Falta sombra em Ponta Grossa

Falta sombra em Ponta Grossa

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Projeção indica déficit de quase 35 mil árvores na área urbana da cidade

Quem caminha pela região central de Ponta Grossa enfrenta um desafio: as calçadas estreitas. Uma das consequências da falta de espaço é a ausência de árvores. Em uma tarde ensolarada, com termômetros marcando 26 ºC, caminhei pelas ruas Senador Pinheiro Machado e Santana, um trecho de aproximadamente 2 km. A ideia era contar quantas árvores havia nas calçadas, trabalho que não foi tão complicado, já que não encontrei nenhuma. As únicas estavam nas praças Alfredo Pedro Ribas, próximas ao antigo Pronto Socorro; Marechal Floriano Peixoto, em frente à Catedral, e Praça Barão do Rio Branco, em frente ao Colégio Regente Feijó. Para quem caminha por ali, esses três pontos são oásis no asfalto (confira o trajeto no mapa abaixo).

 

Mapa: Matheus Gaston

 

No trajeto, a única sombra disponível é formada pelos edifícios. No entanto, a disponibilidade ainda depende da posição do sol. Se a intenção era cruzar com árvores pelo caminho, tudo deu errado; encontrei postes e placas de sinalização. Como se não bastassem as calçadas estreitas, alguns desses equipamentos estão amontoados, o que dificulta ainda mais a passagem das pessoas. Em levantamento do Laboratório de Estudos Socioambientais (LAESA), da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), foram mapeadas 28.925 árvores em vias urbanas. Ou seja, aquelas que foram plantadas nos passeios públicos. O mapeamento do grupo, que foi criado em 2013 e integra o Programa de Pós-graduação em Geografia (PPGGEO), foi feito a partir de pesquisa de campo e imagens de satélite.

Ainda que o número obtido pelo levantamento seja alto, LAESA projeta déficit de quase 35,2 mil árvores em Ponta Grossa. De acordo com o estudo, a cidade possui um potencial para arborização de aproximadamente 64 mil árvores. O cálculo leva em consideração a soma da extensão de todas as vias urbanas e medidas recomendadas por pesquisadores da área, como o plantio a uma distância de no mínimo cinco metros de esquinas, placas e postes. O laboratório reforça que o número pode ser menor, já que o dado sobre a largura das calçadas não está disponível. Na rua Senador Pinheiro Machado, por exemplo, a maioria dos passeios têm pouco mais de um metro, o que impossibilita o plantio. No Centro, a pesquisa contabiliza 970 árvores. O bairro está entre os menos arborizados, atrás apenas de Olarias (831) e Neves (726). Enquanto isso, Chapada e Contorno são as localidades com os maiores números, tendo 3.101 e 3.461 árvores mapeadas, respectivamente.

 

 

Mesmo que dois bairros tenham mais de 3 mil árvores cada, a mestranda em Geografia da UEPG e integrante do LAESA, Bárbara Macedo, explica que também é necessário se atentar à distribuição das plantas pelo território analisado. “Ponta Grossa possui, em média, 22,5 árvores por quilômetro de rua, o que é considerado baixo pelos estudiosos. A média ideal é de mais de 100 plantas por quilômetro”. Com 2.465 árvores, o Cará-Cará possui a maior área territorial do município. No entanto, a região tem o menor índice de distribuição, com 4 árvores por km de via. O local com a melhor média é o Ronda, com aproximadamente 42 arv/km.

 

Redução do verde urbano
As árvores têm diferentes funções ecológicas como a amenização das temperaturas, sombreamento, infiltração de água no solo – que diminui o risco de enchentes e inundações – e o consumo de gás carbônico da atmosfera. Além de colorir a paisagem, elas também trazem benefícios econômicos, como a valorização de bairros com mais verde.

Com ampliação do processo de urbanização, as coberturas vegetais dentro das cidades perdem espaço, seja para a construção de edificações ou para a abertura de ruas. Outro fator que contribui para a redução é a falta de planejamento urbano. Com a intenção de priorizar o fluxo de carros, algumas ruas e avenidas foram alargadas ao longo dos anos. Com isso, as calçadas foram encurtadas e se tornaram impróprias para projetos de arborização. “Em alguns locais, mesmo sendo quase nula a arborização, se torna mais preocupante quando você vê que não há um potencial para o plantio”, lamenta Sandra Tadenuma, mestra em Gestão do Território.

