Cultura Popular e Religiosidade: O caso de Corina Portugal

Cultura Popular e Religiosidade: O caso de Corina Portugal

Assassinada por seu marido, Corina Portugal tornou-se uma ”santa popular” na cidade de Ponta Grossa (PR), ao longo do século XX. Seu túmulo, localizado no cemitério São José, recebe muitas visitas e é considerado um espaço para ex-votos de naturezas variadas. 

Corina Portugal nasceu no dia 17 de Janeiro de 1869, no Rio de Janeiro, a então capital do Brasil no período do Império. Filha de uma família rica, seu pai era o médico Dr. Antonio Pereira Portugal, sua mãe se chamava Deolinda Fazenda Pereira Portugal.  A mãe de Corina faleceu quando a menina tinha  apenas 3 anos de idade, com isso Corina  passa a ser cuidada por sua avó materna. Porém, com a morte de sua avó,  a educação da jovem passou a ser responsabilidade de uma tia materna. 

Corina casou-se com Alfredo Marques de Campos, farmacêutico, tinha 26 anos de idade e vinha de família humilde. Desde que chegou ao Rio de Janeiro percebeu a presença da Corina, e com o tempo os olhares que trocavam passaram a ser encontros. Não demorou muito para que Corina, com seus 15 anos, estivesse apaixonada pelo rapaz elegante e simpático, logo começaram a namorar e sem muita demora já estavam noivos.

Durante o namoro as coisas iam bem, Alfredo ensinava a Corina muitas coisas e se mostrava uma boa pessoa. O pai de Corina, embora desconfiado, não se opôs ao casamento da filha. Mas colocou uma condição para o casamento, o regime de separação bens, o noivo não gostou dessa exigência, mas assinou o documento com resistência, assim, em 4 de Julho de 1885, Corina e Alfredo se casaram. 

Casados, foram morar próximos ao pai de Corina, Dr. Antonio desejava ter a filha por perto para ajudá-la, porém antes de completarem 3 meses de casamento, Alfredo convence Corina de que devem ficar longe de seu pai. Mudam-se para o Realengo, bairro distante, em uma casa com uma cama e algumas cadeiras, Campos buscava punir a esposa pelo regime imposto ao casamento. Deixando-a longe do que segundo ele mimam e sustentam suas mordomias. Alfredo, negou a dívida feita para o casamento, não pagou ao padrinho de Corina e caluniou o padrinho e pai da esposa. Buscava mostrar que era ele quem decidirá o que seria melhor para a jovem. Demonstrando cada vez mais que casou-se por interesse, tem comportamentos agressivos, atirava contra retratos para assustá-lá. Fazia que Corina pedisse dinheiro ao pai, para que ele gastasse nas noites de farra.

Corina era aconselhada pelo pai e outros familiares a se separar, mas continuava dentro  deste relacionamento, foi educada que o casamento era um sacramento indissolúvel. O casamento que a jovem sonhou, o conto de fadas, tornou-se um pesadelo. Porém, a tão jovem Corina não ouviu os conselhos para deixar o que lhe  fazia sofrer, acreditava que com perseverança  seu marido mudaria. 

A mudança para Ponta Grossa  ocorreu no ano de 1888,  veio para o Paraná pois em Curitiba morava o irmão de Alfredo, Ernesto. Em Ponta Grossa, instruído pelo irmão, procurou o médico João de Meneses Dória, que era também deputado provincial pelo Partido Monárquico Liberal. O Dr. João Doria torna-se figura  importante na trágica história de Corina, bem como seu viés político.

Com a ajuda do médico, Alfredo se estabelece com uma farmácia, que ficava junto à praça da Matriz de Sant’ Ana. Corina então aos 18 anos acompanha o marido, mesmo que sua família aconselhasse e temesse o que poderia acontecer com ela , a jovem não queria desistir de seu tão sonhado casamento. Na cidade de Ponta Grossa o comportamento do marido não mudou, chegava em casa tarde da noite, Alfredo teve êxito em seu negócio, os remédios receitados pelo Dr. João eram vendidos na farmácia de Alfredo. Porém, ele passou a abandonar a farmácia passando dias e noites nas jogatinas, perdendo muito dinheiro e traindo sua esposa.

Dr. João Dória aconselhava para que Alfredo mudasse suas ações e cuidasse de sua esposa que já estava doente, porém o comportamento agressivo e as ameaças continuaram. O médico chegou ainda a atender Corina que havia sido espancada por Alfredo, e esta não foi a única vez houveram um outro relatos que contavam a violência que a jovem Corina sofria.

Corina, já não tinha coragem de sair e se relacionar com vizinhos ou amigas, a jovem aguentava tudo limitando-se a escrever cartas ao pai e orar com fervor. As situações de violência continuaram, o Dr. João Dória chegou na farmácia um dia para conversar com o Alfredo e ouvir os gritos da jovem. Dizia que seu marido a havia espancado e não a dava remédios, enquanto ela narrava a violência sofrida, o agressor ria.

A violência não parou, e resultou na morte de Corina Portugal, no ano de 1889 com 32 facadas. Depois de matar a esposa, Alfredo vai até a casa de Dória e o pede para ir lá dizendo que está indo até a polícia. Porém o assassino tinha um plano, precisava de uma narrativa para justificar o que fez, diria portanto que Corina estava traindo com outro homem por isso a matou. Para que a história fosse a mais proveitosa possível, esse homem seria João Menezes Dória, Uma vez que Dória fazia parte do Partido monárquico o qual Alfredo e seu irmão eram contrários pois eram republicanos.

Nessa disputa política aparece o nome do importante personagem por trás da história, Vicente Machado da Silva Lima, o advogado está do mesmo lado político de Alfredo e derrotar João Dória para ele seria proveitoso politicamente. Atesta então que seu cliente matou em defesa da honra, já que Corina mantinha um caso com o Doutor João Menezes Dória, e por isso Campos deve ser inocentado.

Assim a narrativa se constrói, Alfredo de Campos, é defendido pelo grande advogado Vicente Machado e recebe o papel de vítima na história, pois estava sendo traído e matou em defesa de sua honra. O Dr. João Doria recebe o papel de vilão, e essa narrativa garante a Alfredo o apoio da população pontagrossense. No decorrer do tempo do processo, uma carta enviada por Corina a seu pai é obtida, e nela Corina diz que teme que seu marido a mate. 

Entretanto, Alfredo é inocentado pelo júri popular, Vicente Machado se torna Governador do Paraná, e Corina está morta, esses são os desfechos deste crime do século XIX. 

A história de Corina se tornou conhecida em Ponta Grossa, e hoje ela é considerada uma santa popular. A devoção a Corina começou por uma pontagrossense chamada Maria. Esta orou no túmulo de Corina, pois também era vítima de violência doméstica, e segundo ela depois disso seu marido mudou o comportamento. Isso levou várias outras pessoas a clamarem por Corina, hoje seu túmulo conta com inúmeras placas de graça recebidas, bem como bilhetes  pedindo para que a injustiçada Corina ouça suas súplicas.

 

Referências:

FERNANDES, Josué Corrêa. Corina Portugal: história de sangue & luz. 1999.

PETRUSKI, Maura Regina. Eu oro, tu oras, eles oram para Corina Portugal. Revista Brasileira de História das Religiões, v. 4, n. 12, 2015.

 

Autora: Patricia de Campos Bida

Acadêmica do 4° ano do Curso de História da UEPG

Ano: 2023

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