O Departamento de Jornalismo (cursos de Graduação e Mestrado) da Universidade Estadual de Ponta (UEPG) denuncia e repudia veementemente a ferramenta digital “monitor da doutrinação” implantado pelo jornal Gazeta do Povo (Curitiba, Paraná) no último dia 06 de dezembro. De acordo com o próprio jornal, trata-se de “[…] uma plataforma que recebe e reúne casos de doutrinação ideológica em escolas e faculdades do Brasil”.
Após manifestações de professores, sindicatos e demais movimentos sociais, a Gazeta do Povo decidiu retirar o referido “Monitor da Doutrinação” de seu site no último dia 10 de dezembro. O que não diminui o desserviço que o jornal prestou a toda comunidade paranaense e nacional. Ao implantar um monitor dessa natureza, demonstra a que ponto o jornal chegou para expor suas posições políticas e editoriais retrógradas, remissivas à vigilância e à perseguição política que se incrustam em várias práticas institucionais do estado e do país.
Além da gravidade política dessa iniciativa, a prática revela que há muito esse jornal abdicou do jornalismo. A Gazeta do Povo, que já teve reportagens e repórteres entre os melhores do país, hoje é um arremedo de jornal. Impresso semanalmente, com veiculação digital, aposta majoritariamente na política de “caça cliques”, com textos sensacionalistas, hospedagens de muitos blogues conservadores e editoriais reacionários. Demitiu grande parte de seus jornalistas para novas contratações, sob a forma precarizada. Fechou parque gráfico e redação, já reduzida nos últimos meses. A empresa está na contramão de todas as iniciativas de jornalismo que hoje alcançam sucesso no mundo. Isso acontece porque a Gazeta do Povo acabou com seu principal produto: o jornalismo crítico, de qualidade e com credibilidade.
A sua aparência liberal deu lugar a uma forte guinada conservadora. Seus editoriais defenderam e defendem o golpe em 2016 à democracia brasileira, reforma trabalhista, a previdenciária e a PEC da morte. Propagam políticas nefastas, como cobranças de mensalidade nas universidades públicas e o ajuste fiscal sobre os mais pobres. Condenaram os professores no Massacre de 29 de Abril – mesmo aceitando que houve excessos da Polícia e Governo do Paraná -, condenaram os estudantes que ocuparam as escolas em outubro e novembro de 2016 e condenam as políticas de gênero. Defendem a “escola sem partido” e os excessos da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário.
O “monitor da doutrinação”, longe de ser um erro pontual, sintetiza um conjunto de práticas diuturnas que revela a tática de mercado e a estratégia política da Gazeta do Povo. Incoerência e esquecimento deliberados, pois há menos de um ano e meio, toda comunidade jornalística – inclusive os Cursos Graduação e Mestrado em Jornalismo da UEPG – demonstraram solidariedade aos jornalistas da Gazeta do Povo processados sistematicamente por revelarem regalias do poder judiciário. Completo cerceamento à liberdade de expressão, atualmente repetido e propalado contra os professores do Brasil nesse “Monitor da Doutrinação”.
Antes espaço de trabalho, pesquisa e de debate público, a Gazeta do Povo se converteu em símbolo do que há de pior do jornalismo paranaense e brasileiro. Conclamamos os jornalistas, os professores, os estudantes e todos e todas que prezam pela liberdade de pensamento e pelo bom jornalismo que abandonem a Gazeta do Povo e invistam seus recursos em outras iniciativas jornalísticas. Ou que iniciem um movimento amplo para que esse jornal volte a trabalhar o jornalismo sério, ético e de qualidade, e a não se transformar em instrumento de censura.
Ponta Grossa, 12 de dezembro de 2017