Pesquisadores da UEPG estudam sobre plantas medicinais em comunidades quilombolas

O que para alguns pode parecer apenas uma planta ornamental ou mesmo “mato”, para quem conhece ervas medicinais, pode representar o diferencial para a melhoria da saúde de uma pessoa. Em busca de auxiliar na identificação do que pode ser utilizado para o bem-estar e o tratamento de enfermidades, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) desenvolve, ao longo deste ano, o projeto de extensão “Cultura Quilombola em Foco: Valorização e Preservação das Plantas Medicinais e Fitoterápicos nas Comunidades dos Campos Gerais”, junto aos grupos de Castro e Cerro Azul.

O propósito central é promover a valorização, preservação e revitalização do saber tradicional das comunidades quilombolas de Serra do Apon (Castro), Limitão (Castro), Mamãs (Cerro Azul) e Tronco (Castro), referente ao uso de plantas medicinais e fitoterápicos (aqueles obtidos de plantas medicinais com finalidade terapêutica reconhecida). “Este objetivo é alcançado por meio de uma abordagem participativa e colaborativa entre a universidade e as populações locais”, justifica o professor Giovani Marino Favero, que coordena a iniciativa em conjunto com o colega Flávio Luís Beltrame.

Ações

A proposta está vinculada aos Departamentos de Biologia Geral e de Ciências Farmacêuticas da UEPG, especialmente à área de Farmacognosia, conforme a classificação desta disciplina pelo CNPq.

Os participantes se dedicam ao mapeamento etnobotânico participativo, a oficinas e rodas de conversa sobre cultivo e uso sustentável de plantas medicinais, à elaboração de cartilhas educativas adaptadas cultural e linguisticamente, à capacitação de agentes comunitários para identificação e manejo dessas espécies vegetais, ao estímulo à criação de hortas medicinais e iniciativas de produção local, e à troca de saberes entre estudantes universitários e moradores das comunidades. “Muitas plantas já possuem seu potencial medicamentoso estudado e comprovado, e seu uso racional certamente contribui para a melhoria da saúde da população que, muitas vezes, carece de recursos para adquirir um fármaco ou não tem acesso facilitado ao sistema de saúde. Acredito que o uso consciente de plantas medicinais e os produtos fitoterápicos delas derivados podem ter grande valor terapêutico e social”, explica o professor Flávio Luis Beltrame, da área de Farmácia Industrial.

Para o professor Giovani, da área de Farmácia-Bioquímica com atuação em Biologia, a relevância do projeto é imensa, pois contribui para a valorização de saberes tradicionais sob risco de esquecimento, estimula as comunidades quilombolas na gestão de seus recursos naturais e pode gerar renda de forma sustentável, além de ampliar a atuação social da universidade pública. “Ademais, fortalece os direitos culturais dessas populações e promove a equidade no acesso ao conhecimento, à saúde e ao desenvolvimento socioeconômico”, define o coordenador.

Na mesma linha, o professor Flávio destaca que o reconhecimento do saber ancestral sobre plantas medicinais sempre será de grande importância para o enriquecimento de qualquer sociedade. “No contexto de nossa pesquisa com os quilombolas, buscamos oferecer a estes grupos informações seguras, atualizadas e contribuir para que a utilização dessas plantas continue a auxiliá-los na manutenção de sua saúde e na melhoria de quadros patológicos, quando estes surgirem”, justifica o pesquisador.

Resultados já aparecem

Até o momento, em uma etapa preliminar, os pesquisadores já identificaram mais de 60 espécies de plantas medicinais utilizadas pelos grupos locais, o que possibilitará a produção dos primeiros materiais educativos em formato de cartilha ilustrada. Além disso, os moradores foram entrevistados pelos acadêmicos e docentes em um processo de escuta ativa, no qual constroem o conhecimento de maneira colaborativa.

O programa tem como principal financiador o Parque Tecnológico de Itaipu e também conta com recursos institucionais da UEPG, especialmente para cobrir despesas de deslocamento e prover todo o suporte técnico da Pró-reitoria de Extensão e Assuntos Culturais (Proex).

As comunidades visitadas

A formação dos núcleos Serra do Apon, Mamãs e Limitão remonta à segunda metade do século XIX, quando indivíduos negros que residiam há mais de 100 anos na Fazenda Capão Alto se recusaram a ser reescravizados. Seus antepassados eram pessoas escravizadas pela congregação Carmelita em 1751. Em 1770 os religiosos, oriundos de São Paulo, retornaram para o estado vizinho e deixaram os indivíduos escravizados por conta própria. Porém, conforme estudos de Roselene Semprebom Freire e Frank Antonio Mezzomo, no artigo “Formação histórica e experiências contemporâneas de comunidades quilombolas no Paraná”, anos depois, em 1864, a fazenda passou às mãos da Casa Comercial Bernardo Gavião Ribeiro e Gavião, cujo contrato previa a transferência dessas pessoas para São Paulo.

Os afrodescendentes da Fazenda Capão Alto resistiram à transferência. Os arrendatários solicitaram apoio policial de Curitiba. Apesar de irregularidades na documentação da casa comercial, a força policial foi utilizada, resultando no fim do Quilombo de Capão Alto. Registros indicam que 23 pessoas escravizadas foram levadas para São Paulo e cerca de 100 crianças permaneceram em Castro, sendo distribuídas para famílias locais. “Os mais de 200 que conseguiram fugir e esconder-se nas redondezas fundaram os principais quilombos da região de Castro, como a Serra do Apon, Mamãs e Limitão. Outros foram além, até para o Rio Grande do Sul”, asseguram os pesquisadores. A comunidade de Tronco teria a mesma origem das três anteriores.

Curiosidade

Dados do Censo de 2022 revelam que 55,5% da população brasileira se identifica como preta ou parda, superando o contingente de brancos. Em números absolutos, o Brasil só é superado pela Nigéria quanto à população negra (aproximadamente 110 milhões no Brasil e mais de 200 milhões na Nigéria). Essa significativa presença étnica e histórica reflete-se na sociedade em diversos campos. Um exemplo é o saber tradicional sobre o uso medicinal de plantas, o que despertou o interesse dos pesquisadores da UEPG, ao ponto de já haver intenção em dar continuidade à iniciativa. “Devido ao bom andamento das atividades, pretendemos estendê-las por um período maior”, assegura o professor Giovani Favero.

Texto: Helton Costa/Foto: Arquivo Pessoal do professor Giovani Favero.

 

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