Pesquisadores da UEPG comentam reajuste nas bolsas de pesquisa
No meio da lavoura, Luiza Chiezi observa as espigas de milho. As mãos rápidas tiram a casca, o estigma e debulham os grãos. Os olhos avaliam o aspecto do cereal. A ação, que virou rotina há quase um ano, faz parte do seu projeto de Mestrado na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). A produção científica, muitas vezes, precisou ter investimento do próprio bolso – realidade que desde 01 de fevereiro deste ano mudou. Luiza e demais pesquisadores do Brasil agora contam com mais auxílio para o desenvolvimento da ciência: o reajuste das bolsas pelo Governo Federal.
O aumento do valor é voltado a bolsistas das agências de fomento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), conforme publicação de portaria própria, e representa um aporte de R$ 2,38 bilhões em recursos do Ministério da Educação e do Ministério da Ciência e Tecnologia. Os valores abrangem toda a categoria de bolsistas: Iniciação Científica Júnior: R$ 300,00 (aumento de R$ 200,00); Iniciação Científica: R$ 700,00 (aumento de R$ 300,00); Mestrado: R$ 2.100,00 (aumento de R$ 600,00); Doutorado: R$ 3.100,00 (aumento de R$ 900,00); e Pós-Doutorado: R$ 5.200,00 (aumento de R$ 1.100,00). O reajuste também contempla supervisores de programas, residentes, coordenadores de curso e professores de ensino a distância.
A pesquisa de Luiza acontece a campo, na lavoura da Fazenda Modelo do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná. Ela chega toda manhã, com bota e roupas apropriadas para trabalhar no campo. Graduada e mestranda em Zootecnia, ela estuda o impacto da adubação das lavouras de milho para produção agropecuária, desempenho animal e qualidade do solo.
Para quem não é da área, a pesquisa pode parecer complexa. Mas o trabalho de Luiza impacta diretamente a vida de produtores rurais e criadores de animais. “Minha pesquisa pode dizer ao produtor a maneira mais barata e eficaz de plantar, adubar e alimentar animais”. Para que parte de resultados aparecessem, Luiza realizava pesquisa com amostras e também cogitou em comprar. “E ainda tem o fato de que na minha área as fazendas são longe e eu tive que arcar com transporte para poder trabalhar”.
O aumento de bolsas veio como um alívio. “Com esse valor, eu consigo me custear, não preciso da ajuda dos meus pais e comecei a ficar um pouco mais independente”, comemora. Apesar dos desafios de fazer pesquisa no Brasil, Luiza não esconde o gosto por fazer mestrado na área que sempre sonhou em atuar. “Eu gosto muito dessa parte da pesquisa em que a gente precisa ir atrás das respostas e formular hipóteses. Tudo isso vale a pena, porque ajudamos o produtor e é uma área muito demandada”. Arrependimento por ter se formado e ido direto para o campo acadêmico? Não para Luiza. “Eu desde pequena sempre quis trabalhar com animais e eu acho que não foi eu que escolhi a Zootecnia, mas foi a Zootecnia que me escolheu”, completa.
Os pesquisadores brasileiros passaram dez anos sem reposição inflacionária pelo Governo Federal. “Essa ação resolve diretamente um dos principais problemas de fomento na pós-graduação”, destaca o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UEPG, Giovani Marino Favero. Com o aumento dos valores, a expectativa é que que exista maior interesse dos recém-formados pela pós-graduação. “Esperamos que melhorem as condições de permanência e finalização das pesquisas dos bolsistas”, ressalta. Segundo Giovani, mais de 90% das pesquisas do país são desenvolvidas nas universidades públicas. “Esse reajuste é um estímulo para novos cientistas e consequentemente, para o crescimento nacional”.
Desde o ensino médio
Pesquisadores da Iniciação Científica Júnior, estudantes do ensino médio, ganharam um novo estímulo para participarem do Projeto, segundo Giovani. “Essa categoria tinha uma ociosidade de bolsas devido ao baixo valor. Com a nova mensalidade, ocorrerá um estimulo para mais de 50 mil bolsistas dessa modalidade em todo o país”, salienta.
Uma das bolsistas Pibic Jr que será impactada com a nova fase da pesquisa no Brasil é Anne Elise Mariano. Toda semana, ela veste o jaleco e as luvas e entra no Laboratório de Anatomia do Bloco M para fazer análises. “Aqui, a gente faz a parte de medição dos cadáveres, medindo os membros superiores e fazendo a comparação entre eles. Porque a gente não é simétrico, né?”, explica a aluna.
