Uma vida por uma casa: anos de espera em Ponta Grossa
Crescemos sendo ensinados que as pessoas precisão ter uma casa para morar, mas e quando isso não acontece? Ponta Grossa tem aproximadamente 17 mil famílias que aguardam para ter acesso a uma moradia digna pela Companhia de Habitação de Ponta Grossa (Prolar). Porém a Câmara de Vereadores de Ponta Grossa aprovou, no dia 25 de abril, o projeto de Lei nº 341/21, de autoria da Prefeita Elizabeth Schmidt (PSD), que prevê a extinção da Companhia até dezembro de 2022.
Entre um ônibus e outro no Terminal Central encontro Cleyton Serafins dos Reis, 33 anos, que se propôs a apresentar a ocupação Ericson John Duaerte, localizado no bairro Parque das Andorinhas, onde vivem cerca de 700 famílias. Embarcamos no ônibus que nos levaria para a ocupação. Cleyton tem um terreno para construir uma casa no local. Em conversa sobre as dificuldades para ter uma habitação digna na cidade, as pessoas que estavam no ônibus se envolveram na conversa. Muitos relatos se assemelham; anos na fila para conseguir uma casa. “Me inscrevi quando minha filha era criança, só recebi a casa quando ela estava com mais de 30 anos”, explicou uma senhora.
Um dos requisitos necessários para entrar na fila da Prolar: filhos. Entre as conversas que se espalhavam no ônibus, uma moça relatou que a que filha não conseguiu nem fazer o cadastro pois não tinha um filho, mesmo com os exames provando que ela não conseguiria engravidar. Ouvi alguns desabafos sobre pessoas que passam anos sem respostas do poder público.
Ao chegar na ocupação, fui apresentada a outra realidade: pessoas que se conheceram no local e já criaram vínculos de amizade, anseio por ajudar ao próximo, solidariedade, planos, sonhos e busca por justiça. Reis me levou até o terreno que foi disponibilizado a ele pela Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), que é a organizadora do movimento, mas ao chegar lá notou que o local estava sendo ocupado por outra família, a qual já tinha até construído uma casa. Assim, soube que as pessoas que procuram a FNL e conseguem um terreno no local têm uma média de 15 dias para construir ou ocupar o local, caso contrário, o terreno passa para outra família.
Sem chão, o rapaz só queria entender o que ele iria fazer daquele momento em diante. Clayton me explicou que tem os materiais para a casa, que arrecadou através de doações e foi recolhendo pelas ruas, mas sem dinheiro para o frete não conseguiu levá-los para a ocupação. Neste momento chega o dono de uma casa que estava a nossa frente, feita de madeira e com poucos metros quadrados, já com as marcações no chão para que fosse ampliada. O senhor desce do carro acompanhado de um amigo e vai em direção ao Cleyton cumprimentá-lo calorosamente, somos apresentados. O senhor, que preferiu não ser identificado, descarrega do carro caixas cheias de roupas e calçados para doação, logo ele me explica como é a vida no local.
De forma simples, abre as portas da casa para que eu possa conhecer; uma cama, fogão a gás, geladeira, máquina de lavar, pia, TV e algumas prateleiras dividiam o mesmo espaço, tudo organizado e apresentado com muito carinho. O senhor diz que já está na fila da Prolar há um tempo, mas nunca teve respostas, quando soube da ocupação viu uma oportunidade de recomeçar, assim como o amigo que estava junto. Um senhor simpático e que esbanjava um sorriso de poucos dentes, andava pela terra vermelha do assentamento com uma muleta. Este explicou que não sabe onde estaria se não fosse a ocupação.
Ele sofreu um acidente de moto e acabou ficando ‘invalido’, como se descreveu, logo que soube da notícia pelos médicos a companheira ‘deu um pé na bunda’ e ele não tinha para onde ir, se não fosse a ocupação ele estaria pelas ruas de Ponta Grossa. No local ele tem uma casa de dois cômodos, um quarto com a cama muito bem arrumada e a cozinha de uma limpeza impecável.
Entre as tantas histórias que ia ouvindo, Cleyton foi avisado sobre um terreno vago que ele poderia construir, a expressão de desanimo se abre para um sorriso de quem sabe que vai poder dormir tranquilo, pois terá um local para morar. A atual casa de Reis é na região do bairro Boa vista, próximo a um arroio, um local de risco que sempre alaga quando chove.
Na primeira semana de junho Ponta Grossa foi tomada por longos dias de chuva, Clayton foi um dos moradores que acabou sendo retirado da própria residência pelo Corpo de Bombeiros, a água tomou o local, que pela segunda vez foi alvo de ação da Assistência Social e de promessas da prefeita Elizabeth. Foi realizado um novo cadastro das famílias na fila de habitação da Prolar, em outubro de 2021.
No dia dois de junho, Reis apresentava o semblante mais vazio que se poderia encontrar por toda Ponta Grossa. “Em outubro a prefeita esteve aqui com a equipe técnica, Secretaria de Obras, Meio Ambiente, Companhia de Habitação [Prolar], Ponta Grossa Ambiental, para tentar sanar essas ocorrências. Nisso fizemos tudo pela Prolar, ganhamos uma carta dizendo que seriamos realocados em um novo endereço, pois a gente vive em uma situação de abalo social constante, dentro de uma área vulnerável de alto risco e que precisaríamos ser realocados para o Parque dos Andorinhas. Porém logo após este processo, houve a mudança por parte da atual gestão da Prolar e sua possível extinção. Aí outros grupos sociais na nossa cidade se mobilizaram e ocuparam este terreno onde seria construídas as casas que nos tirariam desta emergência e calamidade pública. Desde então, a gente continua sofrendo por essa situação. Já fui lá [Prefeitura] outras vezes e ainda não fomos compreendidos pelo atendimento urgente da nossa necessidade de moradia digna. Assim a gente perpassa por este cenário cotidiano que estamos cansados de ver”, explicou com calma a situação.
Mas desde o ano passado nada aconteceu, quem mora no local tem que esperar a água baixar e voltar para casa, aguardando o próximo alagamento. “Como não temos acesso a um lugar com uma moradia adequada continuamos nesta realidade”. O fator de renda é determinante para fazer com que as pessoas continuem na situação como está, por conta da falta de emprego. “Se eu tivesse uma garantia efetiva de uma boa qualidade de emprego, como estudei e fiz faculdade para romper esses laços, eu estaria trabalhando. Mas como ainda a gente não foi visto, estamos aqui lutando e resistindo”, completa Cleyton.
Ficha técnica:
Reportagem: Kauana Neitzel
Edição e Publicação: Kauana Neitzel
Supervisão de produção: Marcos Zibordi
Supervisão de publicação: Candida de Oliveira e Muriel E. P. Amaral