Atividade Extensionista na Serra do Apon celebra a diversidade e a história de resistência Quilombola na região

No dia 03 de junho de 2019, as professoras do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Dra. Lucia Mara de Lima Padilha, Dr.ª Nelba Maria Teixeira Pisacco e a doutoranda Nilvan Laurindo Souza, promoveram a  4ª Edição do Curso de extensão: “Relações Étnico-Raciais: possibilidades pedagógicas para o cumprimento da lei 10.639/03”. 

A atividade extensionista pedagógica, vinculada ao Programa de Extensão e Pesquisa em Processos de Aprendizagem – PROA, financiado pelo Programa Universidade Sem Fronteiras, que tem como uma de suas premissas a inclusão educacional e social, de maneira e valorizar a identidade afrobrasileira e rememorar a história de resistência da Comunidade Remanescente de Quilombolas da Serra do Apon, localizada no município paranaense de Castro.
Com cerca de 45 alunos entusiastas da proposta extensionista, um ônibus cedido pela Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Castro garantiu a viagem do grupo até a Comunidade da Serra do Rio Apon, levando em torno de 1h30 desde a sede do Município de Castro.
Juntamente com a equipe de extensão da Pedagogia, estavam presentes os representantes Grupo de Pesquisa e Extensão Interconexões (UEPG), integrante da Rede CASLA-CEPIAL, o professor Nicolas Floriani e a doutoranda Cleusi Stadler Bobato, e a equipe da Secretaria de Educação de Castro, a Secretária de educação Profa Rejane de Paula Nocera e a coordenadora pedagógica das Escolas do Campo, Luiza Nunes, ambas equipes parceiras de projetos comunitários.
Tais parcerias extensionistas vêm ao encontro do Projeto de Extensão Universitária da Casa Latino-americana e da Rede CASLA-CEPIAL intitulado  “Unitinerante: Universidade dos Direitos Humanos, da Natureza, pela Paz e o Bem Viver“, cujo objetivo é “objetivo geral promover o diálogo entre atores sociais (Academia, Organizações e Movimentos Sociais e Setores do Poder Público) a fim de deliberar e aprovar conjuntamente ações extensionistas estratégicas, priorizando-se projetos com atuação em grupos sociais em situação de vulnerabilidade social e ambiental. “
 
 
UMA ATIVIDADE PEDAGÓGICA PARTICIPATIVA: EMPODERANDO OS OS ATORES COMUNITÁRIOS
 
Profa. Lucia: O curso de extensão visou a formação inicial com acadêmicos (as) dos cursos de Licenciatura em Pedagogia e Licenciatura em Geografia da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Os participantes tiveram a oportunidade de refletir sobre a desigualdade social do negro como um processo histórico de legitimação ideológica do racismo em nossa sociedade; Identificar as políticas educacionais que visam promover a igualdade racial nas escolas; Compreender historicamente as contribuições africanas e negras no Brasil; Conhecer a história e a importância das Comunidades Quilombolas no Paraná; elaborar e executar ações de cunho pedagógico que visem combater o preconceito e contribuir para a valorização da identidade da criança negra. 

As propostas pedagógicas foram desenvolvidas com a Comunidade Quilombola da Serra do Apon e com os (as) alunos (as) da Escola Municipal do Campo Professor Benedito Roque de Campos Leal – Serra do Apon – Socavão Castro/PR.
A atividade extensionista propiciou a aproximação dos (as) acadêmicos (as) dos cursos de licenciatura com o temática em questão, visando atender as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, contidos no Parecer 003/2004 elaborados pelo CNE, que regulamenta a alteração trazida pela Lei 10639/2003 à Lei 9394/1996, nos artigos 26, 26A e 79B, bem como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, contidas no parecer do CNE/CEB nº 16/2012, aprovado em 5 de junho de 2012. 
 

O papel das universidades é definido na Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004, CNE/CP (Brasil, 2004) que diz em seu Art. 1º, § 1º: “As Instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos cursos que ministram a Educação das Relações Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/CP 3/2004”. Neste sentido, em consonância com a missão da UEPG e tendo em vista suas políticas de inclusão social, esta atividade extensionista se insere nas políticas públicas afirmativas que objetivam a superação das desigualdades sociais e o cumprimento da legislação vigente no âmbito escolar.
 
