Reviver, associação de assistência para pessoas vivendo com HIV e/ou doentes de AIDS em Ponta Grossa

Reviver, associação de assistência para pessoas vivendo com HIV e/ou doentes de AIDS em Ponta Grossa

No Brasil, a década de 1990 presenciou uma reconfiguração dos movimentos sociais, concomitante à reabertura democrática que então ocorria, num momento de ofensiva do neoliberalismo em várias partes do mundo. Organizações não-governamentais (ONGs) surgiram no período como expressões dessas novas configurações, que remetem a um conjunto específico de aspectos sociais e políticos da relação entre Estado e sociedade civil (MONTAÑO e DURIGUETTO, 2011).

Tal contexto também foi marcado pelo enfrentamento à epidemia de HIV no Brasil, em notável ascensão no início da mesma década (MARQUES, 2003). Para além de diferentes ações e programas do Estado brasileiro, a resposta à epidemia em solo nacional também foi amplamente influenciada pela atuação da sociedade civil, na medida em que, como bem vaticinou Altman (1995, p.21), “[…] sem reações fortes originadas na comunidade, os melhores recursos dos sistemas de saúde pública não seriam capazes de enfrentar a crise da AIDS”.

O primeiro caso de infecção pelo HIV oficialmente registrado em Ponta Grossa remonta a 1987, e a partir desse ano o número de diagnósticos e de óbitos manteve-se em curva ascendente (BARSZCZ, 2020). Em meados de 1989 foi criado um ambulatório de infectologia na região central da cidade, que funcionava como centro de especialidades, ainda modesto em equipe e estrutura (WISNIEWSKI, 2000). Foi nesse espaço que, em 1991, religiosas da  Congregação Copiosa Redenção, recém fundada no município, travaram contato com profissionais de saúde para oferecer suporte espiritual e assistencial às pessoas soropositivas para o HIV e suas famílias.

Tal parceria sustentou-se até que em 1995 ocorreu a decisão de se fundar uma organização não-governamental que buscasse expandir um conjunto de ações sobre o HIV, sobretudo aspectos de sua prevenção. Dessa forma, em 07 de setembro daquele ano, foi fundada a Associação Reviver de Assistência ao Portador de HIV, pioneira no enfoque específico ao apoio, acolhida, informação e assistência social para pessoas vivendo com HIV e/ou doentes de AIDS em Ponta Grossa. Criada por um conjunto de atores da sociedade civil, a instituição passou por diferentes fases ao longo de seus 25 anos.

Entre os anos de 1996 e 1997 a instituição reunia seus integrantes em uma sala no 7º andar do Edifício Itapuã, localizado no centro da cidade, espaço cedido em uma parceria assinada com o Centro de Direitos Humanos de Ponta Grossa (CDH-PG). À época, as ações do grupo mais se caracterizam por participações em eventos municipais com ênfase para a visibilidade e prevenção ao vírus e formação de grupo de discussão de gays, lésbicas ou simpatizantes da causa da diversidade sexual (GLS). Uma vez que o CDH-PG não deu continuidade à parceria no ano seguinte, a entidade teve sua sede alterada para uma sala situada aos fundos do Diretório Central de Estudantes da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Neste período, compreendido entre março e agosto de 1998, a Associação Reviver passou a redigir seus primeiros projetos, assistida por professoras do curso de Serviço Social da UEPG e representantes da já então consolidada organização não-governamental curitibana Grupo Dignidade.  Os objetivos desse período direcionaram-se para firmar parcerias junto ao Estado brasileiro por meio do programa AIDS I (GALVÃO, 2000). Também esse período remonta à formação de um grupo informal de mulheres que passou a se encontrar regularmente no espaço da ONG.

Foi ainda no de 1998 que a Associação Reviver passou a ocupar uma nova sede, cedida pela prefeitura, na rua Rio Grande do Sul, nº 400. Com espaço físico amplo, suficientemente adequado à nova realidade da entidade, agora financiada pelo programa AIDS I, a Reviver passou a desenvolver um conjunto de projetos: alguns voltados para ações externas de maior abrangência,  como campanhas preventivas, palestras em empresas e escolas, a busca ativa junto à população então identificada como ‘grupos de risco’; outros voltados para ações internas, o que implicou em tornar a associação um espaço de convivência e sociabilidade, característica fundamental da Reviver ao longo de toda a trajetória vindoura

Desse ponto em diante, foram diversos os projetos desenvolvidos pelo Reviver. A maioria deles em parcerias firmadas com o poder público. Voltados para a população geral ou para grupos específicos, mencionamos aqui alguns deles. O primeiro projeto aprovado foi o ‘Projeto Margarida’, voltado especificamente para mulheres soropositivas para o HIV. Foi decorrente das reuniões e encontros informais que mulheres passaram a realizar na instituição desde meados de 1998. Seu objetivo principal voltava-se para capacitação de mulheres de Ponta Grossa e região sobre as diversas questões englobadas pelo HIV/AIDS e atingiu distintas atrizes sociais: líderes comunitárias, mulheres da área rural, jovens e adolescentes, mulheres soropositivas para o HIV e membras de equipes técnicas de saúde do município (BARSZCZ, 2020). Com o sucesso mundial da terapia antirretroviral, a partir de 1996, a entidade passou a enfatizar a necessidade do acesso aos fármacos pela população bem como a adesão desta aos tratamentos medicamentosos disponíveis.

