Transtorno do Espectro Autista: desafios e inclusão na sociedade
No Brasil, quase dois milhões de pessoas são diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista e ainda enfrentam dificuldades de inclusão e aceitação
“Minha infância foi turbulenta, me revirava jogando a mim mesmo contra o chão e os objetos ao meu redor”. Relata Paulo Kincheski, músico e produtor de 39 anos. Paulo possui Transtorno do Espectro Autista (TEA) e conta sobre os tabus nos anos 90, por parte da sua família, que tinha receio de medicação por acreditarem que o deixaria dopado.
O TEA ainda é tratado como tabu. A falta de conhecimento sobre o Transtorno, as formas de diagnóstico e tratamento são poucas discutidas. Ainda que haja esforços dos Governos, visões pré-estabelecidas sobre o Autismo dificultam a inclusão e a integração na sociedade.
O que é TEA?
O Transtorno do Espectro Autista é uma condição do desenvolvimento neuropsíquico, manifestada através de um crescimento atípico do cérebro. Pessoas que convivem com o TEA podem apresentar: dificuldades na comunicação e na interação social, padrões repetitivos de atitudes e atividades, além de hiperfoco e interesses restritos. Segundo a Secretaria de Saúde do Paraná, os sinais indicativos do espectro podem ser percebidos nos primeiros meses da vida de uma criança, mas o diagnóstico geralmente é confirmado entre dois e três anos de idade.
A psicóloga Bianca Sheifer, especializada em pessoas com TEA, explica que crianças mais novas ainda não aprenderam a mascarar o transtorno, o que facilita no diagnóstico. “Nós profissionais da área fazemos uma avaliação conforme os marcos do desenvolvimento, de forma global de todo o contexto da criança”. Os marcos do desenvolvimento avaliam, conforme o ambiente em que cresceu, quatro pilares da evolução: observação do avanço das características sócio-emocionais, cognitivas, de linguagem e motoras.
O Censo 2022 foi o primeiro a incluir pessoas com o Transtorno do Espectro Autista em amostra. O Governo do Brasil utiliza uma estimativa do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos para contabilizar pessoas dentro do espectro. Segundo os dados do CDC, a cada 110 pessoas uma possui TEA, ou seja, no Brasil existem cerca de 2 milhões de pessoas com autismo.
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece o atendimento primário em TEA nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Após a avaliação, o paciente pode ser encaminhado para o Centro de Referência de Atendimento Psicossocial (CAPS).
Porém, há adultos com TEA que não receberam diagnóstico e vivem com condições do espectro autista sem o devido tratamento e acompanhamento. Scheifer diz que as principais características dessas pessoas são a dificuldade nos relacionamentos sociais, sensação de atraso no desenvolvimento, obsessões em temas e atividades e dificuldade de interpretar as situações.
O papel da escola
Bianca Sheifer também é psicopedagoga e explica que a escola identifica e indica pontos ou atitudes antes não percebidos, a fim de encaminhar para os profissionais especializados. “Normalmente, uma criança não precisa de acompanhamento de neuropediatra, mas quando a escola percebe alguns sinais, indica para fazer todas as avaliações e testes para chegar no diagnóstico”, relata.
A professora da rede municipal de ensino, Virgínia Salles, expõe que as principais formas de identificação do TEA na escola são atraso na interação social e na coordenação motora, algo percebido já no embiente escolar. A professora explica que a maioria das escolas possuem uma sala de apoio para pessoas com algum transtorno ou deficiência, que podem ser usadas para facilitar o aprendizado. A sala é mantida por uma professora especializada na área, que avalia o aluno sobre a possibilidade do espectro autista e trabalha em conjunto com os pais para um melhor processo de aprendizagem.
Júlia Gabriela, professora de uma escola particular na cidade, atende quatro alunos com Transtorno do Aspectro Autista no Ensino Fundamental. Ela atenta-se às especificidades e particularidades de cada aluno para saber como agir em situação de crise ou durante o auxílio pedagógico. “Cada criança tem suas características dentro do autismo, alguns precisam da minha presença para fazer a atividade, outros apenas de um incentivo”, finaliza.
Dia a dia
Esther Medeiros é a @maedamariaah, uma menina de seis anos com autismo nível 2 de suporte, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e Epilepsia de Ausência. A epilepsia é uma condição de formação do cérebro, causando sinais elétricos intensos que inibem o funcionamento de um grupo de neurônios e causam crises. Mariah não convulsiona, mas apresenta crises de ausência como se não estivesse presente no ambiente, podendo relaxar totalmente os músculos e cair no chão. O TDAH é uma condição genética que afeta a atenção, causa inquietude e impulsividade, combinado com o TEA, pode dificultar mais as relações sociais que a criança está inserida.
A mãe conta que percebeu os primeiros sinais do Transtorno do Espectro Autista em Mariah por volta de um ano de idade. O diagnóstico ocorreu em 2023 e sua reação foi de alívio, porque pôde começar a tratar de maneira adequada e ter acesso a terapias.
Esther criou uma conta no TikTok para compartilhar momentos da rotina com sua filha. “Eu só consegui identificar os primeiros sinais na minha filha vendo outras mães que compartilham suas experiências nas redes sociais”. A tiktoker teve vontade de apoiar mães que também passam pelo processo de diagnóstico e tratamento de crianças com TEA.
Cerca de 1% da população está no espectro autista, as mães entrevistadas relatam que muitas pessoas duvidam do diagnóstico seguido da frase “mas não tem cara de autista”. O autismo não “tem cara”, é uma condição do cérebro que pode se manifestar de diferentes formas no indivíduo com o Transtorno.
Paulo Kincheski fala sobre o preconceito de pessoas com transtorno de espectro autista. Para ele, o bullying e as brincadeiras de mal gosto geram desconforto e afastamento social. O músico desabafa que “muito se fala sobre inclusão, mas pouco se vê na prática”. Paulo espera uma sociedade mais inclusiva nas atitudes. “Onde houver respeito e dignidade, também há amor, mas para que isso aconteça vai depender de cada luz que somos e acima de tudo, o bom senso”, finaliza.
O estado na inclusão
Em novembro, o MEC lançou o Plano de Ampliação e Fortalecimento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, com a meta de realizar investimentos de pessoal especializado e de infraestrutura, em cerca de três bilhões de reais. O objetivo é que até 2026, dois milhões de estudantes em regime especial passem a frequentar classes comuns.
Na Câmara dos Deputados, o PL 9.972/2018 busca tornar obrigatória uma sessão para pessoas com TEA em todos os cinemas do país. Segundo o projeto, o filme deverá adotar medidas especiais como volume mais baixo. No Shopping Palladium, há quatro meses, o CineAraújo oferece uma sessão por mês adaptada para pessoas com TEA. Bianca Maciel Lopes, gerente do cinema, explica que nessa sessão é exibida uma animação com adaptações na sala para mitigar o desconforto. “É um público fiel, até mesmo adultos com autismo vêm assistir porque se sentem mais confortáveis”. A equipe do Cinex, no Shopping Total, informou que ainda estão se adaptando para incluir sessões diferenciadas para crianças com TEA.
Reportagem e Fotos: Iasmin Gowdak e Leonardo Czerski
Edição e publicação: Kauan Ribeiro e Juliana Lacerda
Supervisão de produção: Ivan Bomfim e Gabriela Almeida