Integrativa ou charlatã? Psicologia Transpessoal encontra relutância

Integrativa ou charlatã? Psicologia Transpessoal encontra relutância

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Pesquisas sobre a quarta vertente da psicologia são mais frequentes, o que não impede aplicação antiética

Cassiana Tozati

Não tenho coragem de denunciar. Acho que, infelizmente, nunca terei. Penso que é a vida e o ganha-pão de uma pessoa”. Esse é o relato de uma jovem publicitária de 27 anos, que preferiu não se identificar, sobre o seu tratamento para depressão há oito anos. Ela conta sua experiência traumática num ambiente onde os traumas são, idealmente, tratados: a sala de terapia. A psicóloga com quem ela fez um ano e três meses de terapia se identificava como terapeuta transpessoal. Desde os anos 70, a abordagem Transpessoal é considerada por estudiosos como a quarta vertente da psicologia, que surgiu após a Humanista, a Comportamental e a Psicanalítica. Ainda controversa, os estudos sobre a Psicologia Transpessoal aumentam a cada ano, e muitos apontam para o fato de que ela requer responsabilidade e estudo por parte dos profissionais para fugir do charlatanismo. 

A abordagem Transpessoal advém da perspectiva holística, que entende o ser humano de forma integral, considerando-o nos aspectos biológicos, psicológicos, sociais e espirituais. O livro Paths Beyond Ego: The Transpersonal Vision, escrito por Roger Walsh e Frances Voughan em 1993 (Além do Ego, na tradução brasileira de 1995) é um dos precursores da abordagem, que reconhece a existência de diferentes níveis de consciência e incorpora a dimensão espiritual como um potencial de cura.

Porém, como na maioria das profissões, a psicologia não foge de práticas irresponsáveis. A publicitária explica que, na época, sua psicóloga a forçava a cumprir com diversas exigências todos os dias, desde meditar e observar a chama de uma vela por alguns minutos, até fazer um curso de Reiki, com a finalidade de vencer um transtorno. Além disso, a psicóloga não acreditava em medicação, o que agravou o quadro de depressão da jovem.

Outras falas irresponsáveis durante o tratamento também fizeram parte da vida da publicitária que aos 18 anos pensava em suicídio diariamente. “Meu pai sempre foi bem abusivo psicologicamente, e ela dizia que eu não ficaria bem se eu não o perdoasse. Ela não indicava um processo para que eu eventualmente decidisse perdoá-lo ou não, era ‘se não fizer isso, você não evoluirá’”, conta. Atitudes imprudentes como essas, afastam a psicologia de seu desenvolvimento como campo científico de conhecimento e de prática, um dos princípios determinados pelo Código de Ética do Conselho Federal de Psicologia.  

Formada em psicologia pela Universidade Estadual de Londrina há 42 anos, Anabela Sabino se identifica com a Psicologia Transpessoal e a utiliza em seu consultório. Ela entende que a natureza humana mudou, e sentia falta de uma abordagem psicológica que reconhecesse o significado das dimensões espirituais da psique, e integrasse esses conceitos na psicoterapia. 

De acordo com Anabela, a Transpessoal oferece técnicas para o tratamento, o que não significa que todas serão utilizadas com todos os pacientes. A terapia é subjetiva. Como no caso da publicitária, as generalizações são muito perigosas. Técnicas como regressão ou hipnose, por exemplo, não são recomendadas para todos por conta do perigo do desbloqueio de memórias.

No contexto de ascensão da Transpessoal e progresso nos estudos, é inegociável que a aplicação fuja da leviandade a partir de estudo e entendimento da individualidade de cada ser humano. Por esse motivo que Jung fazia questão de argumentar a humanidade que existe no contexto terapêutico: “conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”. 

 

Ficha técnica:

Reportagem: Cassiana Tozati
Imagens: Cassiana Tozati
Edição e publicação: Ana Carolina Barbato
Supervisão de produção: Luiza Carolina dos Santos
Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira e Muriel E. P. Amaral


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