 
O projeto “ Minha História começa aqui, e pelo mundo eu vou”, é realizado na Escola Municipal do Campo Professor Benedito Roque de Campos Leal, na localidade de Serra do Apon, Castro/PR, pelas professoras Silmara e Jozana Carneiro e a participação da professora Mara Suelem. O projeto realizado pelas professoras tem por objetivo valorizar e resgatar a tradição e a cultura negra por meio de ações que contemplem a participação efetiva da comunidade, alunos e pais de alunos em parceria com a Escola.
 
 A atividade desenvolvida na escola resultou em uma Mostra Cultural Quilombola, o artesanato realizado pelas famílias, estimulou o espírito cooperativo das famílias em prol do melhor desenvolvimento dos alunos. A representação teatral, feita pelas crianças, e, apresentada para os (as) acadêmicos da UEPG, traduziu de forma peculiar a conscientização negra, onde os protagonistas eram bonecos negros que viviam uma trama baseada no preconceito e discriminação sofrido por um boneco pelo fato de ser negro.
REVISITANDO A MEMÓRIA DA REGIÃO: DE ESCRAVOS FUGIDOS À VISIBILIZAÇÃO DOS SUJEITOS HISTÒRICOS
Prof. Nicolas: Em parceria com as professoras extensionistas da Pedagogia, os integrantes do Interconexões, professor Nicolas Floriani do Departamento de Geociência e a doutoranda do Programa de Pós-graduação em Geografia, Cleusi Bobato, tiveram a oportunidade de realizar entrevistas com lideranças comunitárias da Serra do Apon. Entre elas, destacaram-se os depoimentos de Dona Vanir Maciel Rodrigues, quilombola de 76 anos e do Sr. Pedro Rodrigues Silva, com seus surpreendentes 100 anos de história. 
Equipes de Pesquisa Extensão Interconexões e da Secretaria de Educação de Castro pousando em fotografia juntamnte com Dona Vanir, ao lado direito do fogão à lenha de sua cozinha.
Dona Vanir, liderança quilombola relatou seus duros anos de repressão, violência e discriminação sofridos pela comunidade, quando aos seus nove anos de idade, ela e seus familiares foram sequestrados por paramilitares a mando de fazendeiros, encarregados de assassinar seu pai. A luta pela terra também foi rememorada por Seu Pedro, que lucidamente relatava os episódios de violência contra as famílias de agricultores negros.
Personagens como o “fazendeiro Salgado” e o governador “Manuel Ribas” aparecem nesses episódios relatados do recém criado estado do Paraná. O citado fazendeiro figura como autor de crimes de grilarem, ameaças e violência física praticados por jagunços de fazendas (antigas sesmarias) do Sertão paranaense contra contra homens, mulheres e crianças dessas comunidades, entre as décadas de 1950 e 60.
 
O ex-governador, interventor do estado nomeado por Getúlio Vargas, filho de brigadeiro do Exército, figura como construtor da Estrada do Cerne, obra que iria cortar inúmeros territórios faxinalenses e quilombolas da Região. É nesse contexto de um regime político autoritário de intervenção federal no recém criado Estado do Paraná onde vigorava uma prática institucionalizada de grilarem de terras de posseiros em públicas devolutas do Estado, que Seu Pedro testemunha sua vida de trabalho no campo como empregado da fazenda de 260 alqueires de “Manuel Ribas”, onde criava-se gado para vendê-lo na sede de Castro.
 
Outro episódio de suma importância, a revolta dos escravos da Fazenda Capão Alto, em Castro, é recriado por Dona Vanir, quando incentivada a falar sobre a origem do território quilombola: nos relata a senhora quilombola que seu bisavô chegara à localidade atual juntamente com outras famílias negras perseguidas. As condição nas quais chegaram e sobreviveram os escravos revoltos perderam-se, contudo, na memória dos antepassados.
Pouco conhecida no Paraná, a revolta dos escravos da grande fazenda do Capão Alto denuncia a forma de instituição de latifúndios no Brasil e América Latina colonial. Antiga Sesmaria da Paragem do Rio Iapó, repassada por coronéis português à irmandade Carmelita pra exploração de gado e erva-mate, os escravos – de origem indígena, no início do regime administrativo da sesmaria –  organizaram um movimento contrário à venda da fazenda a um empresário da paulista, então capital da província paranaense. Diante da venda iminente, muitos escravos queimaram, por volta de 1864, as senzalas, fugindo e adentrando-se nas matas do grande latifúndio de Castro; outros grupos esconderam-se nas matas de Itaiacoca, município vizinho de Ponta Grossa, outros grupos no município de Palmeira.
 
