Cogumelos alucinam em Ponta Grossa
É possível comprar o produto secou ou in natura até por aplicativos de mensagem para tratamento de depressão
Um jovem entra em uma rede social e encomenda cinco gramas de cogumelos alucinógenos. Cada grama custa mais ou menos R$30 . O jovem que os comprou mora em Ponta Grossa. Na cidade, e provavelmente em muitas outras do Brasil, as pessoas estão tendo cada vez mais acesso a alucinógenos diferentes das drogas comuns que a polícia costuma apreender, como maconha, crack e cocaína.
Em Ponta Grossa, os cogumelos são comercializados seco e in natura. Apesar de não ser proibido, a venda também não é escancarada, à luz do dia. Por aplicativo de mensagem, é possível comprar, por R$100, uma porção capaz de alucinar uma pessoa. A dose é grande, e dependendo da cautela do interessado, pode ser dividida em duas.
O cogumelo também pode ser usado na culinária, in natura. É possível, por exemplo, fazer uma salada ou estrogonofe alucinógeno. Ao ser comido seco, o processo de absorção é mais lento e a alucinação demora mais. Se for feito um chá, o efeito é quase imediato. Mas nem tudo são campos de morango. Alguns podem experimentar os efeitos negativos dos cogumelos mágicos, as chamadas “viagens ruins”, caracterizadas por pânico, medo, delírio, paranoia e ansiedade.
Se consumido em doses maiores do que o recomendado, ocorre profunda desconexão com a realidade, mas, ao sentir os primeiros efeitos, o jovem lembra do que disse o comediante o norte-americano Bill Hicks: “Hoje um jovem sob efeito de ácido percebe que toda a matéria é apenas energia condensada em uma vibração lenta, que somos todos uma consciência experimentando-se subjetivamente, não existe morte, a vida é apenas um sonho, e nós somos a imaginação de nós mesmos ”.
O jovem que ingeriu o cogumelo pensa em sair para rua e curtir a viagem. Percebe que o sol é mais intenso, o barulho das ruas, maior. Ele presta atenção em detalhes que nunca percebeu, apesar de ter morado a vida toda na cidade. E uma imensa sensação de paz interior faz ele pensar na grandeza do cosmos.
Ele se sente uno com a existência ao ver que o mundo vibra na mesma frequência que ele, que somos todos parte de um mesmo organismo. Logo, a euforia provocada pela viagem faz rir. A sensação de alegria toma conta do corpo que chora, lágrimas não de tristeza, mas de consciência. Consciência da responsabilidade que é ser humano. Horas depois, em volta da fogueira, amigos ouvem música e comem aos pedaços mais cogumelos desidratados. O que desperta a lembrança da conexão com a natureza. Um chamamento de volta à terra.
Cogumelos contra a depressão
Atualmente, o cenário de uso de cogumelos é diferente dos anos 60, em que os hippies se reuniam logo após um dia de chuva para buscar, em pastos, especificamente nos excrementos de bois e vacas, cogumelos para degustar. Hoje, eles são cultivados na cidade em recipientes com substrato próprio para o desenvolvimento dos fungos. Cada esporo específico gera determinado tipo de cogumelo.
Segundo Vendedores de Cogumelos Anônimos, o mais vendido é o Psilocybe Cubensis, espécie de cogumelo alucinógeno com efeitos semelhantes a dietilamida do ácido lisérgico (LSD), descoberto por acidente em 1939 pelo químico suíço Albert Hoffmann.
Além do uso recreativo, micro doses se tornam um meio para tratar a depressão. A psilocina e psilocibina, substâncias presentes nos cogumelos, altera o humor e abre as famosas “portas da percepção”. O conceito está presente nos versos de William Blake, que inspirou o livro “Portas da Percepção” de Aldous Huxley e que, por sua vez, dá nome à banda de The Doors, integrante da contracultura dos anos 60 e 70.
De acordo com o antropólogo, micologista e autoridade do gênero Psilocybe, Gastón Guzmán Huerta, a substância está presente em todos os continentes, mas nem sempre possui propriedades psicotrópicas. Ainda assim existem, ao menos, 145 espécies com efeitos alucinógenos classificadas no gênero Psilocybe.
O trabalho Mystical experiences occasioned by the hallucinogen psilocybin lead to increases in the personality domain of openness, de Katherine A. MacLean, Matthew W. Johnson, and Roland R. Griffiths, publicado no Journal of Psychopharmacology, em 2011, indicou que as pessoas que usaram essa substância tornaram-se mais receptivas a novas experiências. O pesquisador Jorge Luis Bandeira Souza, em A psilocibina e o seu potencial terapêutico em saúde mental”, também argumenta a favor da substância no tratamento da depressão.
Longa história
Conhecidos há mais de dois mil anos, os cogumelos alucinógenos fazem parte da cultura dos povos astecas, maias e outras tribos indígenas ao redor do mundo. Estátuas de cogumelos são encontradas no México e na Guatemala. Há outros registros manuscritos de cerimônias de cogumelos mágicos nas quais os astecas os combinavam com cacau para ser servido como uma bebida. Em outras cerimônias, os cogumelos eram ingeridos sozinhos e seguidos do fruto, possivelmente para amplificar os efeitos psicoativos, pois o cacau contém inibidores que previnem a degradação da psilocibina e modulam neurotransmissores, como a serotonina.
Foram as alterações de humor causadas pela psilocibina que fizeram com que a substância se tornasse tema de pesquisas no combate à depressão. Todas essas sensações acontecem pelo fato de que a psilocibina, um alucinógeno do tipo triptamina, ativa o corpo de receptores de serotonina no córtex pré-frontal do cérebro.
Essa região envolve a cognição, a percepção e as alterações de humor. Quem usa a psilocibina para fins recreativos pode sentir sensações como euforia, desinibição e distorções sensoriais. Alguns entusiastas também relatam que as micro doses ajudam a aumentar a consciência espiritual e melhorar os cinco sentidos.
Existe ainda a teoria de que a própria evolução do cérebro humano aconteceu depois que nossos ancestrais ingeriram cogumelos com propriedades psicoativas. Trata-se da “teoria do macaco chapado” (em inglês, stoned ape theory), segundo a qual o consumo da psilocibina presente nos cogumelos foi responsável por uma aceleração do desenvolvimento cerebral do hominídeo primitivo.
Ficha técnica:
Reportagem e arte: Gabriel Clarindo Neto
Edição e Publicação: Gabriel Clarindo Neto
Supervisão de produção: Marcos Zibordi
Supervisão de publicação: Candida de Oliveira e Muriel E. P. Amaral