia Pública tem como principal objetivo a prisão provisória, apesar de comportar alguns presos condenados.
O Departamento Penitenciário do Paraná (DEPEN) possui um documento com normas e orientações que devem ser seguidas em casos de atendimentos médicos e preservação da saúde dos detentos. As principais dizem respeito a monitorar e tratar doenças como tuberculose, infecções sexualmente transmissíveis (IST’s), hepatites, hipertensão, diabetes, transtornos mentais, promover ações educativas, preventivas e de saúde coletiva e integrar os atendimentos com a rede SUS para consultas e exames.
O documento afirma que as unidades prisionais de Ponta Grossa ainda tentam seguir os padrões definidos pelo Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP), que visa garantir atendimento básico de saúde para os encarcerados. No entanto, o manual produzido pelo DEPEN aponta para as dificuldades ao acesso à saúde nesse sistema. O documento apresenta essa questão de forma reducionista, e que os casos graves não possuem um encaminhamento facilitado para o SUS.
O chefe regional das cadeias públicas em Ponta Grossa, Jean Fogaça, afirma que o setor clínico da Cadeia Hildebrando de Souza comporta um médico, uma enfermeira e mais auxiliares. “Uma vez por semana, um médico atende todas as unidades. Então, ele faz um revezamento, chega a atender dez detentos, de cada unidade, aí depende muito daquilo que o preso necessita”, explica o policial penal.
Jean Fogaça aponta que, em situações nas quais pacientes possuem doenças crônicas, como diabetes, por exemplo, o tratamento costuma ser feito por medicamentos fornecidos pela própria família. O policial penal afirma que, quando o tratamento ou suporte médico da própria unidade não é suficiente, o paciente é encaminhado para atendimento de saúde externa, nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) da cidade.
A reportagem buscou entrevistar ex-detentos ou familiares de pessoas que já estiveram privadas de liberdade, para entender como o acesso à saúde nas prisões funciona na prática. Como se trata de um tema delicado, as fontes preferiram não se identificar. Por isso, nesta reportagem trataremos elas por nomes fictícios.
Maria perdeu o marido que estava detido por 15 dias na Cadeia Hildebrando de Souza. Maria conta que João adentrou à prisão com tuberculose e, por falta de tratamento, acabou falecendo no fim desses quinze dias. “Ele teve cinco convulsões enquanto estava preso, antes de o levarem para a UPA. Quando viram que ele estava mal mesmo, eles trouxeram. Eles nem me avisaram, eu só fui informada que ele tinha falecido. Era meia-noite quando me avisaram”, conta. O falecimento de João aconteceu no fim da mesma noite em que ele foi encaminhado para a UPA, após ter convulsionado cinco vezes durante o tempo na cadeia.
O afilhado, que por questões judiciais também preferiu não se identificar, será tratado nesta reportagem pelo nome fictício de Davi. Ele também ficou retido por 15 dias na Hildebrando de Souza, e depois foi transferido para a Penitenciária Estadual de Ponta Grossa II, onde permaneceu por aproximadamente cinco anos. Davi explica que João recebia tratamento, mas que a doença estava avançada e o atendimento médico não surtia efeitos. “Durante o dia tinha uma enfermeira, mas para todo mundo que ia lá, ela só prescrevia anti-inflamatório e paracetamol”. Davi ainda aponta que o médico tinha um tempo limitado de atendimento e que os detentos eram aconselhados a beber água para curar as doenças.
A tuberculose é uma das doenças mais comuns dentro das prisões. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ocorrência mundial de tuberculose entre pessoas privadas de liberdade pode ser de 20 a 100 vezes maior do que na população geral. De acordo com o caderno citado no começo da reportagem, também pontua-se a ocorrência de casos de IST’s, pneumonias, dermatoses, transtornos mentais, hepatites, traumas, diarréias infecciosas, hipertensão arterial e diabetes.
O DEPEN realiza algumas parcerias com universidades da cidade para assistência de saúde básica. O Projeto Novo Ciclo, por exemplo, foi uma parceria com a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), que distribuiu mil absorventes a mulheres privadas de liberdade na cadeia pública, confeccionados na própria unidade como parte de uma atividade de ressocialização. Além disso, desde 2022, acadêmicos dos períodos finais do curso de Odontologia da Cescage realizam atendimentos para preservação da saúde bucal dos detentos das duas Penitenciárias Estaduais da cidade.
O coordenador do curso de Odontologia do Cescage, professor Elcy Arruda, explica que a parceria surgiu a partir de uma disciplina que tem como objetivo integrar os conhecimentos adquiridos no curso a prestações de serviço para comunidades, sendo a Penitenciária uma delas. O professor afirma que os estudantes são preparados a partir de uma visita à estrutura odontológica das penitenciárias, de uma palestra com o cirurgião dentista que atende regularmente e uma formação com professores para entender como funcionam os serviços odontológicos nesses casos, mas os atendimentos são feitos na própria clínica da Cescage. Sobre as ocorrências, Arruda explica, “A penitenciária tem uma preferência em mandar para a gente aqueles presos que estão com dor, então, normalmente, o que a gente faz são serviços de emergência”. O professor ainda conta que os estudantes realizam, em média, 20 atendimentos por mês.
De acordo com Davi, que acompanhou de perto o funcionamento dos atendimentos odontológicos, qualquer pessoa poderia solicitar consulta com dentistas, mas havia uma demora de quase um mês para o atendimento. A partir dos dados e relatos, é possível observar que, mesmo com as tentativas de avanço, as prisões ainda têm muitos desafios a percorrer para garantir o acesso e acompanhamento à saúde de qualidade. A reportagem entrou em contato com os responsáveis pelas situações citadas, mas não obteve respostas até o fechamento da revista.
Reportagem: Eder Carlos
Imagem: Victor Schinato
Edição e Publicação: Joyce Clara, Lucas Veloso, Ana Beatriz, Eduarda Macedo.
Supervisão de produção: Manoel Moabis e Aline Rios