Há 40 anos surgia o jornal Lira Paulistana

No dia 2 de outubro de 1981, circulava em São Paulo a edição experimental semanal (número zero) do tabloide alternativo do Centro Cultural Lira Paulistana. “Um jornal de lazer, cultura, agitos e muitos serviços”, definia-se o periódico que teria vida curta – 12 edições – mas intensa repercussão no modo de fazer jornalismo cultural no país. “São Paulo, conhece?”, pergunta a manchete. 

A edição piloto é a única da série a trazer um editorial na página 2, espaço que a seguir seria ocupado por cartas com reações dos leitores. “Para chegarmos a esse número zero (uma edição experimental com a programação de uma semana de outubro, no caso, de 2 a 8) levamos muito tempo. Fomos obrigados a pensar e repensar a cidade. Ou seja: fomos pra rua confrontar o que pensávamos sobre São Paulo com o que a cidade realmente oferece de concreto em termos humanos, culturais, de lazer, de vida, etc”, provocam os produtores. 

“E temos, por exemplo, 587 associações de bairros: 74 teatros; 11 movimentos e associações negras; 9 grupos feministas e 9 gays; 163 centros acadêmicos; mais de 20 salões de gafieiras, forrós, rodas-de-samba e bailes; centenas de diretórios de partidos políticos realmente atuantes; 180 cinemas e 44 cineclubes; 10 fotogalerias; 121 galerias comerciais; centenas de bares e restaurantes; livrarias que não fecham na madrugada e onde se encontra de quase tudo; bancas de flores, frutas e jornais sempre abertas; alguns parques (alguns mesmo); um verdadeiro mercado de trocas; feiras das mais diversas; lojas de livros, discos e roupas usadas e raras; lojas que alugam as fantasias mais loucas e até fatiotas completas”, enumera o editorial. 

Essa espécie de radiografia da cena cultural paulistana não ficaria tão somente na carta de intenções, mas serviria de eixo da linha editorial do jornal, com a segmentação da “ideia de cultura” (EAGLETON, 2005) em múltiplas editorias e seções. Chama atenção nas páginas de resenhas, anúncios, críticas e reportagens a preocupação com o espaço público, num movimento que acompanha a gradual reabertura política após anos de repressão. 

 

Prova disso é que parte da equipe do jornal vem justamente de experiências de imprensa alternativa e de resistência à ditadura, movimento que marca as décadas anteriores e nos anos 80 se altera, com a modificação do cenário político-social (as diretas) e o modo de se fazer jornalismo. Essa é uma das percepções dos resultados parciais da pesquisa de iniciação científica financiada pela Fundação Araucária da estudante de Jornalismo da UEPG, Ana Luiza Dimbarre, conforme apresentação recente no XIII Encontro Nacional de História da Mídia da Rede Alfredo de Carvalho. 

Conforme levantamento realizado junto ao expediente do jornal publicado na página 2 das 12 edições, a pesquisa constata a presença de profissionais de distintos mundos sociais ou campos de atuação em diálogo na produção do jornal. São nomes com experiência em jornal de bairro, como o próprio editor e criador do Lira, Fernando Alexandre, que se associam a pessoas com trajetória no teatro, na música, na literatura, no cinema, nas artes visuais, no espaço universitário, na psicanálise, em movimentos sociais, em partidos políticos e demais universos de produção cultural. Um segundo resultado parcial de interpretação dessas trajetórias cruzadas que compõem a “tribo” do Lira Paulistana será apresentado pela pesquisadora na próxima sexta-feira (8) no 44º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom). 

 

Programação Cultural 

A edição piloto que hoje marca os 40 anos da iniciativa comprova tal perspectiva. Ao pé da página 2, os chargistas e artistas gráficos Xalberto e Paulo Caruso assinam a seção As Mil e Uma Noites, em traços de fina ironia e homenagem para com o circuito noturno e boêmio da vida artística e cultural paulistana. Na página 3, a seção “agitos” promete anunciar todas as manifestações públicas que acontecem na cidade. Logo abaixo, a divisão “altos papos” volta-se para a agenda de palestras, conferências e debates. 

A seguir aparecem as editorias de teatro (incluindo espaços alternativos), de cinema (com opções gratuitas e nos bairros), crítica de rádio, de TV (assinada por Gabriel Priolli Netto), música, exposições (com direito a museus), bailes, feiras, esportes, discos, leitura, criança, passeios, dança, bares, comida, transas (trocas em geral), etc e tal (serviços variados, como opções na madrugada).

A partir dessa oferta de uma programação mais completa das opções culturais em São Paulo, o jornal Lira Paulistana se tornaria inspiração confessa no campo do jornalismo cultural da década de 1980, como aconteceu com a criação da Vejinha, publicação segmentada de roteiro revista Veja. 

 

Depoimento e análise 

Em evento recente da 19ª Semana Nacional dos Museus, o Museu Campos Gerais debateu com a museóloga Fernanda do Canto e com o historiador Tiago Alves a relevância cultural e jornalística do tabloide. Na ocasião, o volume encadernado com as 12 edições do jornal foi doado ao MCG. Relembre aqui.

 

Memórias Digitais 

As doze edições do jornal Lira Paulistana podem ser lidas, em PDF e de forma gratuita, aqui 

 

Digitalização 

Relembre como se deu o processo de digitalização do jornal

 

Fontes 

DIMBARRE, Ana Luiza Betelli; SCHOENHERR, Rafael. Jornal Lira Paulistana: imprensa alternativa e cultura jornalística no início da década de 1980. Anais. XIII Encontro Nacional de História da Mídia. UFJF, 2021. Disponível em: https://secureservercdn.net/50.62.195.83/jga.766.myftpupload.com/wp-content/uploads/2021/09/05_gt_historiadamidiaalternativa.pdf. Acesso em 2out21. 

EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: Unesp, 2005. 

“Lira Paulistana nº0, 1981,” Memória Digital, Culturas Regionais, acesso em 2 de outubro de 2021, http://memoriasdigitais.museu.uepg.br/items/show/2023. 

 

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