Seu Alegria, vinte anos de circo, também tem suas tristezas

Seu Alegria, vinte anos de circo, também tem suas tristezas

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A saga de um homem que vive na estrada, mas com firmes raízes familiares

 

Em uma noite de terça-feira pude, finalmente, ir ao circo para assistir ao espetáculo. Ele está montado no bairro de Olarias, em cima de um pequeno morro. Em geral, a rua é pouco movimentada, mas, com a chegada do circo, não é difícil ver famílias chegando ou saindo do local.

A lona é grande o suficiente para roubar tanto a paisagem quanto a atenção. Na entrada, bonecos enormes de animais e personagens famosos, chamando a atenção das crianças, que pedem para seus pais tirarem fotos. Vejo carros elegantes estacionados, usados para fazer a propaganda do circo: dois Camaros e duas caminhonetes.

Mais à frente, formando uma espécie de cerca, trailers de funcionários do circo estão estacionados, formando um  enorme círculo de automóveis gigantes. É ali que a magia do circo ganha vida, em espetáculos que acontecem durante a semana e aos sábados e domingos.

Enquanto eu e um amigo esperamos o show começar, um senhor de casaco preto e cachecol se aproxima e pede um cigarro. Enquanto procura seu isqueiro, ele faz um comentário sobre como está frio, diz que vai comprar um aquecedor. “Nunca vi uma coisa dessa”, disse ele com sotaque de algum lugar muito longe do Sul do país.

 

Após conversarmos um pouco, ele me diz que seu nome é Jorge Fortes, mas todos o chamam de Alegria. Ele me conta que é a primeira vez do circo em Ponta Grossa. “Lá na minha terra não tem isso aqui não, esse frio”. Pergunto de onde ele é, a resposta vem junto a um trago no cigarro: “Terezina, lá no Piauí”.

A partir daí, seja lá quem for esse senhor com quem estou conversando, tem minha total atenção. Teresina fica a aproximadamente 2.900 quilômetros de distância. Alegria passou três dias viajando para trabalhar no circo. Descubro também que ele é um dos propagandistas, sai de carro pelas ruas anunciando o espetáculo. “É uma das coisas que eu mais gosto de fazer; têm um pessoal aqui que não gosta não, sabe? Mas eu gosto”.

Há seis meses ele está com o Ferrari Circo, e a próxima informação me surpreende: “Trabalho há 20 anos no circo”. Seu pai era mecânico, mas fazia apresentações como palhaço em alguns circos. Foi ajudando o pai que Alegria conheceu o estilo de vida do artista itinerante. “Pra você ter noção, naquela época tinha leão no circo”, relembra em um tom nostálgico.

A conversa está cada vez mais interessante, mas como o espetáculo vai começar, peço para Alegria me passar seu contato para podermos conversar em outro momento. Sinto que a história dele vale a pena ser ouvida. Ele me passa seu numero e vai até a portaria, senta numa pequena cadeira e recolhe os bilhetes do público que chega

.Saga familiar

Conversando por WhatsApp, marcamos nova conversa, que acabou acontecendo quase uma semana depois. Era uma segunda-feira quando eu e Alegria sentamos nas escadas da entrada do circo para que ele pudesse me contar sobre sua vida.

A história de seu Alegria com o circo é antiga, começou quando seu pai foi convidado para trabalhar no Garcia Circus, mais de 30 anos atrás, em Teresina. Mecânico especializado em máquinas pesadas, o pai combinou com o dono do circo que, além de trabalhar com o maquinário, seria o responsável por cuidar das jaulas dos animais.

“Nisso, ele foi embora. Passou dez anos rodando por aí, nesse brasilsão de meu Deus”. Nessa época, Alegria também descobriu que gostava de trabalhar com crianças e ingressou no ramo de animadores de festas infantis. Também trabalhou por vários anos na televisão de Teresina, em programas direcionados a crianças.

Até então, seu Alegria sustentava as duas filhas com o dinheiro que ganhava na televisão e animando aniversários. Foi só depois de perder a mãe e sofrer de depressão que, aos 30 anos de idade, decidiu entrar para o circo, repetindo a saga do pai. “Abandonei tudo, casa, emprego, tudo pra cair no mundo mágico do circo, que até hoje é onde estou”.

No primeiro circo, Alegria passou oito anos fazendo de tudo: dirigindo os carros de divulgação, trabalhando na portaria, vendendo doces. Ele me conta que também fazia apresentações, se já foi palhaço. “Já fui não, rapaz, eu ainda sou”.

Seu Alegria é o tipo de pessoa que não consegue parar quieta em um lugar. Depois de trabalhar em vários circos, ele até tentou sossegar na cidade natal, mas  não conseguiu ficar por muito tempo. “Fiquei um mês parado em casa, mas eu quase enloqueço”. Após tentar, em vão, ficar em um só lugar, Alegria volta para onde seu coração realmente está: na estrada.

Jorge Fortes ainda realiza apresentações como o Palhaço Alegria. Foto: Levi de Brito

As tristezas

Apesar de ser uma pessoa muito alegre e extrovertida, seu Alegria conta que a experiência mais marcante durante 20 anos trabalhando no circo foi a morte de sua mãe. Por esse motivo, decidiu se jogar de vez na vida circense. “Até hoje não esqueci. No momento do espetáculo, eu não me lembrava muito dela, mas assim que as luzes do palco se apagavam, o mundo real caia sobre mim”.

Ele continua: “Eu não dormia, eu passava a noite todinha rodeando o circo chorando. Eu não aceitava”. Apesar desse momento intensamente triste, Alegria conta com orgulho dos momentos bons. E não foram poucos. Recentemente, ele teve um de seus sonhos realizados, uma neta.

“Deus me deu esse presente maravilhoso pra eu esquecer ainda mais da morte da minha mãe”. Então conta uma experiência que vivenciou há algum tempo atrás, enquanto vendia maçãs do amor em União dos Palmares, Alagoas. Um rapaz chegou nele e disse que Deus o daria o que ele mais pediu. Era a neta.

Não por acaso, para seu Alegria as pessoas mais importantes da sua vida são suas duas filhas e a netinha. Apesar da distância, eles nunca estão longe, sempre se falando quando podem, pelo celular. “Minha casa é onde o circo está”. Orgulhoso, Alegria finaliza: quer morrer na estrada.

Ficha técnica:

Reportagem e imagens: Levi de Brito

Edição e Publicação: Levi de Brito

Supervisão de produção: Marcos Zibordi

Supervisão de publicação: Candida de Oliveira e Muriel E. P. Amaral

 

 


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