Em alguns locais, a falta de planejamento é evidente. Um exemplo apresentado por Sandra é a rua Aldo Vergani, no Jardim Europa. A via possui um canteiro central que já teve árvores de grande porte, mas foram cortadas por oferecerem risco. O espaço recebeu novas plantas, mas algumas delas estão próximas dos postes. “Uma rua importante, com canteiro central, que seria algo positivo, não tem fiação elétrica nas calçadas, mas sim no canteiro. Isso atrapalha o plantio”, diz a mestre.

 

Trecho da rua Aldo Vergani, no Jardim Europa | Foto: Matheus Gaston

 

De acordo com a professora coordenadora do LAESA, Silvia Méri Carvalho, a falta de políticas públicas específicas para arborização reflete no sumiço do verde urbano. Ainda que existam legislações que contemplem a questão ambiental, elas não são suficientes para resolver o problema. Para a professora, a criação de um Plano Municipal de Arborização Urbana, que está em desenvolvimento, pode ser um caminho para traçar diretrizes e estratégias que aumentem a cobertura vegetal em Ponta Grossa.

 

Também falta informação
Uma curiosidade pessoal que surgiu durante a apuração foi entender como faço para plantar uma árvore na minha calçada. Como um cidadão comum, liguei na Secretaria de Meio Ambiente e fiz esse questionamento. Porém, não tive a resposta que esperava. Para começar, o funcionário que me atendeu parecia não ter conhecimento sobre arborização e encaminhava as perguntas a outra pessoa. Ainda que tenha ligado no órgão responsável pela gestão ambiental do município, as informações que obtive foram que não preciso de autorização para plantar, posso fazer o plantio de qualquer espécie e que o município não fornece mudas. A recomendação recebida foi para evitar árvores de porte grande, já que podem comprometer a rede elétrica.

A consequência da falta de informação adequada é o predomínio de espécies exóticas nas vias urbanas. De acordo com dados do LAESA, nos bairros onde ocorreram os mapeamentos, quase 60% das árvores não são nativas. As mais presentes são as espécies ligustro e extremosa, sendo que a primeira é considerada invasora e seu fruto pode intoxicar pássaros. “No caso das espécies exóticas, normalmente não há um predador. Como ela é de outro lugar, ela vai se sobressair em relação às demais, tomando espaço das espécies nativas”, explica Silvia Méri.

Na década de 1980, as duas árvores eram recomendadas para plantio por serem de porte baixo e de rápido crescimento. Denny Jobbins, mestrando e membro do LAESA, esclarece que não há problema em plantar espécies exóticas, desde que elas não predominem em relação às nativas. “Nem toda árvore exótica é ruim. Algumas se adaptam bem ao meio urbano, como as goiabeiras. Porém, é preciso um equilíbrio entre elas e as nativas, para que haja biodiversidade”. De acordo com o pesquisador, a variedade de espécies é vantajosa para o meio ambiente, pois atrai mais pássaros e diminui o risco da propagação de doenças e pragas.

 

Plano de Arborização Urbana
Em novembro do ano passado, a Prefeitura de Ponta Grossa iniciou a produção do Plano de Arborização Urbana em parceria com os pesquisadores do LAESA. Desde 2013, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) recomenda a produção do documento, que deve orientar ações referentes ao diagnóstico, implantação, manutenção e monitoramento da arborização.

Segundo o MP-PR, dos 399 municípios paranaenses, apenas 21 tiveram os planos aprovados e os planos de outras 233 cidades ainda necessitam de adequações para serem aceitos. De acordo com o comitê responsável pela análise dos documentos, a ausência de comprometimento, profissionais e gestores públicos sem conhecimento técnico e a produção de levantamentos inconsistentes são os principais motivos que levam à reprovação dos documentos.

