Uma explosão de cores e de vida
Marcelo Schimaneski traduz nas telas suas percepções da região de Ponta Grossa
Espontaneidade, autenticidade e simplicidade são algumas características da estética naïf, um estilo de pintura realizado por artistas que não possuem uma formação acadêmica específica em determinada área e que desenvolvem uma linguagem pessoal única de se expressar em seus trabalhos. Esses movimentos também são capazes de descrever as obras de Marcelo Schimaneski, artista ponta-grossense de 55 anos que dá vida às paisagens dos Campos Gerais em suas pinceladas.
A história de Marcelo com a arte começou ainda criança na pequena casa onde mora até hoje, no bairro de Olarias, e no quarto de pintura que ele me recebe para uma conversa. Cercado de cavaletes, telas com pinturas ainda frescas e muitas tintas coloridas, o artista volta ao tempo para contar como esta paixão começou, ainda nas oficinas de cerâmica que deram o nome ao bairro em que reside. “Eu ainda nem sabia o que era ser artista e trabalhava com uma forma bem simples de arte, de transformar barro em telhas para casas”, conta. O ofício de moldar o barro era o mesmo da mãe dele, Joana Maria, responsável por limpar as rebarbas das telhas após finalizadas.
A mudança do barro era pouco para ele que, aos 20 anos de idade, decidiu que arte era sua vocação e investiu em cursos de desenho de grafite e artístico. “Eu nunca tinha sido tão feliz, era um momento em que eu me sentia cheio de inspiração, tudo que eu via, eu queria desenhar”, relembra. Mas nem tudo foi uma explosão de cores na vida dele.
Em dezembro de 1989, Marcelo saiu para trabalhar. Foi contratado para prestar assistência técnica em serrarias nos estados de São Paulo e Santa Catarina. Na estrada perdeu o controle do carro e capotou. “Quando eu recobrei os sentidos, a enfermeira que me atendeu falou que o acidente tinha me deixado tetraplégico”. As horas a fio de fisioterapia resultaram na volta dos movimentos dos braços e a vontade de ser artista. Com o apoio do amigo João Carneiro, a arte voltou a ser protagonista em sua vida. A sugestão de que a pintura poderia ajudar no processo de recuperação foi capaz de acender uma chama apagada há muito tempo em seu coração.
Mesmo com as lesões, as dores e as limitações musculares, o artista voltou a segurar um pincel, derrubou o instrumento diversas vezes e o segurou novamente quantas fossem necessárias. “Eu poderia ter desistido, por muito tempo sinto que desisti, me isolei, chorei, mas a arte foi capaz de me fazer voltar a viver. A pintura fortaleceu meus braços e minhas mãos, mas acima de tudo ela me fortaleceu”, declara.
Marcelo me convida para conhecer suas pinturas. Agrupadas dentro de um armário no canto do quarto, encontro uma pequena tela e logo vem a explicação. “Essa foi a primeira tela que eu pintei, em 2004. É a casa em que a minha mãe morava em Ventania”, conta. Ventania é uma cidade dos Campos Gerais e mesmo sem ter pisado no local, ele remonta a paisagem com detalhes a partir dos relatos da mãe. “A tela foi um presente para ela e também para mim. Ela ganhou um quadro e eu ganhei uma vocação”, diz.
No nosso encontro, acompanhei suas pinceladas que, naquele momento, retratavam o lago de Olarias, em Ponta Grossa. Com a paleta de tintas no colo, ele firma o pincel com a mão em formato de concha, e nesta posição traça vivos desenhos na tela. Uma explosão de cores e vida na obra e no rosto do artista. Marcelo ainda relembra do início das experiências com a pintura, quando ainda descobria seus materiais favoritos. “A tinta acrílica secava muito rápido, eu não conseguia trabalhar do jeito que eu queria meus desenhos com ela. Com a óleo, posso parar, observar, pintar mais, pintar de novo, me dá mais liberdade”, explica.
