De pai para filho: lendas perpetuam expressões do imaginário entre gerações

De pai para filho: lendas perpetuam expressões do imaginário entre gerações

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Família relata ter visto Lobisomem e outras criaturas mitológicas

“Isso não é uma história, é coisa que a gente viu acontecer” afirma Nelci Pedry Soares, de 54 anos, agricultora e moradora de Rebouças (PR), sobre o aparecimento de um Lobisomem. Durante entrevista realizada com a agricultora e sua filha, Iria Pedry Soares, diversas histórias com criaturas folclóricas foram contadas, como o Lobisomem, o Boitatá, a Mula-sem-cabeça, entre outras. Ao longo das gerações, as histórias desses personagens são passadas de pai para filho. 

Entre as histórias narradas, uma delas Nelci vivenciou na sua infância, quando a família Pedry morava no interior de Rebouças, no Saltinho. Na época, a família criava galinhas que costumavam dormir em cima de um poço d’água. Em toda manhã, a mãe de Nelci limpava a sujeira das galinhas antes de tirar a água. Mas, em uma sexta-feira de quaresma, perceberam que não havia mais esterco na tampa do poço e seu tio suspeitou que um Lobisomem estava comendo as galinhas à noite. O pai da agricultora que, segundo ela, “toda vida quis dar uma de machão”, disse que se fosse um Lobisomem montaria a cavalo em cima dele. 

Naquela noite, estavam todos dormindo quando começaram a ouvir assopros tão fortes que estremecia a porta da casa de madeira em que moravam. Nelci conta que a casa tinha assoalho também de madeira e puderam ver o pelo do Lobisomem por baixo do chão. Ouça o relato da agricultora abaixo.

Para ela, era o bicho mais feio do mundo.

O ser começou a provocar os cachorros deles. O pai de Nelci pegou uma arma e atirou por cima da criatura. Outros parentes moravam no mesmo vilarejo e escutaram os barulhos, e logo responderam com mais tiros e bombas. “Foi um rebuliço de cachorro latindo, tiros e bombas e o Lobisomem saiu correndo. Fugiu e nunca mais apareceu por lá”, conta a agricultora.  

A história, em um contexto diferente, se repetiu na última quaresma com Iria, filha de Nelci, de 31 anos. Ao dormir com o marido, ouviu seus cachorros ficarem bravos, era a primeira noite que os cães agiam assim. Davi, marido de Iria, levantou no escuro e ela o seguiu. “Pense no tamanho do Lobisomem que estava sentado escorando nossos cachorros na frente da cerca”, relata. Quando seu marido pensou em soltar uma bomba para espantar o bicho, ele sumiu. Ao relembrar o acontecido, Iria se arrepiou de medo. Segundo ela, seu marido, que antes não acreditava nas histórias da família, passou a acreditar depois de ver com os próprios olhos. Ouça Iria contar um pouco mais da história.

Moral da história

Andriolli Costa, 33 anos, é professor adjunto do Departamento de Jornalismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, e produtor do podcast Poranduba, sobre o folclore brasileiro. Segundo o professor, existe uma função social por trás deste tipo de narrativas, uma vez que são expressões da alma que em última instância falam sobre nós mesmos. Para ele, a razão de as pessoas se reunirem para contar histórias é o que faz com que esses mitos existam. “Não existe um mito individual. Na coletividade, a gente partilha dessas narrativas e sendo assim, a autoria se torna coletiva. É por isso que podemos falar em sociabilidade, os mitos são representativos da alma, dentro disso eles vão falar sobre nós, são espelhos de nós”, destaca.

O folclore brasileiro é repleto de seres mitológicos. Imagem: Ana Moraes

Mais importante que a sociabilidade viabilizada por esses contos são perspectivas relacionadas às expressões do imaginário humano, conforme Andriolli,. “Sendo expressões imaginárias, também podem tratar-se de manifestações traumáticas. Têm mitos que representam sonhos, esperanças, desejos e até os nossos medos mais profundos. Dessa forma representam nossas ilicitudes, ou seja, os nossos pensamentos ruins”, comenta. 

Para além do entretenimento, essas narrativas representam um elo familiar, que alcança outras gerações e que é repassado e perpetuado na lembrança de quem conta e de quem escuta, se tornando uma tradição. 

 

Ficha Técnica

Reportagem: Ana Moraes

Áudios/ilustração: Ana Moraes

Edição e Publicação: Vinicius Sampaio

Supervisão de produção: Luiza Carolina dos Santos

Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira e Muriel E.P. Amaral


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