Vivendo o espectro
Para além do preconceito, pessoas que convivem com diagnóstico autista
Ao ligar o brinquedo, Isaac, uma criança de três anos de idade, ficou agitado e começou a chorar. Depois desse episódio, a avó dele, Vera Maciel, começou a reparar que ambientes com muitas pessoas incomodavam o neto. Após o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) nível II, houve uma preparação para lidar com a questão. “Ele tem dias alternados. Alguns passa muito bem, aproveita bastante o dia e interage. Em outros, é mais nervoso, sonolento e quieto”, relata.
Segundo o Instituto Neuro Saber, no nível II há maior dificuldade com habilidades sociais e pode haver comprometimento da comunicação verbal. Além disso, esse nível também pode comprometer o contato visual e a dificuldade de expressar emoções pela fala ou por expressões faciais.
As questões enfrentadas por Isaac são de outra ordem. A avó dele conta que há muita instabilidade: “Ele adora brincar, principalmente com jogos educativos, aqueles que são de encaixe, quebra-cabeças, cubos e assistir desenhos. Em relação ao que ele não gosta, é de mudar de rotina, ir em lugares com muito tumulto e, é difícil ele aceitar um não”.
Pela manhã, Isaac frequenta a Associação de Pais e Amigos Excepcionais (Apae) e, à tarde, vai para a creche. Para Vera, a escola especial contribui para o desenvolvimento da criança e os resultados são notáveis. Isaac faz acompanhamento com profissionais de fonoaudiologia, psicologia e especialistas em autismo.
Mesmo com a abrangência do tema, para Vera, ainda falta conhecimento sobre o autismo. ”As escolas não estão preparadas para perceber que uma criança é especial e precisa de tratamento diferenciado. Tanto que o Isaac era tratado como uma criança sem espectro”. De acordo com uma pesquisa publicada na revista Espaço Aberto, da Universidade de São Paulo (USP), o autismo está presente em uma a cada 110 pessoas. Ainda estima-se que existam cerca de 2 milhões de autistas no Brasil.
Vera reforça que a sociedade ainda não entende as diferenças que envolvem as pessoas com deficiência (PcD). “Às vezes, a criança tem uma crise em algum lugar público e acham que é manha. No fundo, existe preconceito”. Para a avó, conviver com o Isaac é um aprendizado diário. “Como qualquer outra criança, ele também precisa de muito amor, atenção, carinho e dedicação. Ver o desenvolvimento, começando a falar, é uma vitória a cada minuto. Muito mais para ele do que para todos nós, pois a luta é dele”, declara.
Vivendo o espectro
A psicóloga Gleice Machado foi diagnosticada com TEA aos 32 anos. Antes do diagnóstico, ela foi considerada com síndrome do pânico e fobia social. Até a identificação, ela tentou se ajustar aos padrões convencionais. Essa prática é chamada de masking, muito comum em pessoas com espectro. “Hoje eu consigo perceber que era fruto de masking e uma tentativa de me encaixar na sociedade. Na psicologia eu realmente me identifiquei com a profissão e trabalho no universo do autismo” contou.
O autismo carrega julgamento e estereótipos capacitistas pela sociedade, a psicóloga que conseguiu superar inúmeras barreiras é um desses exemplos. “Cada autista é único e o espectro é muito amplo, causando diferentes comprometimentos na vida de cada um”, diz. No momento, Gleice faz uso de medicamentos e acompanhamento com psiquiatra. Para além da própria experiência, Gleice precisa lidar com o espectro de Bento, seu filho. O fato de passar por situações semelhantes foi um aprendizado para lidar com o filho, com o amor e enfrentando o preconceito.
Ficha Técnica
Reportagem: Rafael Piotto
Fotografia: Heloísa Ribas Bida/ Acervo Periódico
Edição e Publicação: Manuela Roque
Supervisão de produção: Muriel E.P. Amaral
Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira e Carlos Alberto de Sousa