O mesmo amigo que lhe presenteou com a caixa de tintas foi quem lhe apresentou o estilo de arte naïf, que em tradução livre do francês significa arte ingênua. A espontaneidade e liberdade criativa são marcas dessa poética artística, além de apresentar uma narrativa: elas contam uma história, retratam uma cena, uma paisagem, ou do dia a dia. Em 2016, Marcelo foi convidado a expor suas pinturas na Galeria Jacques Ardies, em São Paulo, um dos maiores espaços de arte naïf do Brasil. “Na minha ingenuidade de pintar aquilo que eu achava de mais alegre e colorido do cotidiano, descobri que pintava naïf. Para mim, não existe nada que defina mais esse tipo de arte do que quem pinta sem técnicas, somente com o coração”, declara.
A inspiração de suas telas vem das paisagens contempladas nas longas viagens na estrada quando trabalhava nas serralherias ou de locais que visitou como sítio que ia com a família em Guaragi, um dos distritos de Ponta Grossa. Falando em família, todo artista tem seus mais fiéis admiradores, e os de Marcelo são aqueles que dividem o sangue e o amor pela arte com ele. Com a ajuda e incentivo dos pais e irmãos, ele recria os mais variados cantos da cidade em seus trabalhos, e na maioria das vezes, sem sair de casa.
A falta de acessibilidade para chegar em alguns pontos turísticos de Ponta Grossa o limita de experienciar as cenas dos Campos Gerais. Para isso, ele recorre às fotografias. Para o artista, as paisagens de Ponta Grossa são suas produções favoritas. “Já tentei pintar flores, já tentei pintar campos, mas eu gosto mesmo é de pintar a minha cidade, onde eu me sinto bem e acolhido. Tem muitas pessoas que se identificam, que reconhecem locais importantes para elas nas pinturas, o que me deixa muito feliz”, diz. Os tons de verde e azul, característicos da Mata Atlântica que domina a região, ganham destaque nas pinturas. As araucárias são a marca registrada tanto do Paraná quanto do artista, assim como as pessoas e animais, que ganham contornos nas variadas cores. A vida em Ponta Grossa, no olhar do artista, é um arco-íris vibrante que nunca sai do céu.
A coletânea de mais de 400 obras, produzida ao longo de 20 anos de carreira, está registrada no livro publicado em 2021 intitulado “Pincéis da Superação”, com apoio do Programa Municipal de Incentivo Fiscal à Cultura (Promific), da Secretaria Municipal de Cultura de Ponta Grossa. Neste ano, ele foi contemplado para a produção de “Um passeio Naif pelos recantos dos Campos Gerais”, que retrata oito telas de pontos turísticos icônicos da região, como o Parque Estadual de Vila Velha, o Buraco do Padre e a Catedral Sant’Ana. Outra paixão antiga que ganha espaço na produção são os trens. As locomotivas estão presentes em suas obras, seja no pequeno detalhe de um vapor saindo de uma chaminé ao fundo da paisagem, seja como destaque na obra, como a pintura da Maria Fumaça que se encontra na Estação Saudade, em Ponta Grossa.
Quando pergunto o que lhe motiva a seguir pintando, Marcelo não deixa de lado a religiosidade e lembra de Deus. “Ele foi o maior motivador na minha caminhada. Foi Ele quem me capacitou e que me capacita”, afirma. E o futuro também pertence a Deus. “Vai chegar um dia que eu vou ter que parar, mas no momento não me vejo sem a pintura. Enquanto eu tiver força e vigor, eu vou pintar. Ela ocupa meu tempo e me faz mostrar que mesmo nas condições físicas que eu estou, sou capaz de viver e deixar a minha marca”, finaliza a conversa com uma pincelada de mestre.
“Eu nunca tinha sido tão feliz, era um momento em que eu me sentia cheio de inspiração”
Ficha técnica:
Reportagem e fotografias: Manuela Roque
Edição e Publicação: Gabriel Neto
Supervisão de produção: Muriel E. P. Amaral
Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira e Carlos Alberto de Souza