Com vocês, a última cena

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Locadora de DVDs resiste à crise econômica; proprietária nem pensa em fechar

Quem passa pela Avenida Carlos Cavalcanti, a principal e mais movimentada do bairro de Uvaranas, pode não reparar em uma discreta fachada ao lado de um escritório de advocacia. Com o recuo de um pequeno estacionamento à frente, o nome e função do estabelecimento pedem certa atenção que, seguramente, o fluxo da avenida não favorece: trata-se da única locadora de DVDs ainda em atividade em Ponta Grossa.

Com cinco corredores de estantes forradas de DVDs e cartazes de filmes espalhados, o ambiente pode despertar a nostalgia em quem muito frequentou esses lugares, anos atrás. Do cartaz antipirataria ao aviso de devolução imediata para títulos de alta procura, a locadora entrega todas as sensações possíveis do modelo tradicional de uma vídeo locadora.

Em poucos passos, chega-se ao balcão. Nele, sempre de prontidão, está Ana Cristina Ferreira, proprietária da locadora Aneisa, termo originado da junção dos nomes de suas filhas Layn Anne e Isabela. O estabelecimento iniciou as atividades em 2001 e está sob o controle de Ana há nove anos.

Entusiasmada, Ana fala com propriedade e sentimento sobre sua locadora: “É minha menina dos olhos”. Com nove mil fichas de clientes e quase 12 mil títulos no catálogo, a proprietária não pretende encerrar as atividades, mesmo com o impacto causado pela pandemia. “Já tivemos entre 100 a 200 frequentadores semanais na locadora, agora estamos em cerca de 30 a 50”.

A queda no faturamento obrigou Ana a agregar produtos diversos em seu estabelecimento, como doces e sorvetes, para complementar a renda. “Mas o foco sempre vai ser a vídeo locadora”, garante.

Quanto à oferta de filmes, Ana diz que todas as grandes empresas continuam produzindo seus lançamentos em mídia física. Porém, a Disney interrompeu a produção na América Latina, no Japão e na China. “Creio que não era isso que o Walt queria com a sua obra”. A proprietária ainda afirma que a quantidade de títulos para compra sofreu queda apenas por conta da pandemia, mas nunca beirou a possibilidade de ser extinta. “Contávamos com até 40 filmes por mês para comprar, hoje caiu para 5 ou 6”.

Sensações físicas

Para Ana, a grande diferença está na experiência sensorial que o formato físico proporciona. Com o streaming, parte do ritual de assistir a um filme foi perdido. O DVD entrega experiências que podem ser associadas até ao vinil: do toque ao abrir a caixa à leitura de um encarte. “A vídeo locadora permite esse toque, que está acabando na humanidade. É você poder entrar aqui e pegar, ver, sentir”.

Resistindo ao tempo, Ana lamenta por ter acompanhado o fechamento das demais locadoras da cidade. Segundo ela, mais de 100. O entusiasmo dá lugar ao tom sério para defender que as locadoras deveriam ser patrimônio cultural. Segundo Ana, 249 ainda estão em atividade no Brasil. A questão financeira não deixa de ser difícil, mas o valor de sua profissão está acima de qualquer preço.

Rapidamente, seu entusiasmo volta quando menciona a alegria das pessoas ao descobrir o local ainda aberto. “Todo mundo tem uma história com uma locadora, exceto pela nova geração, que a gente torce para que venham a ter”, comenta Ana.

Ficha técnica:
Reportagem: Cássio Murilo
Edição e Publicação: Luiza Nogueira
Supervisão de produção: Muriel E. P. Amaral
Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira e Carlos Alberto de Souza


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