Em Ponta Grossa, o plano está na fase do inventário, que consiste na identificação das árvores plantadas em vias públicas. O trabalho de campo, que teve início em fevereiro, pelo bairro Uvaranas, é realizado por membros do Laboratório de Estudos Socioambientais da UEPG e estagiários da Prefeitura. Nas ruas, os voluntários coletam cerca de 30 informações quantitativas e qualitativas sobre cada árvore encontrada, tais como nome, família, localização, largura da calçada onde foi plantada, altura, risco de extinção e tipo de espécie. O mapeamento é feito com equipamentos do LAESA. Além dos estagiários, a Prefeitura também cedeu um carro para transportar a equipe e dois tablets para armazenamento de dados. A previsão é que o inventário seja finalizado em até dois anos. A partir do conhecimento do patrimônio arbóreo existente, será possível saber o que, como e onde plantar de forma adequada.

 

O que dá pra fazer?
Em relação ao déficit de árvores, os pesquisadores do LAESA apontam ações que podem auxiliar no adensamento da arborização urbana em Ponta Grossa. Inicialmente, é necessário que o poder público dê atenção às pesquisas e estudos feitos pela UEPG e por outros órgãos. “Algumas prefeituras só se preocupam com árvores quando elas oferecem algum risco, como queda, conflito com fiação e danos às calçadas”, diz Bárbara Macedo. “É importante que os gestores ambientais vejam os dados disponíveis e planejem ações”, completa Sandra Tadenuma.

Quando realmente não é possível plantar uma árvore, seja por falta de espaço ou por outras limitações, Denny Jobbins e Silvia Méri sugerem que sejam feitas compensações ambientais. Dessa forma, as espécies seriam plantadas em locais que possam suportá-las, como praças e parques urbanos, vias com potencial para arborização e até mesmo nos jardins residenciais.

A coordenadora do LAESA compartilha que, nas pesquisas de campo, percebe a boa intenção de moradores em plantar uma árvore. Contudo, por falta de informação, algumas espécies são plantadas de forma inadequada. “A população também tem que fazer sua parte, mas às vezes não tem o conhecimento necessário para isso”, observa Silvia. Os pesquisadores reforçam que o poder público deve fazer um trabalho de educação ambiental que, além de alertar sobre os benefícios da arborização, também mostre os riscos do plantio inadequado. “Além de incentivar o plantio de espécies, também é preciso ensinar as pessoas sobre o que, como e onde plantar”, pontua Denny.

 

Onde conseguir mudas?
Para o morador que tem interesse em plantar uma árvore, é possível comprar mudas ou adquirir de forma gratuita. Um levantamento realizado pela reportagem em sete viveiros particulares de Ponta Grossa encontrou espécies de diferentes tamanhos e valores. A maioria das plantas é nativa, como ipê, sibipiruna, ingá, canafístula, dedaleiro, quaresmeira, jacarandá e canelinha. Também são comercializadas árvores exóticas não recomendadas para arborização de vias públicas, como a aroeira-salsa e a extremosa. Os preços dependem do tamanho e da espécie. Em um dos viveiros consultados, a muda de ipê com 1,2 metros custa R$ 18. Já o exemplar da espécie com 6 metros pode valer até 3,8 mil reais.

O Viveiro Florestal da UEPG é uma das opções para adquirir plantas gratuitamente. Em parceria com o Colégio Agrícola Augusto Ribas, o projeto de extensão dos cursos de Agronomia e Biologia produz mudas com foco na arborização urbana e restauração de ecossistemas degradados, além de sensibilizar a população sobre o valor ambiental, econômico e social das florestas urbanas. Os estudantes também desenvolvem pesquisas acadêmicas com espécies florestais, frutíferas e ornamentais.

Anualmente, o viveiro promove o evento “Arboriza Ponta Grossa”, que distribui mudas de árvores nativas para a comunidade em geral e apresenta orientações sobre planejamento, plantio e manejo adequado dessas espécies. O projeto extensionista também divulga materiais informativos sobre arborização em seu perfil no Instagram (@viveiro_uepg).

 

Ficha técnica

Reportagem: Matheus Gaston

Supervisão de produção: Muriel Amaral

Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira e Carlos Alberto de Souza


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