Violência contra mulher afeta acesso a direitos constitucionais

Violência contra mulher afeta acesso a direitos constitucionais

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Vítimas relatam experiências de assédio e importunação dentro do transporte público

A universitária Beatriz Silveira* estuda no centro, trabalha no Nova Rússia e mora em Uvaranas. Usar o transporte público é parte da sua rotina, que envolve o uso das mesmas linhas todos os dias. Como passageira, Beatriz relata já ter vivenciado experiências de importunação sexual. “Tem muito esse discurso: qual roupa ela estava usando?”, inicia Beatriz. Bia relata que era cerca de 18h30, e o ônibus estava relativamente vazio no início do trajeto, mas foi progressivamente lotado ao longo do percurso. “Chegou uma hora em que não tinha mais como caber ninguém e o motorista impediu a entrada de novos passageiros”, relembra.

“Ele usava um terço enorme, até o umbigo, ele ainda usava um celular daqueles pequenininhos de teclado, sabe? E estava tocando um forró muito alto, até hoje eu consigo lembrar a música”, relata Beatriz sobre seu agressor. “Ele começou a se aproximar de mim, eu estava sentada e ele de pé, e ele queria encostar certa parte do corpo em mim, e eu só pude me encolher”. A jovem ainda acrescenta que, após o ocorrido, segue com receio de encontrar o senhor no transporte, ou que ele se lembre do rosto dela. “Eu tinha recém entrado na graduação”, conclui Beatriz.

Beatriz foi vítima de importunação sexual, definida pelo Código Penal como “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. O crime de importunação sexual pode ser confundido com o de assédio sexual, que também afeta a liberdade sexual e é definido como “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”.

Segundo levantamento do Instituto Locomotiva, mais da metade das mulheres sai de casa ao menos cinco vezes por semana, 43% delas utilizam o transporte público e destas, 52% se sentem inseguras dentro do ônibus. A preocupação não é injustificada, no Paraná e no Brasil, as denúncias de importunação sexual, entre os anos de 2022 e 2023, aumentaram 38,4% e 48,7%, respectivamente (Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024).  “Em relação à segurança das mulheres, acredito que é uma falha não só da VCG (Viação Campos Gerais), como também da prefeitura. É um direito social, então como cidadã, seria mínimo”, afirma Beatriz, “Eu não me sinto protegida de nenhuma forma”, lamenta

Quanto à denúncia, Beatriz afirma que, por mais que saiba o procedimento de denúncia, não a levaria até as autoridades por nervosismo, e por ser um ambiente majoritariamente masculino

A estudante da rede pública, Maria Luiza, vivenciou uma situação similar. A vítima relata que quando voltava do colégio foi assediada por um idoso que insistia em passar a mão em seu corpo, fez com que o ônibus parasse e impediu que o homem saísse até que fossem encaminhados para a delegacia.

“Eu acho que a Polícia de Ponta Grossa não se importa com isso”, afirma a estudante. Ela conta que os policiais a trataram bem, de acordo com o procedimento, mas que acha que muito pouco pode ser feito nessas situações. A também estudante Júlia Tavares de Oliveira, relata que por receio de sofrer algum tipo de violência ou importunação, evitou, por muito tempo, a utilização de transporte público. “Quando você sofre o assédio você acaba pensando que a culpa é sua e começa tentar evitar a todo custo”‘, explica. Mesmo com apenas 18 anos, Júlia se mostra desacreditada quanto ao processo de denúncia e punição. “Na verdade eu acho que passaria batido, eu nem sei como funciona e não sei se fariam alguma coisa”, lamenta. No caso da estudante, e de outras mulheres entrevistadas, a insatisfação quanto ao trâmite da polícia em casos como esse é frequente.

Para a matéria, foram entrevistadas dez mulheres de diferentes idades, raças e biotipos. Oito entrevistas aconteceram em horário de pico no Terminal Central, enquanto as últimas duas deram seus depoimentos na UEPG Central. No decorrer das conversas, foi possível perceber que a vasta maioria das mulheres já sofreu algum tipo de assédio em ônibus, terminais ou pontos. Outra experiência compartilhada é ạ ausência do conhecimento sobre os meios oficiais para denunciar. No entanto, as mesmas afirmam que dificilmente seguirão com a denúncia, pela crença de que os resultados não seriam positivos.

A única mulher que afirma nunca ter sido assediada, é a mesma que demonstra confiança no sistema de enfrentamento à violência, ela acredita que as denúncias são efetivas e as devidas providências são tomadas.

A estudante de Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Erika Paes de Almeida, faz estágio no Centro de Referência em Assistência Social (CRAS). A experiência de Erika não foi o caso de importunação sexual, mas sim uma tentativa de roubo, Apesar de não ser tipificado como crime de violência contra mulher, ela defende que ser mulher pode influenciar em situações como essa.

“A situação do transporte público já é complicada porque o ponto mais perto da minha casa ainda é longe”, inicia Erika, que relata que naquele dia parou em um ponto de ônibus ainda mais distante de sua casa e isolado. Enquanto esperava seu pai buscá-la, ela foi abordada por um homem que deu voz de assalto “Eu fiquei chateada e foi um momento desesperador”, prossegue, “Eu, sozinha ali com um cara na minha frente”. Ela ainda relata que, após o ocorrido, ficou nervosa com qualquer aproximação. Erika afirma que acredita que as mulheres estão desprotegidas ao utilizarem o transporte público “Muitas vezes eles não mexem com outro cara, por ser maior, por ser homem, né? Eu sou uma mulher branca, baixa, as pessoas pensam que eu sou frágil e isso dá uma abertura grande para qualquer pessoa mexer comigo. As denúncias de violência de gênero podem ser feitas anonimamente por telefone através do número 180, canal nacional que atende 24 horas. As denúncias são registradas e encaminhadas aos órgãos competentes. Para acompanhar o andamento do processo, basta que a vítima ligue novamente no número 180, informe o protocolo e confirme os dados da denúncia. Neste canal, também é possível encontrar informações sobre a localização dos pontos de atendimento às mulheres espalhados por todo Brasil. Em Ponta Grossa, sete locais estão listados como postos de atendimento para mulheres vítimas de violência.

Além disso, as denúncias podem ser feitas presencialmente, na Delegacia da Mulher, localizada na rua Quinze de Novembro, número 909. O local registra as ocorrências, investiga crimes, apura responsabilidades, solicita medidas protetivas previstas em lei e encaminha o inquérito policial ao judiciário

*Nome fictício escolhido para preservar a identidade da fonte, a pedido da mesma.

Reportagem e Infográfico: Victor Schinato

Edição e publicação:  Ana Beatriz de Paiva e Laura Urbano Janiaki

Supervisão de produção: Manoel Moabis e Aline Rios

 


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