Outros projetos se seguiram e, dentre eles, o ‘Roda Pião’, voltado para crianças vivendo com HIV; o ‘Maluco Beleza’, que contava com abordagens de rua e ações de orientação, prevenção e redução de danos junto a usuários de substâncias psicoativas; o ‘Androgenius’, extensão do ‘Grupo GLS’, que trabalhava especificamente com a comunidade de gays, bissexuais, lésbicas e travestis, entre outros. É importante destacar que parte das equipes de trabalho de tais projetos foi composta de pessoas vivendo com HIV e tal protagonismo também caracterizou a resposta municipal e da ONG à epidemia (BARSZCZ, 2020).

A partir de 2006 o cenário nacional de enfrentamento ao HIV passou por mudanças expressivas. Por um lado, foi o ano que marcou o fim dos programas de financiamento por parte do Banco Mundial; por outro lado, o programa nacional passou a destinar recursos financeiros aos governos locais, fomentando parcerias diretas entre municípios e as organizações da sociedade civil, embora não tenha criado mecanismos para garantir sua efetividade de destinação e aplicação. Não raro, o período é descrito na literatura do tema como de crise no financiamento das ONGs (CORRÊA, 2016; CALAZANS, 2018).

Neste mesmo ano de 2006 a ONG obteve uma sede própria, situada até os dias atuais na rua Manoel Soares do Santos, 585. Com o fim do aporte financeiro do Banco Mundial e com a centralização da atenção municipal ao HIV no Serviço de Assistência Especializada (SAE) fundado em 2001, a ONG precisou readequar seus projetos e frentes de atuação. Assim, além do trabalho em grupos com a população vivendo com HIV, passou a buscar financiamento de projeto junto a empresas, bem como aproximou-se da Política Nacional de Assistência Social.

Atualmente, a Reviver desenvolve ações como a participação em eventos municipais, articulações com o SAE, promoção e garantia de direitos, e oficinas temáticas variadas, que vão desde a prevenção e adesão terapêutica até a promoção de habilidades manuais e artísticas. A despeito da perda de especificidade de muitos dos projetos para a questão do HIV, a Reviver permanece como um espaço de referência na acolhida, sociabilidade, garantia de direitos e reconhecimento identitário para a população que vive com o HIV em Ponta Grossa e região.

REFERÊNCIAS

ALTMAN, D. Poder e comunidade. Respostas organizacionais e culturais à AIDS. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; ABIA; UERJ, 1995.

BARSZCZ, M. V. História, memória e protagonismos: a associação Reviver de assistência ao portador de HIV e a resposta do município de Ponta Grossa à AIDS. Dissertação (mestrado em Ciências Sociais Aplicadas). Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná, 2020.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Brasília: MDS, 2014.

CALAZANS, G. J. Políticas públicas de saúde e reconhecimento: um estudo sobre prevenção da infecção pelo HIV para homens que fazem sexo com homens. 2018, 223 p. Tese (Doutorado em Medicina Preventiva) – Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

CÔRREA, S. A resposta brasileira ao HIV e à AIDS em tempos tormentosos e incertos. In: ASSOCIAÇÂO BRASILEIRA INTERDISCIPLINAR DE AIDS – ABIA. Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV e AIDS em 2016.

GALVÃO, J. AIDS no Brasil: A Agenda De construção De Uma Epidemia. Rio de Janeiro; São Paulo: ABIA; Editora 34, 2000.

MARQUES, M. C. C. A história de uma epidemia moderna: A emergência política da AIDS/HIV no Brasil. Maringá: EDUEM, 2003.

MONTAÑO, C; DURIGUETTO, M. L. Estado, Classe e Movimento Social. São Paulo: Cortez, 2011.

PARKER, R. Políticas, Instituições e AIDS. Enfrentando a epidemia no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed; ABIA, 1997.

SEFFNER, F; PARKER, R. A neoliberalização da prevenção do HIV e a resposta brasileira à AIDS. In: ASSOCIAÇÂO BRASILEIRA INTERDISCIPLINAR DE AIDS – ABIA. Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV e AIDS em 2016. Rio de Janeiro, RJ, ABIA, 2016.

WISNIEWSKI, M. O atendimento público em HIV/AIDS na cidade de Ponta Grossa – PR e a visão das equipes multidisciplinares sobre a utilização da política nacional de humanização no gerenciamento da epidemia. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas) – Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2015.

AUTOR: Marcos Vinícius Barszcz, psicólogo. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela UEPG, 2020.

ANO: 2021

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