As políticas de morte para soropositivos
Cortes orçamentários e problemas na distribuição de medicamentos mostram o desmonte das políticas públicas para pessoas com HIV/AIDS
“Esse sempre foi meu pesadelo. Se um dia acabar o medicamento? E se um dia não derem mais?”, este é um dos medos de Silva*, 26 anos, que mora em Ponta Grossa e vive com HIV há dois anos. E o medo dele não é uma preocupação à toa pelo fato de ele ser uma pessoa que depende dos medicamentos fornecidos pelo sistema público de saúde. Os cortes no orçamento e os problemas de distribuição são reais e podem comprometer o abastecimento nos postos de saúde. Os remédios são importantes para que a carga viral seja nula e, assim, se torne indetectável e intransmissível. Nessa condição, Silva não transmite o vírus.
Um dos medicamentos que está em falta é o Lamivudina. O Ministério da Saúde, por meio de protocolo, recomenda que o remédio seja prescrito para os pacientes devido à alta eficácia e aos poucos efeitos colaterais a curto e longo prazo. Silva faz uso deste remédio. Ao consultar, em outubro, o Serviço de Assistência Especializada (SAE), órgão responsável pelo tratamento de infecções sexualmente transmissíveis (IST), ele não conseguiu a quantidade de remédios para o período de três meses que o Sistema Único de Saúde (SUS) normalmente libera. “Liberaram medicamento só por 30 dias. Só depois da entrega do exame CD4 podia pegar o medicamento restante. No momento, nem pensei que poderia ter problemas relacionados a isso”. O exame CD4 é realizado em laboratórios para analisar o sistema imunológico da pessoa que vive com HIV. Apesar de ser feito a cada seis meses ou um ano pelos pacientes, não há relação com o fato de poder retirar o medicamento, isso porque o tratamento deve ser contínuo independente do resultado do exame.
Marcelo Wisniewski, gerente farmacêutico da farmácia do Serviço de Assistência Especializada no município, explica que o estoque atual em Ponta Grossa está normal e que os medicamentos podem ser retirados pelos pacientes para o período de 90 dias. “Neste momento não temos nenhuma informação sobre escassez de medicamentos. Existem situações pontuais que alguns medicamentos ficam menos abastecidos e tenho que administrar meu estoque para atender em menos tempo”. Perguntado sobre a situação de Silva, Marcelo não soube responder.
Os cortes orçamentários nas áreas da saúde em outubro foram de R$ 400 milhões. Desde 2019, com o início do governo de Jair Bolsonaro, várias pastas de políticas assistenciais da saúde tiveram redução de gastos prejudicando a fabricação de medicamentos importantes como a hipertensão, diabetes e câncer. As perdas de recursos diretamente ligadas ao Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis somam mais de R$ 3,3 bilhões.
Os cortes não impactam somente na distribuição de remédios, mas também na realização de exames de pessoas vivendo com HIV. Fabrício* vive com HIV desde 2016 e compara que em anos anteriores conseguia pegar mais remédios para a continuidade de seu tratamento. “O que percebo é que antigamente distribuiam remédios para três meses. Até os exames fazia a cada seis meses para conferir se tudo estava certinho. Hoje só fazem a cada um ano”.
O médico Felício de Freitas trabalha com pacientes soropositivos que estão na urgência e emergência em uma Unidade de Pronto-Atendimento de Ponta Grossa. Com a ordem do Ministério da Saúde em usar terapia dupla para o tratamento de HIV, têm sido difícil seguir a orientação devido à falta de medicamentos. “Com os recentes cortes na saúde, a fabricação da produção do remédio Lamivudina foi diminuída, isso faz com que liberar remédio para a terapia dupla seja só em situações expeciais”, explica.
* Nomes fictícios usados para resguardar o sigilo da identidade das fontes, ga.
Ficha Técnica:
Reportagem: Leonardo Duarte
Edição e Publicação: Gabriel Ryden
Supervisão de produção: Muriel E. P. Amaral
Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira e Carlos Alberto de Souza