Pichação: arte no sentido estético da subversão

Pichação: arte no sentido estético da subversão

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Criatividade e ousadia denunciam o abandono dos locais

 

As noites de Ponta Grossa são bonitas para alguns, mas para outros é um ambiente  para fazer desenhos, riscos e outros registros nos muros e fachadas. Além do prazer, existe o perigo do enquadro da polícia ou de algum segurança que impeça a produção de grafites e pichações. Mesmo com a coibição, é inevitável que de um dia para o outro uma parede recém-pintada, como a fachada do campus central da UEPG, apareça com as marcas da noite. Em Ponta Grossa, grafitar é ousadia para os fortes.

“Cara, vou contar duas histórias. A primeira é mais engraçada. Um dia, eu e um amigo estávamos dando um rolê pelo centro da cidade e, por algum motivo, começamos – a gente tava bêbado, na real – escrever frases que não tinham nada ver, tipo a gente pichou Sérgio Reis, “portão” num portão e, na frente de um colégio particular da cidade, pichamos um “vamos estuda”. Virou um meme entre os alunos do colégio. Um conhecido que trabalha lá nos contou que os alunos usavam essa imagem como um motivacional, sabe?! ‘Ah, tem que estudar pra não fazer isso’. Nesse dia a gente acabou perdendo algumas latas porque no meio do rolê encontramos a polícia. Tivemos a mão e o braço inteiro pichado, eles jogaram fora nossas latas. Mas são coisas que acontecem, é mais rotineiro do que parece. Como não nos pegaram em flagrante, não podiam fazer nada além disso.”

Esses flagrantes comuns do relato do pichador FLD conversam com a origem da cultura hip hop nos EUA e o conflito histórico com o poder público, como mostra o documentário “Style Wars”(1983). Na música, na dança ou nos registros em grandes letras coloridas, esses embates se repetem. Seja na realidade exterior ou na pontagrossense, como narra a próxima história ocorrida nos trilhos dos trens que o pichador nos conta.

 

Na chuva para se molhar

“Uma vez a gente foi fazer um rolê nos trilhos do trem da ALL, normal aqui em Ponta Grossa que tem muito trilho e trens parados; famoso rolê andante. Tinhamos uma câmera Gopro gravando de um lado e eu fotografando pra recordação, é sempre uma história. 

As empresas de trem têm uns seguranças que são armados e a gente deu azar de dois nos acharem quando estávamos indo embora. Foi esculachado, real, com tapa na cara, perda das tintas e eles só não levaram as câmeras porque a gente podia denunciar. Mas quebraram os cartões de memória. Foram uns quarenta, cinquenta minutos tomando tapa na chuva. Mas acontece, né? A gente tá na chuva pra se molhar, literalmente.”

 

Picho é arte

FLD, um pseudônimo, não cita seu nome de batismo, mas começou a pichar em 2009 aos 17 anos por influência dos amigos do hip-hop. O pichador relata que a família nunca soube de sua atividade artística, e que alguns amigos achavam besteira perder tempo fazendo registros em muros e fachadas.

Sobre os objetivos das letras pichadas pela cidade, “é para ser reconhecido. Tanto que existe diferença entre os pichos das cidades: o de Ponta Grossa é diferente do picho de Curitiba, de São Paulo, de Belo Horizonte, do Rio de Janeiro ou de Porto Alegre. Cada região tem uma forma diferente de se expressar”. 

“O picho de Ponta Grossa se assemelha muito ao de São Paulo, um traço mais reto, mais fino e agressivo. Na real, ele é uma mistura do picho de São Paulo e de Curitiba, que são cidades que a galera tem muita envolvência por causa do hip-hop e tal. São Paulo é o berço do hip-hop nacional e Curitiba não se influencia pela proximidade. São pichos mais retos, com spray normal, um ou outro que usa o fat cap, um com o spray mais aberto na ponta. Para pichar em Ponta Grossa, geralmente vamos na parte mais alta do prédio ou na parte mais baixa, como uma esquina”.

O pichador complementa que, além das siglas, há frases que podem indicar letras de músicas, declarações ou protestos. “Uma muito conhecida é a do Rappa: ‘todo camburão tem um pouco de navio negreiro’, que se usa para expor essa realidade”. O pichador comenta que a criminalização é apenas pela estética. “Mostra que o pessoal não entende o que é”.

 

Pode ser considerado arte?

Segundo Álvaro da Fonseca, professor de arte, é muito difícil defini-la. Ela pode abranger uma imensa gama de manifestações e muitos artistas já a demarcaram pluralmente. Fonseca acredita que arte é uma linguagem instrumentalizada para a expressão. “É uma necessidade do ser humano se comunicar, deixar símbolos, fazer pinturas e desenhos. Então, se utiliza a arte como uma ferramenta de comunicação”.

Para o professor, a pichação não é considerada arte pela maioria da população porque não é convencional. “Nós aprendemos na escola o que é arte através de exemplos gregos e europeus. Isso nos faz pensar de modo geral que ela é algo que entendemos como esteticamente belo e compreensível”. 

Fonseca ainda afirma que o objetivo da arte vai além da beleza, ela tira as pessoas do comodismo. “A pichação também pode ser uma arte mesmo que incompreendida, e deve estar inserida em determinados contextos”.

De acordo com o professor, a pichação vai estar em lugares que as pessoas não querem que ela esteja, como a Estação Arte, pichada devido ao abandono. “Ela é uma válvula de escape e também uma agressão à sociedade, um dedo na ferida. Se você não quer que ela apareça, cuide dos lugares. Por exemplo, se você tiver um lugar grafitado, ele não vai ser pichado, pois é respeitado dentro de uma linguagem entendida pela periferia”.

 

Grafite

Carlos Leandro de Freitas, de 41 anos, trabalha com grafite desde 2001. Quando começou, a família ficou apreensiva. Acreditavam que aquilo não valia a pena, mas hoje aceitam tranquilamente. “Sempre tem pessoas que confundem a arte com algo que não importa, que é de bandido”.

Assinando como Leboard, seus grafites têm como caraterística rostos de pessoas. Ele alega grafitar apenas em locais com autorização e interessantes para visualização, por onde passam diversas pessoas.

Para ele, falta apoio para a arte do grafite em Ponta Grossa. “O grafite não tem apoio; se você quiser pintar na rua, vai gastar do teu bolso, né? Só quando tem algum evento que trocam uma ideia com a gente, a secretaria de Cultura ou o pessoal da prefeitura. De vez em quando, isso acontece”.

 

Ficha técnica:

Reportagem e fotos: Ana Paula Almeida

Edição: Yuri A.F. Marcinik

Supervisão de produção: Marcos Zibordi

Supervisão de publicação: Candida de Oliveira e Muriel E. P. Amaral


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