Descer até o Bloco M, para Anne, é tarefa simples. Aluna do terceiro ano do Colégio Agrícola Augusto Ribas (Caar), que fica no Campus Uvaranas, ela almoça no Restaurante Universitário e segue para a rotina de trabalho da tarde. “Quando estou aqui, acabo ajudando a minha amiga a fazer a pesquisa dela de anatomia comparada, que é analisar humanos com outros mamíferos”, conta. Toda a dedicação em um laboratório da área de saúde não será em vão para ela. “Quero aproveitar o que aprendi aqui para estudar Ciências Biológicas ou Agronomia”. O Pibic Jr tem total culpa na escolha pela graduação. “Frequentar esse lugar me influenciou pela ciência e acabei gostando muito da área”.
Bolsista desde novembro de 2022, Anne vê o reajuste no valor das bolsas como um incentivo aos estudantes. “Motiva não só a gente do Pibic Jr, mas também graduação e pós-graduação, foi uma vitória para todos os pesquisadores”. O caminho na graduação já é certo: Anne quer continuar como pesquisadora. “Já sei que quero ser pesquisadora, independentemente do curso que eu escolher, porque vejo que aqui [na Universidade] nada é exato e sempre precisa ser pensado e estudado”, descreve.
O futuro das pesquisas e dos pesquisadores
Do ensino médio ao doutorado, o amor pela pesquisa segue pulsando. Ana Luísa Senra é doutoranda da Pós em Engenharia e Ciência de Materiais e atuou como bolsista de pesquisa desde a graduação na UEPG. Atualmente, ela trabalha em parceria com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), de São Paulo. Por conta da colaboração, a rotina de Ana se divide em fazer pesquisa e viajar entre Paraná e São Paulo todo mês.
Se desdobrar entre lugares não foi o único desafio. “São três anos do doutorado, no meio de uma pandemia que me impediu de fazer experimentos presencialmente no laboratório, em que aproveitei para trabalhar com softwares e aprender mais”, recorda. Apesar da dificuldade, a vontade de trabalhar pela ciência não parou. “Me formei na UEPG em 2016, fiz mestrado aqui e iniciei direto no doutorado, sempre como bolsista, então é uma vida de pesquisa na instituição”.
Ana estuda uma estrutura metálica chamada Inconel 625, que é uma superliga de níquel que permite impressão de materiais em três dimensões. A pesquisa contribui diretamente na fabricação de aeronaves e turbinas de foguete, por exemplo. “Estou formada há mais de 5 anos e se eu continuasse a minha trajetória na indústria, já ganhava mais do que ganho hoje como pesquisadora”, conta.
Apesar do ganho salarial que teria na indústria, Ana não trocaria a vida na pesquisa. “Faço pesquisa porque gosto e vejo que é importante para a sociedade, mas é abdicar de construir a tua vida, de comprar uma casa, um carro, por exemplo”, pondera. O reajuste das bolsas traz um “respiro” para Ana. “Agora sei que vou conseguir ter uma qualidade de vida melhor como pesquisadora”. Vale a pena ser pesquisadora no Brasil?: “Sim, para quem adora descobrir coisa nova, de ensinar para alguém e ver aquele sorriso no rosto, de ter vontade de multiplicar a ciência. Vale a pena, sim. Não me arrependo nunca de ter saído da indústria e ter vindo para a pesquisa”, finaliza.
Na sala de aula há 12 anos, Fernanda Cristina da Silva Oro Ghiberto, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UEPG, ama o que faz. “Minha pesquisa fala sobre racismo na Argentina e a repercussão nas mídias sociais e no ensino de línguas”, explica. Bolsista do mestrado desde maio de 2022, ela está acostumada com o trabalho de pesquisa, pois já trabalhou como Pibic durante a graduação. “Esse aumento de bolsas possibilita que eu possa me dedicar a minha pesquisa pelo menos 20 horas na semana, bem como a participação de eventos na minha área”, conta.
Como mora em Curitiba, o deslocamento até Ponta Grossa agora tem um alívio financeiro. “O aumento da bolsa é muito importante para nós pesquisadores, pois não é possível viver única e exclusivamente com o valor da bolsa, é preciso trabalhar também, mas o aumento significa uma valorização do pesquisador enquanto profissional’. Para Fernanda, o Brasil precisa de pesquisadores e acima de tudo. “Precisamos que pesquisadores fiquem no país, considerando que fazer pesquisa é um trabalho”, salienta. Imersa em pesquisas no meio a livros, Fernanda não esquiva em responder que ama o que sente. “Financeiramente, às vezes não vale a pena, mas amo sim o que faço”, finaliza.
Texto e fotos: Jéssica Natal