Talvez aí resida uma explicação para a violenta e contínua reação das oligarquias locais à revolta dos escravos e de camponeses caboclos (as revoltas do Contestado e do Porecatu, por exemplo) que se apossaram de terras incrustadas na imensidão do Sertão do Paraná tradicional, e onde se inseriram parcialmente na sociedade agrária das pequenas comunidades (bairros rurais) agregadas aos latifúndios, mas por muitos anos permanecendo em silêncio.
 
Atualmente, a comunidade negra da Serra do Apon, embora reconhecida pelo Estado como Comunidade Remanescente de Quilombolas, encontra-se exprimida em meio à propriedades que antes pertenciam a seu território original.
As memórias de Seu Pedro e Dona Vanir, nos remetem a uma temporalidade que se entrecruza com a fase da modernização desse espaço rural, a partir dos anos de 1980. Mesmo assim, algumas das antigas práticas produtivas como a roça de toco e a criação de porcos, as capelas e as festividades – organizadas antigamente para celebrar os puxirões – ainda são reproduzidas.
 
Nesta imagem é possivel ver Seu Pedro Rodrigues, sentado ao lado de sua Cunhada e afilhadas. Junto à elas está a doutoranda Cleusi Bobato. Na mesa, estão dsipostas sementes crioulas de milho e feijão doadas ao Interconexões pela cunhada de Seu Pedro.
Herança da formação socioespacial do Paraná Tradicional, a cultura camponesa quilombola e faxinalense nos remete à fase de transição do período Monárquico para o início da República, onde a região era comandada  por antigas práticas de coronelismo clientelista e escravagista, (e, pasmem, ainda permanece estas práticas) que explorava camponeses caboclos posseiros e subjugava e reprimia violentamente os territórios negros e indígenas.
 
Vista da entrada da Comunidade Remanescente de Quilombolas da Serra do Apon, município paranaense de Castro.
 
Contudo,  a partir da redemocratização da sociedade brasileira, marcada pela instauração da constituição de 1988 e, mais recentemente a partir dos anos 2000, quando diversos atores sociais, incluindo a Universidade Pública,  passaram a atuar na garantia das políticas pública de reconhecimento dos direitos socioterritoriais, endossadas por governos populares estadual e federal, essas vozes se fizeram ouvir cada vez mais fortes e presentes.
 
 
Reconhecida, no início dos anos de 2000, por meio de lei Estadual e Federal  como comunidade remanescente de quilombolas, a comunidade negra vê-se exprimida em pequena área do que era antigamente um território maior. Os moradores não possuem mais que um hectare de terra por família, sendo obrigados a trabalharem em fazendas, mineradoras ou na cidade de Castro.
 
A disposição das casas de madeira no sentido de um semi-quadrado fechado, pode ser interpretada como uma testemunha da forma de defesa dos moradores quilombolas, adquirida com o passar dos anos frente aos atos de violência cometidos por jagunços nas décadas de 1950 e 1960.
 
No entanto, os retrocessos promovidos pelo governo federal atual, à garantia dos direitos dessas populações rurais, impuseram uma agenda autoritária de supressão das históricas conquistas sociais. Os interesses da rancorosa oligarquia agrária, apoiada por grupos evangélicos fundamentalistas, milicianos e grandes empresários fraudadores dos cofres do Estado -ademais de instituições norte-americanas de direita responsáveis por apoiar financeiramente a criação de canais midiáticos golpistas nos Estados Unidos durante o governo popular de Dilma Roussef)- têm traçado uma cruzada fascista aos movimentos sociais e as camadas populares da sociedade: o desrespeito à diversidade cultural, religiosa e de gênero, a imposição de uma economia de mercado liberal neoextrativista, a precarização dos direitos trabalhistas, o sucateamento de universidades e a venda de sólidas empresas estatais, somam-se a prática mais enraizada da oligarquia agrária pseudo-urbanizada brasileira: a grilarem institucionalizada de territórios ancestrais indígenas e quilombolas reconhecidos na constituição de 88 e por leis estaduais e ratificados em acordos internacionais.
Não obstante a violação desses direitos socioterritoriais, ações includentes e solidárias como a  extensão universitária buscam defender essas conqueistas sociais históricas e também traçar vias alternativas ao desenvolvimento local dessas regiões em situação de vulnerabilidade social, buscando por meio de novos arranjos locais (prefeituras, ONGs, Ministério Público, entre outros) dar voz e voto às populações subalternas e inviabilizadas.
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