Pílula do medo

Pílula do medo

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Gênero pode assustar e ao mesmo tempo encantar espectadores em busca de adrenalina

O filme Le manoir du diable (1896), de Georges Méliès, é usualmente apontado como o primeiro filme de terror da história do cinema. Desde então, o gênero passou por fases, estereótipos e tendências, quase nunca perdendo a popularidade. Nos anos 1920, quem ia aos cinemas encontrava o vampiro sanguinário Nosferatu (F. W. Murnau, 1922). Nos anos 1970, espectadores passavam mal ao assistir a atuação de Linda Blair em O Exorcista (William Friedkin, 1974). Hoje em dia, franquias como Scream (1996-2023) já duram quase 30 anos sem perder o fôlego.

Segundo a revista Variety, em 2022, o longa Sorria (Parker Finn, 2022) arrecadou mais de 202 milhões de dólares nas bilheterias mundiais, o que superou – e muito – o orçamento de 17 milhões utilizado na produção do filme. O Telefone Preto (Scott Derrickson, 2022) também ultrapassou a marca de 200 milhões de dólares, com um orçamento de 18 milhões. Diante de uma história que se mantém firme há 127 anos, nos perguntamos: por que consumimos tantos filmes de terror? A resposta está em um público fiel, com o gosto pelo medo, passado de geração a geração.

Rafaela Sauka é pedagoga e conheceu os filmes de terror aos sete anos por influência familiar. O primeiro filme que lembra de assistir é A Casa de Cera (2005), do diretor Jaume Collet-Serra. Ela afirma que assiste filmes de terror para escapar de um sentimento ruim: “quando estou ansiosa, ou com medo de coisas reais que acontecem na minha vida, assisto filmes de terror para me distrair e inibir qualquer outro sentimento”.

Diferente da experiência de Rafaela, a artista Ana Rovani conheceu o gênero na adolescência, aos 15 anos, com o filme O Chamado 3 (2017) do diretor F. Javier Gutiérrez. “Antes disso, tinha muito medo de tudo, até filmes sobre zumbis me deixavam aflita”, explica. Após a primeira experiência positiva, Ana começou a assistir novas vertentes do terror e reassistir filmes que antes não conseguia encarar. Ela ainda conta que, mesmo que goste muito do gênero, não lida bem com cenas de violência explícita e de sangue.

A artista afirma que a sensação de sentir medo ao assistir um filme de terror é positiva, por conta da adrenalina liberada por um curto período de tempo e, principalmente, por ter um sentimento de paz ao perceber que, ao contrário da narrativa, ela está completamente segura. “É como sentir a situação, mesmo que irrealista, e sentir o conforto ao perceber que não há nada do tipo acontecendo comigo na vida real”, explica.

Há pessoas que ganham a vida ao comentar exclusivamente sobre obras de terror. Lucas Maia é jornalista e o dono do canal “Refúgio Cult”, no Youtube, que possui mais de um milhão de inscritos. Maia faz resenhas sobre os filmes e, muitas vezes, assiste obras mais violentas, que a grande maioria das pessoas não consegue assistir devido à brutalidade. O jornalista descobriu os filmes de terror na infância, quando ia até as locadoras e ficava encantado com as capas das produções que não podia alugar.

Ele acredita que dois fatores explicam porque o medo causado pelos filmes de terror é chamativo: em primeiro lugar, é uma maneira de entender o sofrimento humano: “é quase como uma caixa, você sabe que vai tomar choque ao abri-la, mas, depois disso, vai experienciar algo que nunca mais vai esquecer”. Para o youtuber o entretenimento é um dos fatores, já que os filmes dão um frio na barriga. Na sua opinião, as obras são uma “pílula do medo”, que fazem com que o espectador sinta a emoção por algumas horas e, logo depois, essa sensação passa.

 

Ficha Técnica

Reportagem: Maria Helena Denck

Ilustração: Amanda Martins

Edição e Publicação: Ana Moraes

Supervisão de produção: Luiza Carolina dos Santos

Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira e Muriel E.P. Amaral


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